A saga familiar e o romance histórico são formas atemporais da narrativa que jamais perdem seu apelo, pois através delas é que se pode transformar em coletiva a evocação dos fatos passados. Sempre situada entre a realidade e a ficção, entre o mero registro da crônica e a liberdade de interpretação da poesia, cada nova narrativa histórica reatualiza a pulsão memoriosa, sobre esta imprimindo a marca do tempo específico em que aquela está sendo contada.

 

Foi assim uma grata surpresa perceber, junto com meu companheiro Antônio Torres, entre os textos que concorriam ao Prêmio SESC de Literatura de 2003, que este Santo Reis da Luz Divina trazia os ingredientes necessários da tradição narrativa e os temperos instigantes da modernidade de estilo, para mais uma vez colocar na mesa cultural brasileira o prazer do bom romance histórico calcado em trepidante saga familiar.

 

O autor tem um jeito de contar inovador, integrando com invulgar mestria a narração e o diálogo. Narração e diálogo num só corpo textual, diálogo como corpo mesmo da narrativa, narrativa colocando em diálogo corpos falantes viventes ao longo do tempo. Tempo atravessado de história e de política.

 

As sagas familiares entrecruzadas, antagônicas, de Santo Reis da Luz Divina cobrem um período que vai da Guerra do Paraguai à época já não mais tão recente (já portanto memoriável) do governo Collor. No que diz respeito ao olhar sobre o histórico trazido por este romance, seu mérito maior reside a meu ver em expor e encenar com qualidade e originalidade o fundamento político e micropolítico do ser brasileiro, visto aqui em função de um jogo simultaneamente centrífugo e centrípeto na relação região/nação.