Maria Esther Maciel, poeta, ensaísta e ficcionista, nasceu em Patos de Minas, em 01 de fevereiro de 1963. Vive em Belo Horizonte desde 1981. É professora de Teoria da Literatura da Faculdade de Letras da UFMG, com Doutorado em Literatura Comparada, pela mesma instituição. Realizou estudos de Pós-doutorado em Literatura e Cinema na Universidade de Londres (1999-2000), onde ocupou também o cargo de Pesquisador Visitante. É autora dos livros: Dos Haveres do Corpo (poesia, 1985), As vertigens da lucidez: poesia e crítica em Octavio Paz (ensaio, 1995); A dupla chama: amor e erotismo em Octavio Paz (ensaio, 1998); Triz (poesia, 1999); Vôo Transverso: poesia, modernidade e fim do século XX (coletânea de ensaios, 1999); A palavra inquieta: homenagem a Octavio Paz (organizadora, 1999); Laís Corrêa de Araújo (ensaio, 2002). Co-autora de: América em movimento: ensaios sobre literatura latino-americana do século XX (ensaios, 1998), e Borges em dez textos (ensaios, 1998). Coordenadora do TransVerso — Fórum de Criação e Estudos Poéticos da UFMG. Tem ensaios publicados em revistas do Brasil, Argentina, Chile, México, Portugal, Espanha, Estados Unidos, Inglaterra, Escócia e Dinamarca. Vários de seus poemas foram publicados em jornais e revistas de cultura do país, como Suplemento Literário de Minas Gerais, Babel, Orobó, Coyote, Cacto, Mininas e Suplemento Pensar do Correio Braziliense. Tem dois livros inéditos: Poéticas do inventário — ensaios de literatura, cinema e artes plásticas, e O cinema enciclopédico de Peter Greenaway (org.). Está, no momento, traduzindo textos ficcionais do cineasta britânico Peter Greenaway e preparando um livro de prosa poética, intitulado O livro de Zenóbia. Seu site: www.letras.ufmg.br/esthermaciel

onde o poema

Entre o nervo e o osso
Entre o eco e o oco
Entre o mais e o pouco
Entre a sombra e o corpo
Entre a voz e o sopro
Entre o mesmo e o outro

elegia

Há um vestígio mineral
na sua ausência: algo
que sem estar ainda
fica: fatia de cristal

que não se vê e brilha:
solidez em transparência
elegância de pedra, luz
do que é perda e não.

Há um vestígio musical
na sua ausência: algo
que é sigilo e ressonância:

sintonia de cristais
sílabas de sim no
silêncio do som e do aqui.

eclipse

A lua desliza
sob as sombras
do sol

luz de escuros
véu para o olhar
que não vê


a cor lilás
da noite


num verso

flashes

1

É noite mas não sei a hora:
entre mim e o aqui-agora,
a sombra e suas sobras.

2

Na noite incerta
da memória
meu mortos voltam:

ausências luminosas
imagens fátuas
de minha história.

pacto

Daquele que amo
quero o nome, a fome
e a memória. Quero
o agora. O dentro e o fora,
o passado e o futuro.
Quero tudo: o que falta
e o que sobra
o óbvio e o absurdo.

que não há:
que reluz
senão
de Éluard.
contrato

Sombras que conheço:

Confio a vós
o meu excesso
o nome avesso
que me empresto
a imagem vária
que me dei.

Viajo ao longe
do que sou, além
do meu espanto

Levo a face
Deixo o espelho
e seu reflexo

Em vosso rosto
deposito
o meu assombro.

koan

Entre as coisas que voam
e as coisas que ficam
vôo e fico.

de como a princesa somaprabha
respondeu ao rei, seu pai,
mediante os três pretendentes

— Entre um herói, um mágico
e um artista
prefiro o que faça o imprevisível,
o delicado no amor
perverso na sutileza
que saiba a mágica, a arte
e a conquista
sem que seja três
ou um de cada vez.


(Poemas do livro Triz, 1999)

desvio

Um pássaro atravessa
a página, no lapso
deste tempo que me retém.

Em que palavra não estou?

mirabilis e boninas

1

Plantas de raízes drásticas eram cultivadas por Zenóbia em 76. Eram doze as espécies
que cresciam no jardim estranho que criara em sua nova casa. Delas cuidava como se
fossem uma dádiva, uma beleza ideal ou seu nada.

2

Tanta dor teve Zenóbia quando seu primeiro cão morreu que escreveu cem vezes seis
vezes o nome dele no chão do quarto. Eram quatro para as onze quando completou o
quadro. Foi dormir quase sem culpa ou cansaço. Sonhou com um pássaro sem asa.

3

Em 87, Zenóbia conheceu na rua uma mulher que vendia palavras. Eram todas
inventadas. Encantou-se com "ilágrime". Comprou-a, sem alarde. Porém, mais tarde,
soube que essa era uma palavra roubada.

4

Alicia Mirabilis foi o nome que Zenóbia usou quando publicou o seu livro sobre os
milagres de Santa Clara. Já ao escrever sobre Tereza d'Ávila, escolheu o nome Notylia.
Descobriu-o quando pesquisava orquídeas numa ilha que inventou no dia de sua maior
alegria.