Uma das grandes questões a que nos remete o livro de Leonardo Fróes é a dos gêneros literários. Ao lermos Argumentos Invisíveis, será sempre fatal nos perguntarmos onde termina a poesia e onde começa a prosa.

 

Pode-se simplificar a questão, rotulando alguns textos de poemas em prosa ou, se formos mais radicais, de prosa poética. Mas quaisquer dessas duas classificações nos deixarão um sentimento de injustiça. Primeiro, pela natureza dos poemas e a dimensão metafísica que alcançam. Poucos poetas da contemporaneidade conseguem transfigurar o cotidiano através da linguagem lírica, portanto tensa, e ao mesmo tempo dar-lhe a distensão épica da prosa. O poeta adota a simplicidade narrativa da prosa, desenvolvendo-a numa espécie de contar que não avança, inconcluso e imagético, retomando sempre ao ponto de partida, num movimento circular, próprio do poema.

 

Teorias à parte, neste seu quinto livro, Leonardo nos dá mostras de sua capacidade de renovação dentro de um mesmo estilo ou, como nos fala Ivan Junqueira no prefácio: "Todo grande poeta se renova na repetição de seus temas e problemas, na utilização de sua linguagem e de seu estilo".

 

E que estilo será esse? O prefaciador ainda responde: "Leonardo Fróes escreve poesia como quem conversa". Diríamos que o poeta sussurra, solta no ar as possibilidades surreais da prosa do mundo, em abordagem bem humorada, rumorosa, amorosa. Trata-se de um escritor que possui a informação e a formação necessárias para trabalhar, equilibradamente, o que pode existir de clássico na poesia contemporânea, e vice-versa, ou seja: o humor, uma certa dicção "marginal", matriz do ritmo distenso, geram o diálogo permanente desses argumentos com formas mais clacissizantes de composição. Jogos de palavras engendram metapoemas de caráter absolutamente existencial. Nada do que diz é em vão ou obedece apenas aos efeitos especiais de um dizer apenas "retórico". Os poemas saem "desde adentro", como falam os espanhóis, e por isso fluem sem as entraves burocráticas de um formalismo excessivo, tão em voga hoje em dia.

 

Neste livro, de um modo mais contundente do que em outros, ele opõe ou reúne natureza e cultura, real e surreal, poesia e prosa, o institucional e o não-institucional em variados graus e latitudes. Coloca-nos diante da realidade veiculada pelo vídeo, quase beirando a ficção. Assassinatos, seqüestros, tevês, computadores, o máximo da sofisticação convive com os brotos dos chuchus ou o balé das gaivotas. Inventa argumentos reais para a existência ou para a desistência. Todos sem conclusões, sem explicações, sem falsos moralismos.

 

Leonardo desdramatiza a paixão apaixonando-se. Em qualquer tom. Do quase conto "O reinado da Rainha Perpétua" (p. 34), ao poema em fábula "Maluco cantando nas montanhas" (p. 29), às denúncias não explícitas de "Algumas variações de cultura"  (p. 79), sem esquecermos de citar o profundo e ao mesmo tempo simplíssimo tom de "O Apanhador no Campo" (p. 16).

 

Enfim, estamos diante de um livro-súmula do que de melhor a poesia brasileira vem produzindo nos últimos tempos. Um livro de aprendizagens e de riscos, sem definições possíveis. Diante dele, a sisuda Teoria Literária capitula e deixa a poesia seguir seu curso livremente.

 

Aos leitores mais desavisados, podem passar despercebidos a contenção formal de cada poema (por mais distendido que possa parecer) ou os ensinamentos dessa prosa elíptica, muitas vezes enumerativa e caótica, sem que se perca jamais o sentido profundamente humano desse caos.

 

Como o animal que o poeta descreve em "Introdução à arte das montanhas" (p. 18), o poeta compreende e sabe descer o necessário para não inutilizar o esforço da subida.

 
 
 
março, 2006
 
 
 
 
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Leonardo Fróes. Argumentos invisíveis. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1995

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Suzana Vargas. Poeta, autora de Literatura Infantil  e ensaísta com vários títulos publicados. É mestre em Teoria Literária pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde cursou Letras. Ministra oficinas de Poesia e Leitura em universidades e entidades culturais. Idealizou  e coordena,  o "Projeto Rodas de Leitura", do Banco do Brasil. Idealizou e coordena o espaço  "Estação das Letras", oficinas de leitura e escrita. Colabora eventualmente com o Jornal do Brasil e O Globo. Possui, entre poesia, literatura infantil e ensaio, 14 livros publicados, entre estes: o livro de poesia O Amor é vermelho (Rio de Janeiro: Garamond, 2005); o livro infantil Porta a   porta — correspondência (São Paulo: Saraiva, 1998); o ensaio  Leitura: uma aprendizagem de prazer, 3a ed. (Rio de Janeiro: José Olympio, 1997). Saiba mais em Estação das letras e Suzana Vargas.
 
 
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