minhas rimas

não têm rumo
não se arrimam
não se arrumam
não se arredam
não se arriscam
não se arranjam
não se arrulham
não se arrupiam
mas se arrastam

arruinam-me

 


beata
 
acho que nem te lembras
para anelar os cabelos
a moça daqueles tempos
tinha lá os seus fricotes
amarrava papelotes
enrolados com o dedo
 
depois soltava as madeixas
e bonita como são joão
ia para a igreja
 
fazia sucesso com os santos

 


extrema-unção

se foi para paris
se não me quis
vai ser atroz
não vou atrás

traz-me um copo
de aguarrás
ou um scoth

rimar é ilusão

 


rimas caninas

corações perdigueiros
farejam e caçam
amores verdadeiros

o meu vira-latas
também vai à cata

 


cunhã

parece uma flor de palha
a moça que me atrapalha
sem cheiro e sem encantos

no entanto igual arraia
enreda em sua saia
o dono dos meus quebrantos

 


exangue

quando se gasta ao largo
algo ou alguém que gostamos
quando se é largado
no lago dos desenganos
quando se rasga a alma
a mágoa é grande é amarga
a goela engole engasga
engasta nós na garganta
a lágrima esgota igual água
goteja sangue

 


ponto de vista

uma partícula
um cisco
não teria importância
e nada mudaria
se não tivesse caído
no meu olho

 


(des)encontro

entra sem bater a casa é tua
deita em minha cama e dorme
esquece das agruras

não demoro fui secar os olhos
vez em quando choro
somos sol e lua

 


nirvana

quintana e drummond
estavam lá na rua
quando a lua veio

então carlos falou
que bacana senta-te ali
no colo de quintana

e a lua se sentou

 


vergonha 

escondo a timidez barulho
arrulho embrulho entulho
encalho falho empalho
atrapalho-me

e tenho um filho azul

 


flashs

 

o girassol olha o sol
com olho de lua

 


confiança
é dormir igual criança
na cama de outrem

 


lar é uma casa
com jeito de útero

 


cheiroso
é sentir um gozo
na ponta do nariz

 


única filha é aquela ilha
cercada pela família

 


o rio segue seu curso
e se diploma no mar

 


o cigarro e a cigarra
rebentam o peito
na marra

 


quem tem pena de passarinho
é passarinho

 


o silêncio é poliglota
comunica-se e se faz entender
em todas as línguas

 


casta

flor amarela não tem opção
não tem sangue nas pétalas
e ser branca não é cor
é condição

 


não me vês? 

onde se faça a panela
há uma espécie de casta
quem está dentro se basta
sapo de fora não entra

não se inovam as idéias
os métodos os pensamentos
permanece tudo estático
hermético bolorento

sou invisível igual ar
e respiro oxigênio
coaxo em todo brejo
sem precisar d'água benta

 


sílfide
 
dentro das quatro paredes
inventava ser feliz
 
escancarava a janela
abria as asas em leque
flutuava até paris

 


o cabaço
 
penso aqui com os borbotões
estou cheia de senões
se fossem abotoados
os pingolins dos meninos
ia ser um desatino
desarrolhar os coitados

acho mesmo houve engano
nas meninas muito pano
os rapazes sem cortina
triste é a nossa sina
um selo de validade
desde a mais tenra idade

 


infâmia

um rio nasce espontâneo
brota do ventre da terra
escorre solto nas pedras
rasga seu leito estreito
ganha corpo correnteza
leva cardumes inteiros
atravessa as florestas
as campinas as veredas

um rio recolhe às margens
o canto das lavadeiras
a alegria dos pássaros
o corpo d'algum menino
canoas anzóis as redes
o riso das cachoeiras
sua vida serpentina
até se jogar ao mar
quando cumpre seu destino

há homens pensam-se deuses
violam as águas do rio
arrancam-lhe as riquezas
desviam-no da sua trilha
transformam-no em mijo seco

 


submissão 

acho que foi
o olho do boi
o olho parado
o olhar de lado
que o levou
ao matadouro

a vaca fraca
caiu de quatro
mudou do pasto
para o açougue

essa cadeia
essa parede
é uma rede
de pegar mosca

ora freguês
é a tua vez
abaixa-te
entrega o ouro

 


à deriva

o mar vem e volta
não se prende à areia

e há folhas secas
soltas pelo ar

carrego na alma
o peso do vazio

e faz muito frio
não poder ficar

 


dor

escrevo num soco
única palavra
tem ela três letras
depois da pancada

e esse grunhido
não faz um poema
é ele o gemido
da minha pena

 


pontuado e sem respostas 

ouço o canto da cigarra
aonde vai levá-la essa canção?

o sol arde implacável
o que é para o sol uma cigarra?

a folha cai é só uma folha
o que é uma folha?

o que somos nós
cara-pálida?

 


les misérables

em noites turvas ou frias
pobres corpos se procuram
sob viadutos e marquises

nos redutos dos ratos e das aranhas
nas entranhas da penúria
brotam os filhos do infortúnio
e da escassez

 


líder
 
peito para frente
bunda para trás
e o batalhão atrás


 
 
conquista
 
a pele da piscina
arrepia-se
com as tuas braçadas

 


definitivo
 
foi triste
quando partiste
levaste a estrada

 


o passarinho
 
não cobra um tostão
pela serenata
de todas as manhãs

 


a caneta
 
deu o sangue
por esses versos
descartáveis

 

 


Líria Porto (Araguari-MG). Vive em Belo Horizonte. Tem poemas publicados em algumas antologias poéticas e na Web.