Guimarães Rosa, em correspondência ao seu tradutor italiano, Edoardo Bizzarri, sentenciou que "em arte não vale a intenção". É sob as égides desta declaração que a obra de Ascânio Lopes deve ser examinada e a pequena antologia poética que se originou de seu espírito desassossegado não pode ser protegida pelo fantasma do que "poderia ter sido". Objeto de análise é o que Ascânio compôs nos seus vinte e dois atormentados anos de vida e aquilo que escreveria caso vivesse mais é material para estudiosos de literatura psicografada.

 

Bem-intencionados, os críticos modernistas concederam à revista Verde um grau de importância que ela jamais poderia ter. O Manifesto cunhado por Rosário Fusco, Guilhermino César, Franciso Inácio Peixoto e Ascânio Lopes, possui hoje o status de obra-prima. A moda é ignorar o alerta de Mário de Andrade, que já naquele tempo ponderava que o texto era, no máximo, uma brincadeira engraçadinha dos meninos de Cataguases. Não obstante, a obra dos verdes e em especial a de Ascânio Lopes, porque é dele que esta resenha trata, merece análises cuidadosas e imparciais.

 

Luiz Ruffato, o consagrado autor de Eles eram muitos cavalos, uniu-se ao Instituto Francisca de Souza Peixoto para uma tarefa ousada e necessária: agrupar em um único volume todo o trabalho literário do "poeta da noivinha imaginária", apresentado em bela edição nas duzentas páginas de Ascânio Lopes — todos os caminhos possíveis. Mais conhecido como ficcionista, Ruffato não faz feio ao expor seu método de pesquisa e apresentar o contexto histórico-cultural brasileiro, que tornou possível o surgimento de uma nova corrente literária.

 

É sabido que Carlos Drummond de Andrade, na época pouco mais velho que os garotos cataguasenses, incentivava a produção literária que vinha da pequena cidade do interior mineiro, inclusive colaborando com a revista Verde. Entretanto, foi graças ao espírito solidário de Mário de Andrade, então escritor experiente, que a revista conseguiu se desvencilhar do provincianismo, ajudando, embora pouco, o movimento modernista. Destes jovens mineiros, Ascânio Lopes e Rosário Fusco foram os mais criativos.

 

Dividida em cinco partes, a antologia organizada por Ruffato pretende cobrir um bom quinhão do que foi escrito por e sobre Ascânio. Tendo editado em vida Poemas cronológicos, o poeta mineiro deixou inédito o livro Sanatório. Ambas as obras, ao lado de outras poesias, ensaios e um fragmento de novela publicados e inéditos, colhidos aqui e ali com a ajuda de Delson Gonçalves Ferreira, são apresentados no livro de Luiz Ruffato.

 

Excessivamente ufanista, beirando o extremo da ingenuidade, os versos de Ascânio Lopes encontram seu auge em "Cataguases". Dedicada a Carlos Drummond de Andrade, esta poesia sintetiza os pensamentos modernistas: o furor, o questionamento da agitação nas metrópoles, a decadência da vida no campo, a busca por uma postura no cenário cultural e a definição de uma nova estética.

 

Foi em virtude do atrevimento de Ascânio Lopes que a literatura do interior deu-se a conhecer para o país. Lição que legou aos críticos e escritores de hoje e que foi devidamente sepultada. Só se ouve a respeito da produção das capitais. É de uma fome idealista que padece a literatura brasileira atual, que se nutre de afagos e tapinhas nas costas e somente quando a abnegação e juízo crítico retornarem à baila é que se poderá afastar o marasmo que viceja na literatura contemporânea.

 

 

 

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Publicada, originalmente, no Caderno B do Jornal do Brasil
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agosto, 2006
 
 
 

Whisner Fraga (Ituiutaba-MG). Escritor, autor de Coreografia dos danados (contos, Edições Galo Branco, 2002) e A cidade devolvida (contos, 7Letras, 2005).

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