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O pensador francês explica por que recusou o Prêmio Nobel de Literatura, em 1964, e defende que a tarefa da linguagem é fixar a vida

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Leia trecho de entrevista que Jean-Paul Sartre concedeu à Rádio Canadá e em que fala sobre a razão de ter recusado o Prêmio Nobel de Literatura, em 1964, e explica também por que a escrita está ligada à própria condição humana.

 

 

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No final de "As Palavras", o sr. faz uma pergunta a si mesmo, que é: "O que resta?". E o sr. responde: "Um homem, feito de todos os homens, que os vale a todos e que vale qualquer um". Logo depois do aparecimento de "As Palavras", lhe outorgaram o Prêmio Nobel de Literatura. O sr. o recusou, e isso levou alguém que o sr. aprecia a afirmar sobre isso: "Definitivamente, Sartre é mais qualquer um do que qualquer um".

 

Jean-Paul Sartre: Bem, quando digo "um homem feito de todos os homens", vale para mim como para todos e significa, conseqüentemente, uma tal comunidade, em profundidade, entre as pessoas, que, verdadeiramente, o que as separa é o que as diferencia; dito de outro modo, acho que é melhor tentar realizar em si, de forma radical, a condição humana, na medida do possível, do que apegar-se a enormes diferenças específicas que chamamos, por exemplo, de talento [...].

Uma certa ligação extrema com a morte, o amor, a família, a necessidade, em um mesmo momento de perigo, faz com que, nesse momento, se atinja a verdadeira realidade humana — ou seja, o conjunto de ligações vividas em todos os termos — limite de nossa condição. É por isso que respeito as pessoas que vivem assim; por exemplo, os camponeses cubanos antes da revolução: na miséria, no sofrimento.

No entanto penso que nessas condições ser "qualquer um" não é simplesmente uma realidade — é também uma tarefa. Quer dizer, recusar todos os sinais distintivos para poder falar em nome de todos, e só se pode falar em nome de todos se se é "todos" — e não procurar, como muitos de meus pobres colegas, os super-homens; mas, ao contrário, ser o mais "homem" possível; quer dizer, o mais parecido com os outros; logo, trata-se de uma tarefa.

Dito de outra maneira, estou totalmente de acordo com um dos ideais de Marx, que afirma que, quando uma desordem na sociedade tiver suprimido a divisão de trabalho, não haverá mais escritores ligados às suas pequenas particularidades de escritores e, de resto, mineiros ou engenheiros, mas existirão homens que escreverão e que, aliás, farão outra coisa, e escreverão nesse momento porque a atividade de escrever é uma atividade absolutamente ligada à condição humana: é o uso da linguagem para fixar a vida. É, portanto, uma coisa essencial.

Mas ela não deve, precisamente por isso, ser entregue a especialistas — atualmente ela é entregue a especialistas em razão da divisão de trabalho —, mas, na realidade, seria necessário conceber homens que fossem polivalentes. Não sei se é realizável. É um outro problema.

 

 

E o Prêmio Nobel de Literatura? Seria uma distinção?

 

Sartre: O Prêmio Nobel de Literatura teria sido precisamente uma pequena distinção, um pequeno poder, uma separação. Só tenho ligação com meu público.

 

 

Mas o sr. teria aceito o Prêmio Nobel da Paz?

 

Sartre: Não. Não mais do que o Prêmio Nobel de Literatura. Eu teria aceito, com orgulho, o Prêmio Nobel na ocasião do Manifesto dos 121 [em defesa dos rebeldes argelinos], porque a essa altura não o teria considerado como um reconhecimento, mas como prova de solidariedade por uma ação radical contra a guerra em países estrangeiros. Nessa época, sim, mas não teria considerado que me pertenceria.

 

 

Como um ato político?

 

Sartre: Como um ato político.

 

 

Mas o Nobel de Literatura ou da Paz?

 

Sartre: Pouco importa a essa altura. Seria bom de qualquer modo.

 

 

A contradição teria sido resolvida.

 

Sartre: De maneira absoluta. Mas precisamente por isso, a contradição não é possível de ser resolvida.

 

 

 

 

(Publicado originalmente no Caderno Mais! do jornal  Folha de S. Paulo)

 

 

 

junho, 2005

 

 

 

 

Esta entrevista faz parte de CD-ROM que acompanha o livro "Sartre" (Bibliothèque Nationale de France/Gallimard). Transcrição e tradução de José Carlos Sant'Anna Aranha.