II
Sou única nesse milagre de ser.
Símbolo da
regeneração,
rememoro a vida e reinvento-me
no calor do fogo
— em meio à morte aparente.
Sinto-me recriada no calor da luta
diária.
Criatura breve, transmutada no
infinito
nascer-morrer.
Da cinza cotidiana, surge esse
poema
de palavras que chegam silenciosas e
lavradas em
brasa.
III
A cada dia, novas dores e a certeza
de que
nada sei.
Tudo reaparece e eu tenho que
viver a plenitude do
hoje,
sem hesitação.
IV
Entre mim e o mundo,
o renascer mágico e
oculto
que me faz ser nova e inteira
todos os dias em
que
agonizo na dor e renasço no amor.
Tal como o mito,
levanto-me discreta e lúcida.
Eis aqui meus versos
eternos.
Abro minhas asas para o infinito e vôo mais uma
vez.
Odisséia
Vivo em circunviagem.
Ulisses sem Ítaca,
tenho saudade
de quem me espera.
Tantas voltas dou, Penélope
tecendo,
faço meu caminho em mares profundos.
Um porto de
vez em quando me faz companhia.
A cada gesto de
partida,
mais perto fico da chegada.
Nas tormentas, procuro
o desconhecido
no espaço cíclico.
Viajo sem regresso
previsto.
Peregrino sem âncora ou bússola.
Nas travessias
cruéis,
entre Cila, Caribde e Ciclopes,
enfrento naufrágios,
armadilhas
e expectativas.
Encantam-me Circes, olhares e
palavras.
Retorno pela memória.
Navego pelo visto, ouvido e
amado.
Só assim me livro do exílio.
Encontro-me esperando
por mim
no meio de tantos sonhos tecidos
enquanto eu
crescia.
Equilíbrio
Labirinto
é para se perder
no meio das
rotas
tortas
ou
retas
Bom é
achar
abrigos
caminhos
portas
destinos
Ideal
é transcendê-lo
em vôo
como
Dédalo
Não tão perto
do sol
como Ícaro
Labirinto é
para achar
o caminho
do
meio
Alquimia
Cronos, enganado,
engole pedras.
Sísifo,
castigado,
carrega sua pedra.
Drummond,
de retinas
fatigadas,
vê pedras no caminho.
Pedras
sísifo-drummondianas
cansam os
sapatos,
as retinas,
o olhar petrificante
da Medusa.
A pedra no sapato,
nos rins,
nos olhos
cansados,
é a rotina de cada dia.
Atire a primeira pedra
quem não quer
o
segredo
da Pedra Filosofal
da
Poesia:
transformar
pedra em poema...
Esfinge
Decifra meu enigma
e toda a verdade,
toda
a essência
por trás do verso.
Segue pela trilha do meu corpo
e revela a
paisagem escondida.
Repousa sem tédio no meu abraço.
Implora
pelo princípio e fim
de cada ato.
Descobre o segredo que habita
onde me
esquivo,
onde a pergunta é só disfarce,
reverso.
Se me escondo,
é para devorar melhor.
Herança
Em um dia qualquer do tempo cíclico,
o mesmo
número, um novo começo.
Último e primeiro misturam-se
no
calendário infinito dos meses.
Mas cada dia é único e
novo.
Milagre ou castigo?
Meu Érebo é aqui.
O castigo é
viver o cotidiano.
Sou submissa, tal Fênix, ao renascer.
Herdei de Sísifo o subir-descer,
empurrando a vida
no
acúmulo dos dias.
Perdi-me na obediência às flechas de
Cupido.
Se tento sonhar, escapa o sono.
Sedenta e
faminta,
persigo o que nunca alcanço,
qual Tântalo em seu
tormento.
Meus desejos escapam
no tonel sem fundo das
Danaides.
Prometeu, criador dos homens,
padeceu ante os
deuses,
quem sou eu para lamentar?
Quero a cicuta de
Sócrates.