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Ademir Assunção lança o CD de poesia Rebelião Na Zona Fantasma.
Cláudio Portella resenha o CD e entrevista o poeta.
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É sabido que a poesia nasceu cantada, na Grécia antiga, há mais de quatro mil anos. Num panorama moderno, podemos pensar que é daí de onde advém a trova, a cantoria e a poesia de cordel. Trazendo esse raciocínio para os dias de hoje, chegamos numa infinidade de CDs de poesia falada. A quase totalidade não passa de exercício de ego. "Eco de bicho homem, ego sem endereço". Poucos acrescentam algo mais além da leitura da poesia, por mais melódica ou monocórdia que seja a leitura. Menos ainda, buscam traçar um novo caminho para a poesia sonora. E é exatamente nesse ponto que "Rebelião Na Zona Fantasma", do escritor multimídia Ademir Assunção, salta aos ouvidos. Sei que não sou o primeiro, nem vou ser o último, a dizer que nesse trabalho, Ademir, conseguiu equilibrar os pratos da balança. Ele simplesmente não só recita seus poemas ou mesmo canta. Com o auxílio da música, no caso o blues e o rock. Veste seus poemas, "Você que sabe sabe com qual roupa a solidão se veste?", de uma sonoridade agradável, boa de ouvir e até dançar. Quem algum dia pensou em sacolejar o esqueleto — em analogia aos desenhos (caveiras com indumentárias mexicanas) de Paulo Stocker, que estão no encarte e na caixa do CD — ouvindo poesia?

 

Ademir Assunção é um poeta nato. "Eu sou o que sangra, um poeta nato". Ele é o autor de "LSD Nô". Livro de poesia, publicado pela Iluminuras em 1994; importante para a década de noventa. Nele a poesia mostra o homem por trás da mascara de poeta. É desse livro o poema "Pó", também declamado (?) em "Rebelião Na Zona Fantasma". O CD trás a participação especial de Edvaldo Santana e Zeca Baleiro, o time de músicos é de primeira, e Ademir mostra, mais uma vez — dessa vez cantando poesia, como feito há quatro mil anos — que veio mesmo pra ficar.

 

 

N.a.: As frases em itálico são de Rebelião na Zona Fantasma. Dos poemas — na ordem de aparição: "Escrito a Sangue", "E então?" e "O Coisa Ruim".

 

 

 

 

 

 

Cláudio Portella - É audível o equilíbrio que você conseguiu em Rebelião na Zona Fantasma. Você nem só recita, nem só canta. Esse equilíbrio foi procurado, ou o resultado surpreendeu?

 

Ademir Assunção - Não sou cantor, sou um poeta que está recuperando uma tradição muito antiga, que vem dos rapsodos gregos. Antes da poesia escrita existia uma longa tradição de poesia oral. São as origens remotas da poesia, como diria Niesztche. Um tempo em que palavra, respiração, ritmo e instrumentos musicais convergiam para um espaço de magia, de cura, até. Sim, para um xamã, a palavra tem o poder curativo. Mas sou um poeta do século 20. Cresci ouvindo muito blues e rock'n roll. O contexto, portanto, é outro. Esse equilíbrio entre palavra e sons foi procurado durante 9 anos. Eu, o violonista Madan e o percussionista Ricardo Garcia iniciamos esse trabalho em 1996.

 

 

CP - Há mesmo um abismo, como disse Manuel Bandeira, entre letra e poesia?

 

AA - Não creio. Há diferenças de limites. É difícil transformar um poema épico em música. Mas não tenho dúvidas que Cartola, Chico Buarque ou Jim Morrison são grandes poetas. Eles apenas apresentam seus poemas com outra linguagem. É um vício da tradição letrada achar que poesia é apenas aquela que pode ser lida em livros. Um vício e uma limitação. O Mundo é um Moinho (Cartola), Geni e o Zeppelin (Chico Buarque) ou The End (Jim Morrison/The Doors), são poeticamente muito mais ricas do que muitos poemas publicados em livro.

 

 

CP - Num poema seu, Parábola, publicado na revista Bric a Brac e reproduzido na Cult, você diz: "a fala é música". Foi pensando assim que você trabalhou seu CD?

 

AA - Se perguntarmos isso a Hermeto Pascoal ele vai dizer: claro, a fala é música. Porque ele tem uma hiper-sensibilidade para o mundo sonoro. Às vezes, andando pelo centro de São Paulo, eu me deparo com nigerianos conversando. Fico impressionado: a língua deles é extremamente percussiva. Não entendo bulhufas do que estão falando. Mas percebo uma musicalidade impressionante no linguajar deles. Eu trabalhei meu CD pensando em extrair o máximo de força ou de lirismo, conforme o caso, da poesia falada. Não se trata de uma leitura linear, com o mesmo tom de voz o tempo todo. Há variações de intensidade, de ritmo, conforme o poema. Tive o cuidado também de me cercar de músicos excelentes. Porque queria qualidade musical. A tal ponto que um bom músico ouve o CD e diz: caramba, esses caras não estão brincando!

 

 

CP - Edvaldo Santana, que tem uma participação especial no seu CD, foi quem mais lhe gravou. Como se processa essa parceria?

 

AA - Tenho um puta orgulho das minhas parcerias com Edvaldo. Para mim, ele é um dos grandes compositores populares da atualidade. Ele traz informações dos subúrbios, da periferia de uma grande metrópole do século 21, uma realidade dura, uma voz áspera, e, ao mesmo tempo, se conecta com a poesia mais sofisticada de Leminski, Glauco Mattoso e até de Haroldo de Campos. Isso é fantástico. Ainda quero escrever uma opereta em parceria com Edvaldo, com personagens biriteiros, trambiqueiros, jogadores de sinuca, malucos, num clima blues.

 

 

CP - E o Zeca Baleiro, que também participa do CD, por que o Zeca Baleiro?

 

AA - Gosto muito dos discos do Zeca Baleiro, especialmente do Líricas. Ele tem um envolvimento muito forte com poesia. Escreve muito bem. E eu gosto especialmente do timbre de voz dele. Por isso o convidei para cantar Câmera Indiscreta, que é um poema extremamente urbano, mas a harmonia e a melodia compostas por Madan ficaram com um acento bem medieval. É um contraste interessante. E o timbre de voz do Zeca ficou ótimo.

 

 

CP - Fale de seus planos futuros.

 

AA - Viver intensamente um dia depois do outro.

 

 

 

 

 

 

(Ademir Assunção e Madan)

 

tantas tardes

lembrando

sim

sou pó

 

pó de estrela

pó de mico

pó de poesia

este cisco

ó

 

olhe bem

é raro

este pó

este ritmo

custa caro

custou ares e amores

muitos tremores

tantas trocas de roupa

pensa

não é sopa

 

mas opa

batem à porta:

cobrança!

imposto!

fique onde está!

 

pois não

claro

homens de negócio

fiquem vocês com este pó

 

mas eles gritam:

não

é pouco

prendam

o poeta é negro bicha e louco

 

 

 

CD Rebelião na Zona Fantasma, de Ademir Assunção
Lançamento
Zona Branca
Rebeliões Artísticas

Tels.: (11) 3151-4199 / 8219-7047 (Daniella)
Pedidos pelo e-mail
zonafantasma@uol.com.br
Custa R$25,00 (já incluído o frete postal)
blogue:
http://zonabranca.blog.uol.com.br

 
 
dezembro, 2005
 
 

Cláudio Portella (Fortaleza, 1972). Poeta. Já escreveu para o teatro, cinema, música e publicidade. Colaborador em vários jornais e revistas do Brasil e exterior. Foi co-editor da revista "Arraia Pajéurbe" (FUNCET — Fundação de Cultura, Esporte e Turismo de Fortaleza, 2000-2004). Mais na Germina.