sabedoria, ou sábio: o sábio é diferente do erudito no seguinte: o erudito conhece em detalhe uma porção de coisas e seus lugares de enunciação, mas não costuma fazer desse conhecimento a própria vida. O sábio pode parecer um reles tolo perto do erudito, mas todo conhecimento que tem se articula com os recursos de sua vida cotidiana. Talvez você não tenha conhecido um sábio. São seres mitológicos.

 

saber: conhecer e sentir o sabor de, as duas coisas nesse único e magnífico verbo português.

 

sáfico: tudo relativo à poeta da ilha de Lesbos, considerada, diz-que por Platão num assaz famoso epigrama, a décima Musa; o amor apelidado dessa maneira, por gente de extremo bom-gosto.

 

Saussure: o discreto sr. Sussurro, que era um amante de anagramas, calembours e toda sorte de deliciosas bizarrices lingüísticas, ficou conhecido pelo Cours de Linguistique Générale, que seus alunos conscienciosos publicaram post-mortem e a partir de anotações de sala de aula. É presumível, no entanto, que ele teria ficado mais feliz lá onde quer que esteja se, ao invés da séria teoria, tivessem publicado de cara suas loucas pesquisas anagramáticas.

 

senhal: designativo para um tipo de pseudônimo na Provença medieval com o qual os trovadores encobriam o nome da senhora que fingiam amar nos poemas.

 

sentir: os românticos disseram para o mundo que sentir se separa de pensar como a água se separa do óleo. O mundo, muito impressionável e com uma queda para o sentimental, se deixou levar pela lorota. Mas é lorota.

 

sibilante: o s, por exemplo.

 

signo, significado, significante: ver Saussurre.

 

sinceridade: foi um valor por muito tempo na arte pós-clássica (adoro esse negócio de pôr pós na frente dos designativos, é tão cômodo), e os críticos discutiam quem era o mais sincero artista, ou poeta, o que normalmente significava o melhor; alguns críticos insistiram nessa mesmo depois do "Autopsicografia", de Fernando Pessoa; a gente deve ser sempre sincero, ou a gente não presta.

 

sinistro: esquerdo; pela associação do diabo com o lado esquerdo (os bons vão à direita de deus), coisa diabólica.

 

sóbrio: aquele que não consegue apreciar a alegria dos bêbados; em arte quer dizer uma coisa que fica aquém do elegante e além do rude; mediano.

 

sofrimento: para você ser um autor deve começar a sofrer desde já. Sofrimentos considerados artísticos pelo público, a escolher: o sofrer por amor (muito poético); o sofrer existencial (incompreensão, inadequação, rebeldia, "o mundo não tem sentido, logo, eu sofro", essa é sua frase); sofrer por uma causa (religiosa, política, cultural, social, tanto faz), até virar um mártir completo e ter a sua cara, em alguns anos, estampada nas camisetas dos espertinhos.

 

sonho: Fellini anotava os seus, que eram uma verdadeira preciosidade, e viravam pedaços inteiros de seus filmes; Freud, como os antigos adivinhos dos imperadores e reis, achava que havia nele um código da experiência; "sonhar, talvez", disse Hamlet num de seus famosos monólogos; uma espécie de pequeno bolo fofo e doce, sobre o qual se espalha açúcar de confeiteiro, para dar a impressão de que se está nas nuvens.

 

 

 

novembro/dezembro, 2006

 

 

 

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