Moacir Amâncio. Curitiba: Travessa dos Editores, 2004

 

 

(Em seu sexto livro de poemas — Óbvio — Moacir Amâncio reúne três livros:

Luz Acesa, Arghvan e Óbvio, que dá título ao conjunto.)

 

  

I

Luz Acesa

Longo poema em decassílabos

 (excerto)

 

 

 

 

Outro possível desta luz acesa

aquário onde não prende o conteúdo.

suspensa sobre a sala, uma divisa

para o interdito — destruir o vaso

abrindo escuros, crespos de anacrusa.

 

*

 

A lâmpada demonstra estranho jogo

a lição; se esta letra for usada,

o ovo de vidro causará mais luz

pelo ato de conter, porém partido

peixe algum livrará, somente grau

daquilo que se extingue, mas os cacos.

 

*

 

De natural acesa, nunca pronta

na sala, um escândalo da noite

a lâmpada, porque se apagam sempre

no mesmo ponto tantas luzes já,

as esparsas giestas que dell’Orsa.

 

*

 

Somente um olho vago dele mesmo

passa pelo último registro dell’

Orsa. A sala avança rumo ao círculo

no qual todo deserto se incompleta,

os cristais. A janela faz moldura

para essa transparência, figurar

de uma cor final da soma em claro

de todos esses tons, branco inclusive,

e do vermelho até o azul, um copo

cheio de vinho, cheio não,metade.

Cada cor vibra um som, os tornassóis.

 

*

 

Se o ornitorrinco projetado aqui,

após trabalho feito, lousa e giz,

poderíamos na vida em expansão

o sorriso dos deuses, o seu júbilo.

Como porém o ornitorrinco mal

se fez, cabelo em ovo, será inútil

objeto executá-lo. Apaguemos

a lâmpada, ouçamos a música.

 

*

 

Enquanto se pretende o circular

do som depois a mão a superfície

do ar avança tímpano e cinzel.

No concêntrico envolta se procura

o rastro num incerto ponto, não,

é luz e intransponível vizinhança,

move-se a lua percorrendo a sala.

 

*

 

Do sólido ao cristal, estando líquido

      o mais líquido efeito posto em prismas,

céu móvel de molusco que libera

a matéria naquelas mãos ao sol.

Seria um modo de fazer ouvir

as sílabas dobradas numa só.

 

*

Tocado embora pelos utensílios

e te cercam formando um território

os percursos, quebradas, as vermelhas

descobertas, as manchas sempre inéditas

ao canto esquerdo e os peixes, um sinal

da passagem presente desses monstros,

prováveis levagantes quando à sombra.

As gavetas se provam acidentes,

numa delas o mar persistirá.

 

*

 

Ou seriam as gavetas nem motivo

para guardar sobejos do oceano,

o azinhavre nos cobres, a janela,

o movimento do portal, as mãos

levadas no expandir se é flor e sopro

e água ao redor da luz. Em vago ponto

desta sala, num meio-dia absorto.

 

*

 

(...)

 

 

 

II

Arghvan

Longo poema

(excerto)

 

 

(...)

 

(that book
with its wings working,
the flowers don’t
burn
the insects flying
up and down,
transparent soft pieces of
glass
moving lenses
offered
the iridescent reality of
a pencil)

 

 

crystals come to reality
only when
someone’s hand
puts them under light

then you can observe,
they are flourishing in a very peculiar
kind of
shallots put in a bunch
of shadowy light

or the light has its own kind of shadow rendered only by the light itself

what to say about simple flowers (supposing there is something simple on
this table) and their relationship with the light

the simplicity can be realized in the direct line between tulips and the
light — you can touch it and say it is not a broom, it is a real tulip of
dutch origin awkwardly transferred to a huge area of rocky mountains, the
blood-red dot on the snow — please, no motion, leave the snow machine alone,
it works slowly as always to make the present



some butterflies have the special skill that enables them to change colors
and match the nuances of the place in which

you can conclude that those butterflies, like some birds, probably, and that
small lizard you saw very slowly crossing sideways going to the tree with
independent moving eyes… all of them and others, certainly, can be model
examples to be taken in an ideal exegesis

 

 

chameleons: remember, they live slowly in a cavern of light and it’s
impossible to see their eyes, truthfully speaking, only the light can see
them and so can undo the bright knot of clarity, transforming it into
available colors — it moves and the colors follow, revealing new aspects of
the light that you cannot see —
by the way: chameleon,
a camel and a lion (try it in french),
at the same time,
carrying (in)
around the light,
you know,
camel,
water,
lion,
the mane
saying
fire

or,
the tulip

 

 

(important to observe, the light doesn’t project its shadows, on the
contrary, you can see them inwards with all
those straight dancing lines,
something like putting the moon
down in this
room or going ahead with the work about
that
tulip
just one
the one
placed on the snow

 

(…)

 

 

 

 

III

 

Óbvio

 

Composição em sete seções:

(sem título), Shukudai, Óbvio, Método, Shukudai, Maestria, movimentos

 

 

 

 

 

(O não proposto estar neste terreno

devoluto ou a página, um sol

em luas que não cabem num só plano

da página e da pele qual vibrátil

diamante o tornar contrária luz.)

 

 

(O não proposto afasta o se fazer

solitário,  montar neste terreno

devoluto ou a página, um sol

diamante o tornar contrário cai

e ocorre claro impulso de contorno

em luas que não cabem num só plano

de página e da pele qual vibrátil.)

 

 

(O entalhe se reduz ao avançar

do lápis caso se comprove o termo

matéria secundária. Para a destra

deverás o relógio transferir

e ali permanecer o sem programa

de memória: dispersa a borboleta

respostas em azuis alguns e brancos.)

 

 

tal esta mão ferente com senões

tateia o antes do texto pronto a fala

se retrai,engrenagem caracóis

e então alguma espécie de maré

 

 

O caranguejo na água começa nele

mesmo ou nela sem que a lua se dê volta

espalmando-se em algumas direções,

um barco, não mancha de óleo ou espuma

coalhando a oscilante coleção de olhos

um cacho de reflexos pondo-se todos

mais resultado de ver que pelo visto

o milimétrico o navegar os sóis.

O mergulho rumo à lua transparece,

este artrópode mole, observem, ele

os palmeia, ondeiam o céu num sempre

vai em redondo quebram sem osso e sal

 

 

entre o granito do chão  aterra e o céu

a carne coagula as articulações

em nós desfeitos em seguida mas soltas

armadilhas prestes a si mesmas vagas

de si mesmas expostas móveis portátil

expandir de algas tentáculos cardumes

buquês água forte prontas a tornar-se

cor pensa os amarelos reflui vermelhos

 

 

o molusco espalha por cima da terra

em cima do pano por baixo madeira

transparece vidro faz ondas é vírgula

depois areal considerando o úmido

formula alguns peixes revolve em si mesmo

ou ursa-maior recoloca-se hand

 

 

 

 

 

(...)

 

Método

 

 

O desaparecimento dela ocorre

com a mesma precisão de ponto exato

em que a flor se inclina fixa o ar a cor

de vidro quando o vidro tem cor de claro

dentro dele  a fera ganha tempo e espaço

trabalhados em detalhes verdes ouro

a flor sem presença abre mergulha após

esplende sol disposto na frente os olhos

 

*

 

A janela mão aberta vai pegar

um espaço dividido nuns demais

assim faz o olho da pantera de dentro

do espelho avança rumo ao fora que pega

a lua na sala também céu janela

por extensão da vista capacidade

de prender porém vai livrando volumes

sombras as cores inclusive moveres

resoluto pegar-se de água com onda

 

*

 

Quanto a saber as mãos impõe-se encarar

os olhos da pantera eles são as garras

dela apenas não vacilam quando mostram

plenos pelos desvãos do espelho um acordo

com a chama recortada dos cristais

modo de seu ataque aquele relâmpago

em detalhes brota do choque da luz

com espanto o rigor repete se avançam

 

*

(...)

 

 

 

 

 

(...)

 

movimentos

 

 

1

 

sombra

 

borboleta pelo

espelho

 

asas

abertas em v

 

na mira

do quadro

luz

 

pétalas

unas

in vitro

 

acaso

do escuro

posto

 

entre a cal

e o

branco

 

 

 

2

 

definição

 

sem que se perceba

ela pousa

e instala

 

o grito

na

sala

 

 

 

3

 

tintas

 

o vidro se tinge

acaso claro

 

em duas pétalas

ralas — do ar

 

imitam conchas

de sal

e de voz

 

não sendo escuro

e triz também não

 

*

 

a borboleta

na

lua

 

branca

 

pousa

 

*

 

cacho de reflexos

o navegar

os sóis

 

quebram

osso e sal

 

*

 

nele mesmo ou nela

sem que a lua se dê volta

 

o milimétrico

o navegar

os sóis

 

artrópode mole

os palmeia

ondeiam o céu

 

num vai

em redondo

quebram

 

sem osso e sal

 

*

 

sem centro

vaga

a

lua

 

olho

que se agrava

e lê

 

a letra a

letra o

espaço

move