De Cinza
Ensolarada
(rio de
janeiro, azougue editorial, 2003)
papel amassado
de seda e silêncio
dor deixada na pele de uma maçã
tv solidária
riso
roubo
rouquidão
alma de lavar
muro de lamentação
vazio
de navio
desesperado
no mar
***
Da consciência
tirar o peso
o leve do lenço
do inseto o atrevimento
o cisco
do colete
tirar
da pasta o ruminar
dos documentos
tirar da manchete a mancha
da sede
pedras
do vento
o assobio
tirar da alma
pitangas
e do pão
silêncio
***
a lágrima de um pai
que esperou para ver
o filho velho
a flauta de uma criança
caindo
o dia de terror
desabando
como helicônias são perguntas
neste pátio
sem pavio
***
filhos de árvores desconhecidas
vilas lugares
que não existiram
não estivessem eles
unidos
para repartir
pão telefone banho
carinho
almofada
alma
depois
é assistir ao corpo gastar
e passo lento buscar o campo
o silêncio
até um ver o outro parar
num dia comum
com a novela da tarde
um parar
e o outro assistir
sem saber
o quê
e boquiaberto
***
parar para fundir
os bilhetes num tecido
reunir cenas coloridas
doces machucados
farelos de pão
com as mãos
refazer trajeto de pássaro entre
antenas
de gota da folha ao chão
voltar-se
devagar para os botões
abotoar
desabotoar
sem sabor algum
sem fim
De Chave de
ferrugem
(são paulo, nakim
editoril, 1999)
olho navega família
nos cômodos de pó
sonho em outra língua
ou quintal sem infância
o mesmo amarelo
chave de ferrugem
silencia aporta e aponta retrato
***
beijo que cumpre rios
reza perda sem febre
coração
desafina a falta
de fotograma iludido
aqui ainda tudo
é terremoto e lagoas
janela e asa quebrada
não há rumor
a cuia de digitais ensurdece
sorriso enche piscina
pássaros voam e psius fazem compra
o sol vai e vem, nunca voltamos
***
fala e rua
uma tentação de música
quase iguais
sem dono
novamente o frio
vento
árvores tremendo
jardim cães saracuras
uma mulher bonita
um menino pobre
rua e fala
de asfalto quase iguais
lábios topázio
e a semelhança cinza dos olhos
***
corpo sem filho
sem o giro das luas
ou pio de pássaro
sem corte
uma dor esmagada
na boca
prata
pimenta
não choro seco
eco
não beco
***
na manhã seguinte à morte
haverá um jornal
deitado na grama como este
latido
abelha silenciosa
rosa
(imagens
©misha gordin)