©mqlig

 
 
 
 
 
 
 

Ciclos, ou espirais

 

Os ciclos acontecem de um modo bastante curioso na história da arte, acho, se acompanhamos os diagramas formados paralelamente pelo uso de perspectiva com pontos de fuga e pelo uso da pontuação na escrita: você pega manuscritos medievais e as letras vêm todas grudadas umas nas outras (o que gerou o problema lendário da leitura do busillis), e a perspectiva na pintura é a hierárquica, ou seja: o mais importante na composição é desenhado maior. Cristo era tão importante, por exemplo, que o resto das pessoas nos quadros parecia um bando de duendes.

Depois, mais ou menos no período que costumam chamar Renascimento, começa o sistema de organização da escrita com sinais que sugerem pausa, divisão da matéria exposta, recursos de ênfase. Há quem diga que quem começou isso foi Poggio Bracciolini, dono de civilizadíssima caligrafia, base do tipo romano adotado pelas casas editoras então; e junto, ou concomitantemente, a perspectiva ilusionista, que dá três dimensões em duas, muitas vezes com uma divisão do espaço com analogia mística através do emprego estudado da geometria, abandonando assim o modo hierárquico.

O novo esquema editorial e pictórico se desfaz mais ou menos na mesma época também, quando a pintura dissolve a figura até o abstrato e a literatura tem o fluxo de consciência da prosa, além de poemas como os de Apollinaire, sem pontuação, ou os dos futuristas, que esmagam uma letra contra a outra tipograficamente, ou mesmo o registro daquele "I can't make it cohere", que disse Pound quando concluía sem concluir a experiência dos Cantos, o que nos dá o porquê disso tudo como mudança geral na percepção, algo que extrapola individualmente o artista, ou sua vontade.

Acredito que coisa semelhante aconteça na música, com o uso do baixo contínuo e o desenvolvimento a partir dos cânones (como aqueles do Josquin Desprez) em idéias cada vez mais sutis de harmonia e contraponto: daí, de novo, um refluxo ou embaralhamento ruindo com o esquema tonal, para novas concepções saírem disso ― e o hoje me parece que a conciliação da melodia com a vocação dissonante das vanguardas seja o caminho que está dando melhores frutos na música erudita.

(Lembrar que polifonia pode ser filosoficamente encarada como um complexo harmônico de combinação entre as diferenças ― Otto Maria Carpeaux escreveu sobre isso muito melhor do que eu seria capaz de, então encomendo os curiosos aos seus livros).

Nem mesmo a arquitetura escapa dessas relações, e nesse caso estou pensando apenas ― para levantar a possibilidade ― no tipo de abordagem arquitetônica que gerou Oscar Niemeyer e na outra, que gerou Paolo Portoghese, e podem ser associadas de modo análogo e respectivamente ao gótico, que perde de vista o ser humano, e à arquitetura da Renascença, que repropõe a ética de Vitrúvio para as proporções na construção de prédios, na divisão do espaço público, na preservação do horizonte, etc.

 

 

Velázquez, ou o nó

 

Tudo o que alguém pode querer saber sobre a pintura ocidental se resume em perceber como Velázquez operou um nó que amarra desde Giotto até a pintura abstrata.

Tudo o que a pintura ocidental foi capaz de inventar Velázquez resume e aponta adiante: se a técnica da tinta e da perspectiva encontraram nele um mestre insuperável, o futuro lhe rendeu fortuna semelhante.

Os impressionistas acharam em Velázquez aquele que lhes forneceu um princípio inteligente no uso da tinta como mancha, porque se tornava coisa no ponto do foco. Ele se tornou, portanto, um antecedente fundamental: ele, um homem tímido e que pintou poucos quadros, e que não obstante havia condensado toda a experiência da pintura anterior.

Depois, a tinta e a diluição da figura chegam finalmente à abstração, na mancha de cor por si mesma. Velázquez é um curso de pintura inteiro de um homem só.

 

 

De como os ateus perderam a superioridade moral sobre os crédulos

 

Richard Dawkins e seus amigos nervosinhos são os (ir)responsáveis por isso.

Era muito comum, antes, pensarmos que as pessoas mais éticas e equilibradas eram os ateus, que escolhiam o caminho mais complexo, a saber: o de viver uma vida ética sem ameaças futuras de danação, nem prêmios futuros de redenção. Faziam simplesmente o que achavam certo, de acordo com o uso sensível de suas inteligências.

Isso acabou, porque Dawkins é um fanático da ciência como os religiosos fanáticos são as caricaturas de suas contrapartes civilizadas: movido pela monomania paranóica de atacar a todo custo a qualquer religião (assim mesmo, no genérico), é uma caricatura do cientista ateu, mas agora roxo de paixão anti-religiosa.

Por que é mau? Porque é  tão cego quanto aqueles que acusa de cegueira, e tão rancoroso quanto aqueles que acusa de ser nocivos. O esquema de ambos é: if they move, kill'em. Desconsidera o quanto a religião fez pela arte e pelo pensamento humanos, para se apegar em aspectos horrendos ou criticáveis & generalizar; como alguém que julgasse todos os cientistas pelos palpites hidrófobos & histéricos de Dawkins, por exemplo.

Ou não: a ânsia de desmentir um deus que ele proclamadamente diz não existir é como a de Sade, que, ansioso por alguma atenção divina, cometeu uma pilha de crimes aberrantes a ver se papai lhe puxava as orelhas.

 

 

Contra-Reforma, o dilema

 

Para ser perfeitamente honesto, devo explicar onde foi que perdemos o rumo, nós, de cultura ocidental: quando a Florença neoplatônica acabou, com a morte de Lorenzo, il Magnifico, com a chegada dos franceses a Milão, a descoberta da América e a Contra-Reforma. Foi aí que perdemos o pé da situação mental, e nunca nos recuperamos.

"Nunca? E o Iluminismo? E a Era da Razão?"

Vivemos nela ainda, e eis aí o seu produto final, o überparanóico & tosco Dick Dawkins vociferando estatísticas como um pregador de rua com a Bíblia debaixo do braço.

Cindir a inteligência em razão e emoção, chamar uma parte com o nobilitante "racional" e a outra de "irracional" é simplesmente usar má nomenclatura e dar corda para tipos como os ateus extremistas. Num mundo de religiosos extremistas, isso parece adequado, parece um nêmesis bastante proporcional; o contrapasso, se se quiser.

Estivemos perto de conciliar ambas as coisas, ciência & fé, quando havia Pico della Mirandola, Marsilio Ficino, John Dee & outros estudando para compor um painel do conhecimento humano sem esse tipo de rusga de jardim da infância de "quem é o dono da bola". Atando as pontas do que era "sabível".

Quero dizer, pessoas efetivamente inteligentes. Efetivamente lidas e experimentadas. Della Mirandola começa a "Oração sobre a Dignidade do Homem" citando o fato de que lera os "antigos escritos dos árabes", e menciona a sabedoria de Abdala, o Sarraceno.

Um primeiro traço de estupidez cruel pode ser assinalado na cruzada albigense, que destruiu a civilização das cortes trovadorescas, no século XIII. As licenças teológicas e as práticas sociais cheias de licença foram demasiadas para que a Igreja suportasse: Caedite eos. Novit enim Dominus qui sunt eis. "Mate-os. Deus reconhecerá os seus". Respondeu Cesário de Heisterbach, monge cisterciense, à pergunta de um cruzado que queria saber quem era o inimigo na debandada de uma das cidades no sul da França.

Depois, houve a perseguição à cultura que se desenvolveu em algumas cidades italianas com a vinda de preciosos manuscritos da queda de Constantinopla, e que se instalou por lá durante uns dois séculos (XIV & XV) e vazou para outros lugares mais tarde, como os Países Baixos (sobretudo na figura de Erasmo de Rotterdam), a Inglaterra (depois de John Colet em Oxford), Praga, alguns lugares na Alemanha. O chamado Renascimento.

Era a essa cultura que eu aludia parágrafos atrás com o nome de homens justamente ilustres & injustamente perseguidos. Burckhardt mostra a perseguição aos eruditos, Yates mostra a perseguição aos ocultistas. E não há de surpreender o fato de os perseguidores serem uns religiosos bem limitados intelectualmente.

A Contra-Reforma, não obstante a arte muito dramática e conflituosa que gerou (eu quero dizer com isso Caravaggio & não a matilha de penumbristas de segunda classe), arruinou a vida mental do mundo, por dois motivos:

a) perseguiu e matou todas as pessoas de mente aberta & com algum conhecimento útil;

b) transformou em estigmas os métodos de pensar mais abrangentes e livres.

Isso aconteceu de tal forma que, depois, a reação à mentalidade supersticiosa da Contra-Reforma, o chamado Iluminismo, mancava da perna da magia, daquilo que torna as peças de Shakespeare radiantes de conhecimento sempre-novo. Basta ler The Tempest para se entender o que eu estou falando aqui.

Tão apertada é a viseira das Luzes que até hoje se diz à boca pequena (quando se diz) que Isaac Newton, da Lei da Gravidade, dos Principia Mathematica, da Optica, era exatamente o mesmo Isaac Newton que estudava alquimia.

Vivemos isso, ainda. E só vamos sair desse lamaçal de espessa & pegajosa ignorância se voltarmos a considerar atenciosamente o que se fazia no Renascimento, se atarmos as pontas de um conhecimento que ordenava essas duas partes aparentemente contraditórias (o inteligível & o mysterioso) em harmonia. Esse conhecimento ficou estagnado, esperando revisão, desde 1492.

É preciso encerrar esse ciclo histórico de bate-boca vulgar & refazer a estrutura do nosso pensamento. Urgentemente, aliás. E sem preconceito nem viseiras sociais. Estamos usando clavas por muito tempo, arrastando demais as mãos no chão.

 

 

De la poésie

 

O grande problema de boa parte da poesia que se escreveu no Brasil (e da que se escreve) é que dificilmente há alguém pensando por trás dos versos. Não se trata de pensamento no sentido de elucubrações, mas no do amálgama forma+sentido.

Parece que os poetas obedeceram à letra a um clamor social de que não se ofereça absolutamente NADA que exija ainda que 1 miligrama de pensamento do leitor para ligar os pontos no desenho.

Por isso é que no necrológio de Machado de Assis Rui Barbosa só sabe repetir que lá se foi um estilista: talvez Barbosa ainda achasse que ficariam todos muito impressionados com sua argúcia, consistindo apenas em fixar com olhos míopes uma superfície rigorosamente embaçada para ele. Olhava, mas não via.

Rui Barbosa é um exemplo bastante eloqüente de como a coisa funciona.

Depois, é claro, vieram aqueles que, incapazes de ler literatura, usaram os romances e contos de Machado de Assis como ilustração para meia-dúzia de processos sociais no Brasil, a velha lenga-lenga de não falar do livro, mas de todas as imediações do assunto.

Depois de 150 pp., o leitor estará disposto a admitir que o autor tem razão, seja lá o que esteja dizendo, só para se ver livre da penosa travessia do Aqueronte crítico.

 

 

Povo humilde

 

Meu povo

Povo humilde

Que já não espera nada.

 

Escreveu T. S. Eliot, que evidentemente não pensava no Brasil ao fazê-lo, embora seja oportuno lembrarmos desses versos a propósito de.

Novamente: desconsiderando o desserviço contínuo dos paspalhos que são os políticos, pode-se dizer que o hábito duvidosamente educacional de repetir sem pensar é uma desgraça; que o hábito do típico ao invés do melhor nas antologias simplesmente transforma aquele que vai aprender num blockhead.

O típico é o medíocre, o que se conforma. Nossas antologias estão entupidas disso, & é de uma inocência acabrunhante achar que tal coisa não penetre nas raízes da sociedade.

O melhor estimula a inteligência, fornece permanente desafio & permanente maravilha. Os críticos que vão pelo quantitativo são molóides da estatística, são meros compiladores compulsivos de dados. São burros de carga, e o que é francamente pior: de carga inútil.

 

 

All work and no fun makes Jack a dull boy.

 

O país está literariamente lobotomizado. Mas alguns poetas & escritores estão tentando fazer a poesia funcionar A DESPEITO do meio literário ele-mesmo.

 

O Epitáfio de Landor

 

(dedicado ao Fábio Aristimunho)

 

I strove with none, for none was worth my strife.

Nature I loved and, next to Nature, Art:

I warm'd both hands before the fire of life;

It sinks, and I am ready to depart.

 

Luta alguma merecia-me, não lutei.

Amei a Natureza e perto dela, a Arte:

Ao fogo da vida ambas as mãos levei;

Ele esfria: posso seguir à outra parte.

 

Walter Savage Landor escreveu isso porque, percebe-se, algumas coisas lhe chateavam, embora percebamos igualmente que ele não se daria ao trabalho vão de take arms against a sea of troubles ("pegar em armas contra um mar de problemas"), como disse Hamlet, em dúvida sobre o que fazer.

Eu disse "trabalho vão". Há considerável dispêndio de energia em se localizar causas perdidas, ou a pura inutilidade de algum esforço. E isso é sensatez.

Landor é sensato, não cínico, embora o cinismo muitas vezes seja também uma qualidade. Sua arte é a palavra: não a velha divisão entre a pena & a espada, mas graças aos deuses a tinta foi o veículo tanto para os navios dos aqueus indo a Tróia quanto para a fluidez desses hábeis versos ingleses de hirta sabedoria.

 

 

Opífice: cérebro & mãos = asas

 

Mais uma tradução de Ovídio. Flagramos, neste trecho das Metamorfoses, o estratagema de Dédalo para fugir de Minos que, ciente da capacidade do inventor, quer escravizá-lo. Estamos no livro VIII, dos XV que compõem o poema.

Um modo de encarar o acima mencionado sea of troubles. Dédalo é chamado opífice, que do artífice mantém a habilidade manual de construir, mas tem também o engenho que concebe a opus. O cabalista franciscano Francesco Giorgi, mais tarde (séc. XVI), usará essa palavra em De Harmonia Mundi para descrever deus: summus opifex Deus, o máximo opífice. Dédalo é como o homo universalis da Renascença. Ousado, aconselha a prudência; assume riscos pelo conhecimento & tem alegria genuína pelos momentos de descoberta & desenvolvimento de uma idéia.

A cena do garoto que brincando atrapalha o trabalho do pai (uma brincadeira também, a seu modo). O verbo e o substantivo assemelhados se encarregam, por outro lado, de estabelecer as diferenças entre uma coisa e outra.

Não deve passar despercebida, entre outras coisas (como o trecho com velozes semivogais), a metáfora das asas. É um lugar-comum, mas certamente você não terá lido esse tipo de emprego em nenhum outro lugar.

E isto resume a espécie de risco aceito pelo sábio Dédalo: "Ícaro, o meio é o caminho,/ eis meu conselho: se desces demais,/ pesa nas plumas a água,/ se sobes demais,/o fogo as inflama". Ícaro & a hybris, depois.

Ao poema, com o original latino em seguida:

 

Metamorfoses VIII, 183-235.

 

Dédalo Creta detesta por seu longo exílio,

pois o comove o amor por sua terra natal,

ele, que é preso no pélago:

            "me impede os caminhos da terra e do mar;

não o do céu, é certo; iremos por lá:

            Minos possui tudo,

                      mas não possui o ar",

disse e com ânimo imerso em artes sem nome,

            inova a natureza.

'Studa as asas e o vôo dos pássaros, élitros,

            a força das costas, dos braços humanos:

"nós resistimos ao ar, como o ar nos impõe resistência,

ele passa entre as penas na forte estrutura e

'stável é preciso que o corpo equilibre

            sempre no centro".

           Põe penas em ordem:

menores primeiro, longas seguindo as mais breves,

como crescessem num aclive: assim a rústica avena

veio de tubos de tamanho díspar;

            liga as do meio com linho,

                                    as de cima com cera;

compostas assim, com curva ligeira as fletiu,

        para imitar verdadeiras

                               asas de ave. Ícaro, o filho,

— desconhece o destino —,

sorriso nos lábios, persegue as penas que a brisa levanta,

            ou põe o polegar na cera amarela,

                        e atrapalha, ao brincar,

o trabalho espantoso do pai. Depois de o opífice

dar a demão derradeira,

suspende o seu corpo no ar

            sacudindo asas gêmeas,

e tenta instruir o menino:

            "Ícaro, o meio é o caminho,

                        eis meu conselho: se desces demais,

pesa nas plumas a água,

                        se sobes demais,

                                    o fogo as inflama:

voa entre os dois. Não encara o Boieiro,

            Ursa-Maior também não,

nem a bainha de Órion;

ordens estritas te dou: deixa que a via eu conheço!"

             enquanto ele instrui sobre o vôo,

traz e lhe ajusta nos ombros as asas estranhas.

            Enquanto trabalha e aconselha,

                        seu rosto enrugado umedece,

tremem-lhe as mãos

                                de pai;

            dá beijos no rosto do filho,

— isso jamais ele irá repetir —

            e ergue nos braços o par de suas asas,

voa na frente, teme por Ícaro atrás,

            ave que no alto do ninho impulsiona

sua prole recente no ar;

            exorta que o siga

e tenta versá-lo na arte ruinosa do vôo,

            move as suas asas,

mas busca com o rosto

            e repara nas asas do filho.

Os homens que pescam com trêmulas varas,

            o pastor apoiado no báculo, e aquele que usava o arado

pararam para ver e ergueram os olhos ao æther

cortado por quem achavam ser deuses:

            Samos Junônia à esquerda se achava

(Delos e Paros também),

            à destra Lebinthos, Calymne fecunda melífera,

quando agrada ao garoto a audácia do vôo:

            deserta a dianteira do pai e, seguindo o desejo de céu

ao alto se atila e se agita. Avizinha-se rápido ao sol que

            a cera odorífera, vínculo forte das penas, dissolve;

a cera se foi: bate em vão braços nus,

            que nada do ar apreendem;

    e sua boca chamava 'inda o nome do pai

ao ser engolido pel'água cerúlea, que leva o seu nome.

            E o pai, infeliz — já nem pai ele é —

                                  "Ícaro", grita,

            "Ícaro", grita,

                        "onde estás? seja onde for te procuro!"

                                                   "Ícaro", grita outra vez:

            e as penas encontra boiando,

maldiz suas artes e pousa o corpo do filho em sepulcro

           na terra que toma seu nome ao sepulto.

 

 

Metamorfoses VIII, 183-235.

 

Daedalus interea Creten longumque perosus

exilium tactusque loci natalis amore 

clausus erat pelago. 'terras licet' inquit 'et undas

obstruat: et caelum certe patet; ibimus illac:

omnia possideat, non possidet aera Minos.'

dixit et ignotas animum dimittit in artes

naturamque novat. nam ponit in ordine pennas

a minima coeptas, longam breviore sequenti,

ut clivo crevisse putes: sic rustica quondam

fistula disparibus paulatim surgit avenis;

tum lino medias et ceris alligat imas

atque ita conpositas parvo curvamine flectit, 

ut veras imitetur aves. puer Icarus una

stabat et, ignarus sua se tractare pericla,

ore renidenti modo, quas vaga moverat aura,

captabat plumas, flavam modo pollice ceram

mollibat lusuque suo mirabile patris 

impediebat opus. postquam manus ultima coeptis

inposita est, geminas opifex libravit in alas

ipse suum corpus motaque pependit in aura;

instruit et natum 'medio' que 'ut limite curras,

Icare,' ait 'moneo, ne, si demissior ibis, 

unda gravet pennas, si celsior, ignis adurat:

inter utrumque vola. nec te spectare Booten

aut Helicen iubeo strictumque Orionis ensem:

me duce carpe viam!' pariter praecepta volandi

tradit et ignotas umeris accommodat alas. 

inter opus monitusque genae maduere seniles,

et patriae tremuere manus; dedit oscula nato

non iterum repetenda suo pennisque levatus

ante volat comitique timet, velut ales, ab alto

quae teneram prolem produxit in aera nido, 

hortaturque sequi damnosasque erudit artes

et movet ipse suas et nati respicit alas.

hos aliquis tremula dum captat harundine pisces,

aut pastor baculo stivave innixus arator

vidit et obstipuit, quique aethera carpere possent,

credidit esse deos. et iam Iunonia laeva

parte Samos (fuerant Delosque Parosque relictae)

dextra Lebinthos erat fecundaque melle Calymne,

cum puer audaci coepit gaudere volatu

deseruitque ducem caelique cupidine tractus 

altius egit iter. rapidi vicinia solis

mollit odoratas, pennarum vincula, ceras;

tabuerant cerae: nudos quatit ille lacertos,

remigioque carens non ullas percipit auras,

oraque caerulea patrium clamantia nomen 

excipiuntur aqua, quae nomen traxit ab illo.

at pater infelix, nec iam pater, 'Icare,' dixit,

'Icare,' dixit 'ubi es? qua te regione requiram?'

'Icare' dicebat: pennas aspexit in undis

devovitque suas artes corpusque sepulcro 

condidit, et tellus a nomine dicta sepulti.

 

setembro, 2007