Noturno

 

A noite é sempre bonita.
A noite é sempre minha
porque não tenho horários
nem pessoas à minha espera.

 

A noite é motivo único
e derradeiro
para as mensagens todas
que eu quis mandar
e se perderam de mim mesmo.

 

A noite é sempre bonita
porque na noite eu posso encontrar
quem me veja com olhos bondosos.

 

E quando na noite você me encontrou
e me olhou desse jeito tão seu,
decidi dividir a noite
com seus carinhos.

 

 

 

 

 

De mãos dadas com a Lua

 

A pureza das noites
eu as tenho nos olhos
nem sempre brilhantes,
nem sempre lúcidos
mas voltados pra dentro
da minha certeza
de ter teu carinho
nos copos curtidos
de cada rodada.

 

Se eu chegar em silêncio
ao escuro do quarto,
ignora-me a fraqueza,
pois que tenho nas mãos
a pureza das noites.

 

 

[Poemas do livro De mãos dadas com a lua, Goiânia, 1984]

 

 

 

 

 

 

Alba

 

Chegou na noite feito voz
e era mágica.
E fez-se vista e era solene, morena e sólida.

Sob a lua e feito a lua
encantou, enfeitiçou,
bebeu meu beijo e se desfez deixando forte
uma presença.

       Povoou meu sonho e se fez querida

 

 

 

 

 

 

 

Rio Quente e eu

 

Na minha terra existe um rio.
Pequeno curso, pequeno caudal
que deságua límpido
nas turvas águas do Piracanjuba.

Corre alegre, borbulhante,
mantendo constante
a água clara
a trinta e sete graus.

Persistente, meu pequeno Rio Quente!
Foi ele a imagem primeira
do que chamei de rio.

Mas não é ele, ainda,
um rio de verdade. É ribeirão;
e na cidade (pouco mais que vila),
o Córrego de Caldas,
miúdo e manso: hospitaleiro
para o banho, farto de lambaris
de ingênuas pescarias.

Rio mesmo
é o Corumbá, violento e forte.
Vem do norte
e reforça o Paranaíba,
que nasce em Minas.

Rios são assim, feito a vida. Tímidos
primeiro, crescentes depois.
E viram grandes
quando grandes somos também
tal como grande nos parece o mundo.

Saudade de ser córrego:
hospitaleiro e manso.

 

 

 

 

 

 

Eu te amo

 

...no jeito ingênuo
de te sentir boneca de pano
quando te acalento
cantando acalanto
para te fazer dormir de mentirinha.

Eu te amo de sonho
e esperança, te amo acordado
e enfeito de ti
minhas horas mais tristes
para que não mais sejam tristes.

Amo tua voz e teus olhos,
e tuas mãos de amiga,
de irmã que não quero,
de amante ternura,
carinho e tesão.

Eu te amo distante
na imagem-desejo
de estar sempre perto.

Eu te amo contando dias,
os dias que faltam
para ter-te real: em cores,
contato e odores.

Eu te amo demais.
Eu te amo mais.
Muito mais.

 

 

[Poemas do livro Sarau, Goiânia, 2003]

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A rosa

 

A rosa, essa rosa que alguém colocou
no meu peito...
A rosa, essa rosa rosada,
puxada para o rubro tênue, rosa
choque talvez.

 

A rosa, essa rosa que enfeita
e perfuma
a mão que me afaga o peito,
enfeita o carinho, realça o momento
em que chego tímido
propondo te amar.

 

[Do livro Canto de amar, Goiânia, 1986]

 

 

 

 

 

 

Magia

 

Posso virar meu chapéu

e fazer voar um pardal.

Brandindo meu lenço,

faço brotar bandeirinhas

coloridas.

 

Posso te olhar profundamente

e te fazer dormir. Posso

te olhar mais de perto

e lançar meus acenos,

dizer palavras exóticas, predizer

maravilhas.

 

Aí, eu te transformo numa rã:

beijo-te a boca

e te faço rainha de mim

para vida inteira.

 

 

[Do livro Menina dos olhos, Goiânia, 1987]

 

 

 

 

 

 

Quando amo

 

É meu este defeito
de me dar inteiro. Quando amo,
digo tudo (o que me passa)
ao ouvido da Amada: digo em forma
de poesia minha dor, minha alegria,
fatos simples e banais,
feito a pura fantasia
das crianças, dos quintais.

 

Penso nela (quando amo) o dia inteiro,
vejo flores e vitrinas, lingeries,
absorventes, analgésicos,
cosméticos. Lembro dela o tempo todo,
sonho estrelas e carinhos, mãos roçantes,
beijos longos, pés ingênuos se tocando.

 

         Quando amo dou-me tanto

         que espanto a minha Amada.

 

 

[Do livro Isso de nós, Goiânia, 1990]

 

 

 

 

 

 

Carícias de amansar morangos

 

Ardentes meus olhos (de achado),
macias as mãos que me tocam.
Ardentes lábios pedem carícias
e as tenho — e quantas!

 

Ardente meu peito
que oferto em apreço
e colho esperanças (e quantas!).

 

Ardentes mãos de domar angústias.
Ardentes lábios de amansar morangos
nos meus.
Ardentes coxas de embalar segredos,
irrigando sexos (e quanto!).

 

 

[Do livro Razões da semente, Goiânia, 1996]

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Figuras frutas

 

 

A polpa que apalpo (dura), por fora,
é carne e gordura a dar
forma às nádegas
— ancas
sobre as pernas
andadeiras pernas
sensuais
— guardiãs dos mistérios
anais
das tardes, noites, manhãs de amor
inteiro.

 

Navego teu corpo, tal menino de antes
a correr
pomares à cata de frutas;
hoje, caço putas inocentes;
mulheres morenas,
negras ou
claras, virtuosas. Transmudam-se
nas alcovas, nos
parques, no milharal...

 

 (Houve o elevador,
o avião
noturno, o último banco
no ônibus
quase vazio;
e o sacrilégio na sacristia
em
tarde morna, o padre sonolento
a dormitar a sesta).

 

Pomares de adolescência, a corrida
atrás de Irene alva e rósea.
A pele
tenra
feito
casca de manga madura, a manga rosa
dada
em paga antecipada
do amor
infante.

 

Alcança. E toca. E tomba.
Cai a moça
jovem, quinze anos feitos.
Peito arfante, cheio, túmido;
e os mamilos eriçados, túrgidos,
salientes
sob o pano claro
do vestido
pobre.

 

Férias de fim de ano, quase Natal;
menino
ginasial, o dia à toa, menina-moça
com
tesão e charme. Os pés, as frutas,
artelhos
como jabuticabas cheias,
peitos
como sapotis, densos.

 

As uvas figurativas de seus mamilos tenros.

 

 

[Do livro As uvas, teus mamilos tenros, Goiânia, 2005]

 

 

 

 

 

 

 

 

Seja lembrança

 

Deixa ficar só assim
esse amor de arremedo,
essa lembrança de nós.
Há de haver sempre o carinho
dos teus passos encurtados,
passos raros, leves, soltos,
de pernas bem torneadas
(imagens inaugurais
aos meus olhos de tesão).

 

Deixemos que fiquem assim
as imagens de nós dois,
imagens de curtas viagens,
dos beijos primeiros em meio
às mordidas do bíblico pecado.

 

Seja assim tua lembrança
no carinho das compras primeiras
e na estréia do leito a só.

 

Só? Só. Mas tu estavas,
silente e afetiva presença:
mão macia em meu cabelo,
meu peito feito travesseiro
no teu rosto de esperança

 

 

 

 

(imagens ©glowimages)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Luiz de Aquino (Alves Neto): nasci em Caldas Novas, Goiás. Era sábado e setembro, 1945, às oito da manhã. Criança, eu fugia do futebol de bola de meia no meio da rua, preferia ler gibis. Poeta e contista pelo prazer do texto, jornalista pelas mesmas razões e porque há que se sobreviver. Autor de alguns livros publicados e outros inéditos. Vivo em Goiânia, sempre à espera de que tudo vai melhorar. Estudei por alguns anos, trabalhei outros mais, casei-me mais de uma vez. Tenho quatro filhos e um neto. Gosto de bossa-nova, poesia nova com lírica antiga; gosto mais de cadência que de métrica, de viajar de automóvel e de conversar muito. Escrevo crônicas para o "Diário da Manhã" e as repito em algumas páginas da Internet, como no meu blogue, Pena&Poesia. Obras publicadas: O cerco e outros casos (contos, 1978); Sinais da madrugada (poesia, 1983); De mãos dadas com a lua (poesia, 1984); Canto de amar (poesia. 1986); Menina dos olhos (poesia, 1987); Isso de nós (poesia, 1990); BEG — Nossa gente, nossa história (crônicas, 1994); Razões da semente (poesia, 1996); Deu no jornal (entrevistas, 2000); Meus poemas do Século XX (reedição dos seis livros de poesia num só volume, 2001); A noite dormiu mais cedo (contos, 2002. Prêmio Cora Coralina, da Agência Goiana de Cultura Pedro Ludovico); Sarau (poesia, 2003, festejando os 25 anos de O cerco, que foi publicado na mesma ocasião, em segunda edição); As uvas, teus mamilos tenros (poesia erótica, 2005).