Noturno
É noite na boca, santa agonia na calmaria
De quem mais seria?
É noite no olhar, flagrante atento
E o mais que invento
E quem mais vem lá, bem-vinda
É noite de vez saudável esperança
De braços com a dança pra lá e pra cá
É noite no dia assaz rebeldia não soube conter
É noite que fala o silêncio delatado
Quem faz de rogado?
É noite pra tudo que nem vem-vem
Na santa nobreza de não ser de ninguém
Endecha
O sax soava no quintal e luzia na tarde mansa
Quando o mundo ouvia um silêncio e Brasil tricampeão mundial de futebol. E a dor do nunca mais.
Tarde calma, a tez grisalha da música fazia horas emoções a fio ao redor da minha solidão. Até a preta gorda vir buscá-lo pro jantar. O Brasil tetracampeão de futebol e a vida do nunca mais
O sax soava no quintal e o solo de brasileirinho sob o pinheiro mantinha aceso dentro de mim aquele frêmito feliz.
Quem sentia falta do lar nesta hora?
E o Brasil campeão em nada e a dor dos que choram na lama.
O cabelo em desalinho e um vago olhar sobre o muro de um moleque menino de nada espantar.
E o Brasil era imenso e não era nada para os donos de tudo
Anoiteceu e faz frio. O sax ainda soando no quintal. O velho de pé com seus cabelos brancos, acordes do coração que anoiteciam comigo enquanto o Brasil adormece na escuridão.
O fervor da insônia
Quero apenas um copo d’água, nada mais.
Condenado eu fui, açoitado por todos. E apesar de saudável será examinada a minha doença e eu serei declarado imundo e me lançarão por fim fora do arraial
Roubaram meu sono e previ a insônia. Tenho a casa na glória do vento, meus bolsos vazios. Fui até o fundo do inferno e estou armado de luz. Nenhum céu me salvará. Anjo algum me avisou e me acrescenta o que perco, quixote dos meus ideais. E num caleidoscópio todos as lembranças desfiando meu rosário.
Na minha morte me recusarão o chão. E confesso, não estou arrependido e nem importa se perdoado. O coração a bombordo lutando contra meus próprios moinhos de vento.
A solidão me eletrocuta, sou estrangeiro aqui. Por vontade própria optei pela solidão. A insônia e a loucura. A minha crença no chão.
Close de maio
Estou nessa rua e vou só. Minha morte se completa.
Graças aos céus, sou um sujeito de sorte errando na vida.
Mordi a maçã sem o conselho da serpente e nos meus olhos soturnos ainda sedentos toda alucinação.
A vida é pouca aqui, repousa a comiseração. Tende, portanto,
Piedade dos meus chicletes.
As tardes vão como as noivas passeiam por maio. E eu sobrevivo ao exagero do afago e ao carinho dos nubentes.
Não há nada na minha euforia, apenas mormaçados desejos de maio no meu vadio coração.
Depoimento
Quando souber de mim lembre de como a tarde cai ou de quanto tudo se esvai na última gota do canto do cisne.
Não sendo apenas o fim disso e sim o olhar vidrado com a nascente clara e límpida do despertar superior. É que a luz abrasa a calma, alenta a alma pelo cismar surpreso por outro dia ignoto, tácito na esquina e em sendo amanhecido espreita a jogada plural que desemboca na loucura civil e seminal.
Devia ser desse jeito e sendo assim será feito o céu que inexiste infinito e grande, capaz do inacessível, do inalcançável que não se concebe.
Quando souber de mim, saiba do riso quente e detentor da maior bandeira desejada, mais esconjuro que bênção dum porto seguro mais aberto que o oceano, mais falível quanto o engano, mais enamorado quanto dado ao lado do amor.
E quando souber saiba quantas cartas extraviadas foram jogadas no interior das garrafas bebidas e sacralizadas no dia-a-dia de nenhum dia, de nenhum vintém, de nenhum ninguém nem de nada.
Em sabendo tal sabença saiba quanto foi difícil sustentar a curva da loucura relatividade para ignaros e avarentos sem tempo de beber no vento a boca da maior verdade.
Ao saber não saberá nada, nem onde vai dar qualquer estrada ou desejo ou razão. Ou senão da verdade mais guardada pelos esotéricos, pelos condutores elétricos ou herméticas explicações dum doido lúcido no labirinto da vida.
Não saberá porque o sorriso não é só o outro lado da tristeza nem a distância de sofrer e amar, de perder e de se dar, de não ter o que ganhar no prazer efêmero do contendor ou na soberba do vencedor, ou na derrota eterna da angústia certa de quem não ganhou sequer um aplauso, acaso houvesse platéia tácita. Em crendo seria mais atéia que a desilusão, sem saber jamais saberá do que trata a mão nua nem do beijo que despolua a intenção. Não saberá dos braços abertos nem do olhar incerto do menino amanhã.
Quando souber de mim será notícia invalidada. Já terei quadra formada num poema sem fim. Não terei que agradecer pelas lembranças, nem de respeitosamente requerer mútua estima, nem solenemente disfarçar uma hipocrisia esgrima pra tolerar tal dança de estimar. Terei apenas que mostrar quando souber algo de fato, nada saberá daqui, dali, dacolá, dessa insólita emoção de mostrar o coração a quem possa apenas amar.
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