ponto de parto ida em busca de um canto perdido impelido por uma vela que chama vento ponto pacífico atlântico índico quatro cantos e sete mares de mundos e fundos onde o aedo dá adeus ao éden do seguro porto do nada sempiterno da vida em terra firme dos trabalhos e os dias e a vela segue sangrando os mares nunca dentes só planícies às vezes caninas ondas porém onde deveria pérola só se vê parcos mas nunca dantes nem homeros só um pobre diabo em ponto de abulição sobre mares infestos de aves e feixes de nadas nados de ondas espumantes de chã sina onde apanha o poeta a embriaguez necessária para néscio seguir adiantando ou não a vela alva asa de albatroz vaga lembrança de campo vasto de algodão em dia de vento arrasta o cantor mudo à procura da voz perdida em algum ponto de uma foz mudada e nunca mais achada e a cura é a musa esquiva telenguiado ponto de interrogação oculto entre frases marulhentas contudo o vate vai ao encalço da sereia calçado em suas asas de cera da imaginação e do desespero apontando sua popa ao nada líquido inserto todavia desponta ourivesaria desnorteadora de heliotrópios as melenas mareantes da sereia e a vela alveja o ar almejante a restituir a alma vagante do poeta em algum ponto eqüidistante entre o vasto e o vazio e os olhos dele seguem a silhueta dela rasgando as águas escamoteando-se entre recifes sirtes estrelas seguida de delfins em coorte nobre constelação a zombar do pobre vate entrevado em seu desencanto desterrado de seu canto mas a musa qual água entre cílios escorre da vista do aedo e o vento cessa e a vela antes panda agora parada ponto de reverência na imensidão azul inflama a angústia afônica dele e o sol moenda com molares a mascar o imo do poeta dá tons rubros ao marulho engulhento e o lastro-rei incinera na boca do aedo moedas falsas para o pagamento no cocito ergo sum de seus pecados capitais mas ele escravo do desatino escreve suas linhas tortas do destino com seu sangue brotando sob o látego de hélios e faz da dor um doce fado e se é doce morrer no mar é fácil adivinhar que quem proteu regalou-se entretanto o poeta teima em sua toleima e aguarda findar o resguardo do vento para dar prossecução à sua perseguição contudo o sol solapa a potência do poeta aos poucos e o eidos lasso já se enforca nas cordas trágicas do provável desenlace porém o vento volta e a vela põe-se a levar um sopro de futuro este furo entre o nado e o ponto contudo a sereia torna à vista deslumbrante a qualquer das maravilhas ombreante risca o mar mecanicamente qual barco a motor enquanto ele segue seu risco de morte terminício do jogo ponto em dado leitor de frases imprevistas em fado gozo do inesperado ele atormentado cérebro cinza como o céu que o vela navega com os olhos tentando sem isca fisgar tal feixe de sonho e ora orca envasando todo o mar rocha móvel ebânea noite úmida a varar os olhos dos sóis sobre as vagas baila a baleia o balé da batalha e o aedo ante tal medonha mancha marcial sempre-pontoso avança brioso seu frágil brigue de um só mastro movido a astros e vai pontudo arremessar-se contra seu destino apesar de atinar que o confronto contra tal animal findaria em seu finamento todavia à toda vela varou o varão cantante o vidro verde e a rocha esguichante retinto arcobaleno apercebendo-se da valentia do poeta pareceu rir mostrando seu mordente recife de corais brancos porém ele apontando o nariz da nave ao alvo negro segue sequioso do fim mas uma onda ergue-se sob o barco erigindo o vate sobre o nigérrimo cemitério marinho agora atlântida submersa e vagamente subvertida então busca nos céus uma resposta em meio aos escarcéus contudo acha-se só e mau acompanhado de desenhos de nuvens alvos mares voláteis e a voz não volta porém desponta nos seus ouvidos um olvido grito atroz mas o aedo mira o alto e num sobressalto depara-se com o inusitado uma revoada de ferozes albatrozes móbil dique a abarcar o céu dirigindo-se contra a nave kamikasas albardando o vate com seus brados marciais todavia ele vela em riste encara o comboio volátil e joga-se no tabuleiro branco e alvo prisioneiro do seu destino enxadrista analmabeto nas regras do jogo e os albatrozes tombam e o poeta títere das vagas ponto de intersecção entre nefastos meridianos ante a ameaça do naufrágio recolhe a vela e aguarda o móbil dique pôr a pique sua frágil fragata entretanto quando estavam a ponto de entrechocarem-se quando a peleja em pleno pélago parecia consumada os pássaros mudam o rumo e sobrevoam a capitânia cabeça do aedo e criam uma borrasca sobre a nave de fezes em branco e preto tabuleiro aéreo no qual ele desenxabida besta de xácara é peça tombada xaveco em xeque e com o coração na ponta da vela o vate salvo por um riso do destino salta as ondas nada-ouvidos para o calado e sua língua morta é só sal de muda salabórdia língua-doca língua-doc oxidado feéretro ferrugem cariando o dantes da memória só sobrando o hálito do porvir nos panos pandorgados e ele enxerga chispando sobre o turvo espelho de netuno a musa em fuga desfilando na aquarela seus fios de ouro rapunzol pescando os olhos gemebundos do pontífice da demência e o vate vai e vê avante brotarem do pélago cristais brancos friíssimos pespegos gelando as vísceras do poeta todavia ele vai e a sereia esmeralda esmerada em esmorecer seu esmoler atira-se entre as geleiras como a comandar o rebentar das gélidas setas que despontam com fúria da físsil superfície pedras de roseta abcenário para o poeta transladar mas ele marcha marco apolo veneta mirando entre as venezianas de aicebergues a venérea sereia vascolejando a moringa do vate contudo a nave ginga entre os dentes de gelo tão qual hálito vai como se fora ali seu habitat como se fora a língua daquela pelagônica bocarra comida esperada mas fugidia todavia a nave ginga língua solta na ponta da vela íngua no céu da boca do pélago trânsfugo prato principal fruto do mar velado pelo véu paladino do céu e o barco ginga e as alvas presas perseguem a língua feérina incisivas em soçobrar o frágil casco e os caninos sobre as cãs vagas laboram um labirinto sem ponto de fuga entretanto a nave não capitula e faz da esperança seu fio de ariadne e o labirintodonte encerra o barco no físsil fosso de sua mandíbula confabulando com a noite monoculunar como fazer da rotunda face do mar a tumba final para a infatigável nave entretanto ignorando o cretino conluio entre noite e oceano o veículo volante do vate ginga entre os dentes raios de lua congelados e quando o labirinto já parecia ter-se tornado o derradeiro lar do poeta ele elabora a fuga com a ajuda do fúlgido olho da noite que projeta uma via-lácqua de luz perpendicular na face do pélago e o arteiro poeta percebe a dádiva oferecida pelo farol celipotente e avança pelo veio selênico até escapar do desditoso traslado dedálico e o vate sonado tomba ele ex-sonar captor de submarinas sonâncias ora sornado sócio de marinas up-to-date contudo ele sonha e nos desvãos dos devaneios veio-lhe a senha um beijo na sereia porém a rosilíngua da aurora gritou-lhe na íris e o aedo acorda sabendo de cor o tato de tal ósculo e escuta nas volutas das vagas risos de delfins e mais ao longe a loura tecedura falange de fios de sóis que sói tornar-lhe a ele soez ponto neste teatro vago e os delfins estrelas marinhas varando a cortina dágua e rindo na ribalta ante o velejador a baixo pano anunciam o último ato ao vate castrado canário canastrão que avista entre atóis de albatrozes o palco ponto de exclamação totêmico para arritméticas tabuadas onde só dali daria o adiante e sereno vai ao encontro da sereia deparar-se com o irremediável e ela com seu anfíbio corpo ambíguo alcança a imponente rocha lança netuniana a lancinar a face das águas e inicia a subida e o vate faz do sopro de vida que lhe resta o vento que arrasta a nave até a grande pedra de roseta do seu destino e ele chega ao pé da pedra sobe os degraus escalado pelos deuses para o desafio de desfiar o fado dos seus pares mas ele desafinado vate mal pode suportar o peso de seus fardos e ela galeana galga o pico do monte e ele perto parindo músculos está por quase na qualidade de dono das alturas mas ela já sumira de sua retina e ele ganha forças da agonia e acelera sua subida e quando atinge o topo topa com ela à beira da pedra prestes ao olímpico salto mortal que findaria em seu finamento e ele loquiaberto e mudo como uma pedra no meio do caminho ao dar o primo passo até sua alva salvadora vê a sereia arremessar-se às pedras do sopé do monte e só então ouve a música da musa grito lancinante saído da suicida de sonhos e o poeta após assistir a tudo impávido e pálido como as espumas das ondas rebentando na rocha e arrebentando sua desastronave ele bússola à deriva traduz seu derribamento em tortulento berro e prostra-se opúsculo folheado pelos alados dedos do vento cara a cara com o crepúsculo no cume do ponto

 

 

 
 
 
 
 

 

 

CACHAÇA Nº 5

 

pra marilyn bastava do chanel um pingo
pro mendigo pro sono a pinga
no lixo vazios o frasco e o casco

 

 


 

O PAPEL DO JORNAL

 

o vento investe contra o lar do
mendigo e seu teto voa junto
com a manchete: alta do dólar

 

 


 

GOODYEAR

 

o mendigo careca derrapa na chuva
e pega carona no sonho do carro
que passa por cima do gato de rua

 

 


 

YES, WE HAVE NO JOB

 

o cartaz no poste conclama
precisa-se e o mendigo declama
all i need is love and banana

 

 


 

WASHINGTON d.C.

 

one dollar sobre a merda dum cão
as moscas e o mendigo avançam
in god we trust

 

 


 

NEM TUDO SÃO FLORES

 

com o cacetete o guarda dá no pé do ouvido
do mendigo que brincava comovido
de bem-me-quer com uma flor do município

 

 


 

SUÍTE

 

o mendigo num baita temporal
mija no poste e de sua casinha
burguesa um cão ri desdenhoso: au-au

 

 


 

PRÊMIO ACUMULADO

 

sujo duro azarado e com fome
ante a lotérica "a sorte te ama"
o mendigo sonha com miami

 

 


 

GLOBALIZADO

 

a tv o mendigo olha
na tela o reflexo dele
desculpem a nossa falha

 

 


 

É ISSO AÍ!

 

garrafa vazia de coca-cola light
pós-moderno travesseiro de ar do mendigo
dormindo seminu sob o poste sem luz

 

 

 

 

MCFRITO

 

mas que merda!
o mendigo indignado encontra no chão
sem quetechupe um biguemeque

 

 


 

RONCANDO

 

ronco do helicóptero
acorda o mendigo
do seu sonho de ícaro

 

 


 

JUST DO IT

 

num pé todo seu it
noutro as que não soltam as tiras
e na barriga nem o cheiro da comida

 

 


 

BANGUELA

 

o mendigo avista  (oh!)
a escova sem cerdas (ih!)
só o slogan lhe resta (ah!)

 

 


 

AH!

 

prova de história do brasil rasgada
escrito em azul um grande e belo A
o mendigo caga e proclama: aprovada

 

 


 

JINGLE BELL

 

o sino é de belém
porque faz blém-blém?
conjectura o mendigo coçando os badalos

 

 


 

SMILE

 

dia de inverno baixa temperatura
treme tudo até aquela dentadura
que o mendigo banguela encontrou na rua

 

 


 

QUE EME!

 

no lixão um mesquinho minidicionário
mostra ao mendigo que a miséria
infelizmente vem antes da misericórdia

 

 


 

PERGUNTE AO PÓ

 

cinzas: cemitério cheio de gente
o mendigo se pergunta: há vida antes
e depois da morte? e durante?

 

 


 

SCOTCH

 

deitado na calçada gelada
o mendigo on the rocks
cheira há 12 anos a mesma garrafa

 

 


 

A PARATAXE E O MENDIGO

 

trânsito sem sintaxe
coração pára no tórax
gritos buzinam: foi o táxi!

 

 

 

 

(Do livro inédito, 51 mendicantos)

 

 
 
 
 
 
 
 

Paulo de Toledo (Santos/SP, 1970), publicitário. Colaborador da revista de poesia Babel. Tem poemas, contos, traduções e ensaios em vários sites de literatura. Venceu o V Projeto Nascente (USP/Editora Abril), na categoria Poesia em 1995. Venceu, em 2001, o I Concurso Binacional de Conto Brasil-México (Revista Cult / Revista Cultural El Ángel do México). Mais na Germina e no seu blogue.