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Chinês com sono (Editora Rocco, 157 páginas), de Leonardo Fróes, explora a condição de um homem se retirando para envelhecer (ou rejuvenescer antigas idades), a viver próximo das escarpas e dos contornos selvagens das pedras. Poesia que fala pouco na subida, a guardar fôlego, para chegar ao topo e dizer tudo para as aves.

Em cada poema, a eclosão incessante de descobertas sonoras e centelhas filosóficas. Leonardo Fróes acampa na posteridade. Lírica puramente erótica, a mais erótica das obras do autor, com um desvelamento oriental, de contenção libertária. Descreve encontros escondidos no mato e desejos espreitando. "Logo ele a agarra e sussurra as safadezas mais ternas". O erotismo se espalha do corpo da mulher para a neblina, das curvas da mulher para o verde escuro. A madeira é sugestão da carne. "Sinto-lhes as mãos, o rosto, as coxas a roçar meu sexo". Quem não se sentiu assim, aliciado pela brisa no topo de uma colina, quando ela sobe lânguida pelas pernas? O poeta não quer recordar, quer a aventura declarada no momento em que a vive. Pois, como ele mesmo confessa, "recordar é morrer."

"Chinês com sono" é um "Guia Quatro Rodas" da poesia brasileira. Apresenta as trilhas fechadas do bosque, a apetência do relento, o silêncio ouriçado da noite, a insistência dos insetos. A montanha é para Fróes o equivalente metafórico da neve para o americano Robert Frost. Ambos expressam a solidão sem testemunhas, uma solidão derradeira, uma solidão do limiar.

Nesta escapadela da civilização, não é de se esperar tédio, mas exaltação do mistério. O homem se confronta consigo ao encarar um bicho na estrada, enfrenta redemoinhos dos ventos, vai esquecendo de quem é, para ser apenas a consciência de estar sendo. Reencontra hospedarias decadentes, arrisca travessas incertas e novas, cobre a culpa com pó.

A atuação poética é de um pintor impressionista, a céu aberto, captando mais a atmosfera do lugar do que suas linhas. Troca-se a ordem segura, previsível e doméstica pelo equilíbrio estranho e hostil da natureza. Posso dizer apenas que "não dá nem vontade de voltar para casa".    

 

 
 
março, 2006
 
 
 
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Leonardo Fróes. Chinês com Sono e Clones do Inglês. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2005

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Fabrício Carpinejar é autor dos livros As solas do sol (Bertrand Brasil, 1998), Um terno de pássaros ao sul (Escrituras Editora, 2000), Terceira sede (Escrituras, 2001), Biografia de uma árvore (Escrituras, 2002), Caixa de sapatos (Companhia das Letras, 2003), Porto Alegre e o dia em que a cidade fugiu de casa (Alaúde, 2004), Cinco Marias (Bertrand Brasil, 2004), Como no céu e Livro de visitas (Bertrand Brasil, 2005) e O amor esquece de começar (Bertrand Brasil, 2006). Mais no seu site e blogue.
 
 
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