O que disseram sobre ele
Há
quem diga que Valério Oliveira não existe. Que o poeta é pura ficção. Pois
revelo aqui, em primeira mão: conheci o VO pessoalmente. Foi em junho de
2001, quando fui a Nova York ver onde o Diabo Bush mora. Peguei o telefone
deste carioca, nascido em 1958, e liguei. Não é que ele atendeu em
português? Marcou comigo num café no 1.466 da Broadway. Mano, o cara é o
maior brother. Elogiei a sua poesia descompromissada. Nada solene.
Mandando tudo que é verso pudico à bosta. Diverte-se comendo ovo mexido e
salsicha. Sucozinho de laranja ele adora: "Venho a este café toda manhã,
escrevo uma rima e vou embora". Disse-me que estava preparando a reedição
do primeiro livro, o surpreendente Oh!. Um espanto de pressentimento. De
repente, não tive mais notícias do Valério. Nem do café. O café que ficava
bem ali, no piso térreo do World Trade Center. [Marcelino Freire] O
que mais me impressionou em Valério Oliveira quando o conheci, em um
restaurante na Gávea, há seis anos, foi seu profundo conhecimento da
tradição musical brasileira autenticamente popular. Entre um chope e outro
conversamos durante algum tempo sobre preferências poéticas comuns a
ambos: Rimbaud, Marcabru, Whitman, Cruz e Souza, Sebastião Nunes e Augusto
dos Anjos. Mas a conversa ganhou um entusiasmo fora do comum quando
passamos, ou melhor, Valério passou, a rememorar sambas e choros de
Pixinguinha, Nelson Cavaquinho, Carlos Cachaça, João Pernambuco, Zé Ketti,
Ismael Silva e Cartola. Fiquei de queixo caído ao ouvi-lo cantar, com
incrível riqueza melódica, o chorinho Noites cariocas, de Jacob do
Bandolim. Com a voz embargada, um pouco pela emoção (tão raro em caras
verdadeiramente eruditos, como ele) e outro tanto pelas canecas e mais
canecas de chope, disse que nenhum poeta brasileiro que se preze pode
desconhecer a grandeza dessa tradição poética e musical. Daí em diante
esquecemos totalmente o motivo do encontro: uma entrevista sobre a sua
própria poesia — entrevista
que, aliás, jamais foi publicada, até porque não faço a menor idéia de
aonde foi parar o gravador e as duas fitas gravadas. Só sei que terminamos
a noite trançando as pernas e batucando velhos sambas na mesa de um boteco
da Lapa. [Ademir Assunção] Esse
figuraça perfilado ou de costas dá na mesma, afinal Deus não faz recall. E
se deficiências humanas abundam, glúteos nem tanto. Valério Oliveira é
filho da bufólica Hilda Hilst com o Sebastião Nunes por inteiro. Homo
ridens dependurado numa árvore genealógica de poucos galhos intactos,
Oliveira rima e ri com fúria corrosiva dos paspalhos despencados lá
embaixo. Depois caga em cima. Uma pitada de Edward Lear para contrastar a
insolência da obra valerioliveiriana com a seriedade presumida de 99,9% da
poesia brasileira contemporânea: a vida é trágica e fútil e a única coisa
a fazer são piadas. Teto no
piso é um seriíssimo livro de poesia inteiramente composto por
anedotas, adulteração roubada de Wittgenstein, austríaco tão conhecedor do
assunto a ponto de ter a palavra wit no nome. Mais irônico ainda é o fato
de não podermos dizer que Valério Oliveira veio para ficar, pois ele mora
nos EUA. Porém é certo que suas doses desmedidas de humor fazem rebolar a
velhusca Madame Poesia e a horda de proxenetas autoritários de academias
de esquina que abundam por aí. E os glúteos? Nádegas. [Joca Reiners Terron] Meu
caro Valério: Recebi há dias o seu livro, Teto no piso, e venho agradecer,
usando palavras dele, com "afeto eletrônico". Agradeço, sobretudo, a
qualidade do texto. Sei da sua distância e relutância e repugnância
relativamente a autores consagrados e correntes literárias, mas ainda
assim gostaria de mencionar alguns que me ocorreram durante a leitura.
Considero o seu livro experimental. Embora de um experimentalismo bem
diverso das sinestesias do simbolismo, do sensacionismo de Sá-Carneiro,
dos futurismos de Marinetti e, sobretudo, completamente diverso dos
experimentalismos dos ícones de cá, Melo e Castro, e de lá, Haroldo de
Campos. Todo o poeta original ousa um novo cânone literário. Alguns
providenciaram cambalhotas à letra, Pessoa, ou à escrita, Cesariny.
Falando de portugueses, claro, há experiências idênticas e assumidas,
sobretudo numa das últimas correntes norte-americanas. Face a todos esses
exemplos, direi que o seu trabalho, mais do que poético ou literário, é
lingüístico e provoca avanços e a minha admiração. Nesse esforço, utiliza
o diálogo e personagens organicamente ligadas à elaboração do texto: o
professor, o poeta, a contista. De forma perfeitamente sincronizada. Pelo
que me liga, emocionalmente até, à literatura e à lingüística, não posso
deixar de destacar esse poema fantástico que é Diálogo com a voz na minha cabeça.
Para ver e rever todo esse jogo de palavras e sons, que muda as letras de
lugar, que aproxima e conflitua as palavras criando novos sentidos.
Parabéns: além da qualidade intrínseca do texto, todo excelente, foi
provocado em mim um objectivo que não sei se era seu: muitas vezes me
senti lendo de cabeça para baixo. [Antero Barbosa] Esse
título me dá uma vontade incrível de voltar a fumar, mas é expressão da
verdade, pois curti demais "Teto no piso", coletânea de textos de gênero
indefinível, sem a disciplina militarista de certos movimentos, mas com
uma linguagem irretocável, capaz de levar o leitor a um grande passeio
pelo que a mente pode sentir, pensar, dizer, com um finíssimo humor.
(...). [Sergio Sant'Anna] Obrigado
pela honra de me enviar um dos raros exemplares de "Teto no piso". Havia
recebido seus livros anteriores e, embora desse para perceber um bom poeta
por trás daqueles poemas, certa atitude inflada parecia desalinhar os
versos e me desanimava de escrever. Purgado dessa pequena impureza,
falando de igual para igual com o leitor, os poemas desse seu novo livro
encantam e divertem. O humor é uma jóia rara e maravilhosa. Ri muitíssimo
com poemas como "Proverbial impulso" e muitos outros. Esse amor, essa
ironia, no entanto, não são gratuitos e são acompanhados por poemas
leves mas de reflexão profunda, como "Diálogo com a voz na minha
cabeça" e vários outros, que incluem uma reflexão sobre a linguagem.
Gostei também da séria auto-ironia de "Orfanato Orfeu". O nonsense
significativo de "Copa" e o "O triste fim dos 3 porquinhos", entre muitos
outros, faz de sua poesia, a meu ver, uma voz única e
rejuvenescedora na poesia contemporânea. [Renato Rezende] Seu
livro [Teto no piso] me agrada porque é um livro modernista. Parece ser a
retomada de certo diapasão do modernismo de 22, o mesmo tom de arco
retesado e flecha acesa, impulso e destreza imaginativa, um ritmo de
elevação, a freqüência da inteligência e do inesperadamente construído. Há
no mínimo três poemas admiráveis, como o da máquina do tempo no jardim,
este simplesmente fabuloso pois fabulário. O das bolas cúbicas, com seu
clima de sonho extensível. Mas não é a retomada de uma tradição,
simplesmente. Também não é a superparódia encantada. É um readestramento
do verbo, uma desintoxicação de certa pulsão
contemporânea neoparnasiana. Aquele outro poema, "o pastro de letrsa", é a ludicidade em ziguezague das letras indo pra cá e pra lá num frescobol de vogais e consoantes, jogado pelas palavras em estado de praia num incomensurável domingo solar (...). [Carlos Emílio Barreto Corrêa Lima] |
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