"Nós também sabemos
o quanto a verdade é muitas vezes cruel,
e nos perguntamos se
a ilusão não é mais consoladora".
— Henri Poincaré
Após o Big-Bang o
Big Crunch,
o
bangue-bangue,
adeus Deus da
cosmologia!
Bem-vindos Thânatos
e entropia.
Do Éden ao rave-n o homem é ylem,
evolução pela
catástrofe,
docta
ignorantia.
Como previram os
astecas,
a semente da Terra
dissipou-se
e as estrelas serão
recolhidas: fim de festa,
buraco negro, dragão
de luz lesa-mátria,
caos, ponto
zero:
"o mundo assombrado
pelos demônios",
fim da
biogonia.
Em míseros 2 bi e
500 mil anos
a Terra será como
Vênus:
poeira letal,
deserto,
sem dignidade
transcendental.
a estética do cosmos
fez-se fisionomia perversa.
fronteiras
geológicas são hecatombes,
cultura do
ex:
dinossauros,
plânctons, períodos cretáceo, terciário,
ordoviciano,
deoniano, permiado:
ninguém viu nada e
"Deus ainda está de serviço".
O meteoro de
Yucatán
com seus fluxos
monstruosos de lava
e inverno nuclear:
apenas um aviso vis-a-vis com o
futuro:
os cinturões de
Kuiper e Oort têm muitas surpresas no ar:
em 21 de agosto de
2126 o Swift-Tuttle cometerá passagem
próxima ao planeta
Gaia — perigo nas alturas:
3 mil asteróides com
mais de 1000 metros
cruzarão a órbita
terrestre.
Um deles, em 1908,
caiu em região remota da Sibéria,
arrasando área do
tamanho de Nova Iorque.
A vida na Terra é
questão de sorte e "Deus não joga dados".
Há muito além de
cataclismos contra a frágil biosfera:
concentração de
dióxido de carbono,
princípio da
incerteza,
ciência irônica, diz
John Horgan,
vírus HIV, ebola e
da simples (?) gripe, grandes rupturas,
bactérias vindas em
meteoros,
convulsões
climáticas abruptas,
inversão do campo
magnético,
destruição da camada
de ozônio provocada por uma super-nova,
exposição dos seres
aos letais raios ultravioletas,
o gigantismo
hipertélico do organismo:
"Não haverá um
cansaço das coisas, de todas as coisas?
Um cansaço de
existir, de ser, só de ser,
não haverá, enfim,
para as coisas que são,
Não a morte, mas uma
outra espécie de fim?"
pior: "ainda não
sabemos como não nos matar".
Autodestruição — ameaça amorfa de extermínio coletivo,
manipulação da vida
com fins mercadológicos,
as crises como uma
espécie de entretempo
corroendo a doída
inquietude,
a nostalgia do
inominável,
a precariedade de
todo valor natural
desse rebelde
ontológico contestador metafísico de tudo,
que fez do paraíso
bestiário,
último escombro do
mundo ante falidas aggiornamenti,
"vítima estúpida de
uma epidemia psíquica"
que com sua "ética
do desesperado"
cultiva no espelho
opaco do seu dessemelhante
a "imagem do
guerreiro nômade".
("Se você está
morto, pouco pode fazer para ser feliz")
Rastros
Prudente Nery — Nicolaus Cusanus — Carl Sagan — Robert Milikan — Christiane Galus
— Alexandre Friedmann — Marcelo Gleiser — Frei Beto — Albert
Einstein —
Fernando Pessoa — Martinez Diez — Peter Swales — Deleuze/Guattari — Alvarez
Gomes
Tudo são falsas
estruturas de compreensão.
O conhecimento
experimenta a si mesmo
com a
responsabilidade de um bebê.
O sentido do urgente
e dolorido hiato
tenta com seus
tentáculos povoar a consciência racional
com intensidades
magras de auto-reflexividade.
Belo é o que deixou
de ser sublime,
o que agora agride a
lide, a lida e redime
a legitimidade da
contravenção,
o oxímoro dos
conceitos,
o que iguala o homem
à sua desonimização,
as pressões que
vigem sem precedência,
abstrações
consistentes como bolha,
o que restringe o
devir do prematuro,
o que joga contra a
parede do cinismo,
inflaciona o
discurso que diz e não diz,
o que denuncia a
confraternização ilícita
entre domínios
étnicos,
o que renegocia a
crítica com a obra
e sua crescente
irrelevância.
Não há critério para
aceitação do próprio critério:
O valor é o que
levanta suspeita
Da "pura diferença",
heterotopia,
Visibilidade do fog, linguagem de
trincheira,
A fraude essencial,
o fracasso dos conteúdos,
Os efeitos-piorra, o
pacto de recusas,
Os acessórios do
estranhamento,
A sensação de
ressentimento,
Os consolos da vida
marginal,
A aparente
impotência,
O boom implosivo do
acadêmico,
A varredura das
certezas,
O diálogo em
conflito e o dissenso,
As perguntas
indigestas,
A pulverização dos
sólidos determinantes históricos,
A falta de confiança
intelectual,
O princípio de
saturação aliado
ao princípio da
pluralidade não-interferente,
a inclusão do
não-cultural como must da
massa,
todas as ameaças que
ampliem função e eficácia
dos meios de
custódia,
os vínculos
interdisciplinares com suas rupturas de
contexto,
o resgate em si
falido de uma identidade nacional:
mito expulso como a
"louca da casa",
a relação paradoxal
entre diversidade e uniformidade,
o aprisionamento das
formas reconhecíveis
pela combinatoire
mecanicista
ao ofertar o
recém-instantâneo do "mercado mundial das
idéias",
tudo que não pode
ser apreendido
nem dominado pela
representação,
as teorias que
projetam sua própria frustração,
a definitiva
desaprovação da autoridade, a perclusão,
o retorno à espiral
da auto-contemplação do scholar,
a investigação ética
do crítico hodierno,
a encruzilhada dos
debates que se interceptam,
a rejeição de formas
fundamentadoras
das narrativas de
emancipação e especulativa,
a "concepção
clássica da pragmática do conhecimento
científico",
a performatividade
como alvo do que funcionar melhor,
a forma de violência
gramatical da palavra "nós"
que visa falsear a
promessa numa humanidade universal,
o funcionalismo
vazio do sistema de produção e de
informação,
a reificação como
conversão de relações sociais
em objetos inertes e
congelados
e na sua lógica que
identifica o reino cultural ao
socioeconômico,
o que evita o
soterramento da possibilidade da crítica,
o jogo aleatório de
significantes do capitalismo,
o espelho da
produção ou a ilusão do materialismo
histórico,
os simulacros, "a
miséria da filosofia",
as máscaras da
perversão do real básico,
o acolhimento da
teatralidade estigmatizada
com seu "domínio
proscrito",
a adaptação
hesitantemente irônica
dos modos
contemporâneos das artes,
uma tolerância
complacente com a falsidade,
a exclusão e a
centralização insolente da burguesia
triunfante,
o esforço da
purificação do kitsch,
a camuflagem,
a estética do
anonimato e a autoria (dis)simulada,
a escrita que se
baseia sobretudo na experiência,
a exploração do
êxtase, do transe,
dos estados extremos
de sentimento,
a intensa
consciência do apocalipse iminente,
o heroísmo da
desestruturação,
o expurgo do fato
que nega a memória e sustenta espectros,
a fidelidade à
incoerência para transcender o seu
não-resolvido,
toda confiança
diante da idéia de profundidade,
os livros que já não
são poemas em si, mas transcrições,
piratarias
escolhidas a pretexto de uma "colusão
interativa",
dialógica,
o fim do
egocêntrico, de exaltação,
a acolhida do solto,
do contingente,
do embrionário e do
incompleto, o casual e não-poético:
cartas, diários,
conversas, humor, notícias de jornal,
o mundano, a
impureza, o carnaval da estilística,
o rompimento da
hierarquia dos gêneros,
o texto polimorfo,
cético, sobrevivente da crise,
auto-absorvido como
um modess
pré-menopausa,
fragmentado,
oscilante, descontínuo, sampling do
verbo,
instalação,
evento,
"uma variedade de
vozes num padrão disjuntivo"
"com um tempo tomado
de empréstimo".
Rastros
Jean-François
Lyotard — Steven Connor — Michel Foucault — Freud — Dana Polan — John Taschman — Fredric Jameson — Marx — Charles
Jencks
Michael Fried — Ihab Hassan — David Antin — Herbert Blau
"Não há literatura
sem curiosidade".
— Ezra Pound
Ciro de Pers e
Giovanni Canale escreveram sobre o relógio.
Elia Servenski é
autor do poema "Como se fabrica uma lâmpada
elétrica".
Manuscrito do poema
Salman und Morolf, escrito em 1190,
tinha o projeto de
um barco submarino de couro
capaz de resistir às
tempestades.
Colombo copiou duas
vezes o coro do 2º ato de Medéia, de Sêneca, onde o autor falava
de um mundo cuja descoberta
estava reservada
para os séculos futuros.
Dante, na Divina
Comédia, descreve com precisão
o Cruzeiro do Sul,
constelação invisível no Hemisfério Norte
e que nenhum
viajante do seu tempo poderia ter
descoberto.
Roger Boscovitch era
por seus contemporâneos
Considerado "Newton
na boca de Virgílio".
Vitor Hugo
preconizou: "existem outras coisas".
Luís Aranha escreveu
sobre o aeroplano.
Há os aviões de
Jorge Fernandes,
o sputinik saudado
por Lupe Cotrim Garaude
e por Domingos
Carvalho da Silva.
Shakespeare e Milton
inspiraram-se na misteriosa
Harmonia cósmica
postulada por Pitágoras.
Lamartine inventa
até um avião motorizado
Em La chute d'un
ange.
Há o "anjo cinzento
batendo as asas em torno da lâmpada"
E os anjos
freqüentadores de mictórios e praticantes de
sodomia,
de
Rilke,
o Lunik 9, de
Gilberto Gil,
o "casamento do céu
e do inferno" do visionário William Blake,
o caso do fazendeiro
que queimou a casa,
recebeu o dinheiro
do seguro e comprou um telescópio,
como no
autobiográfico The star
splitter de Robert Frost;
há o Alphonsus de
Guimaraens Filho de Poemas da ante-hora
com a certeza de ser
"possível é que um Sol não visto esplenda
e seja real o que
sugere a lenda — e o real, ilusão".
Karel Kapek "cria" o
robô como ersatz, em
1927.
Alexander Pope
celebrou o fiat dizendo:
"A natureza, suas
leis, escondiam-se na escuridão
e Deus disse:
Faça-se Newton! E tudo se iluminou".
Há o autômato de
Ptolomeu de Filadelfo,
que imitava, já na
Antiguidade, a figura humana.
Santo Agostinho, no
século XIII, não suportou
sequer a visão do
andróide criado pelo escolástico
alemão Alberto
Magno, seu mestre,
e o destruiu com o
bastão.
O horror pelo
autômato transparece também
nas narrativas
góticas de Hoffmann.
Há o Cassiano
Ricardo
mormente com a technopagnia de Gagarin e
Rotação,
o Wordsworth de A
sabedoria e espírito do universo,
Un coup de
dês, de
Mallarmé,
em que o poeta
medita "sobre a própria possibilidade da
criação,
o poema que, com
breve e fugaz constelação,
surge da luta contra
o acaso, a desordem, o caos,
a entropia dos
processos físicos".
Há o McLuhan da
"civilização do mosaico eletrônico",
o Kilkerry de
Quotidianas onde sugere "olhos novos para o novo",
o "cosmonauta do
significante" Haroldo de Campos,
que faz em Galáxias
uma signantia quase
coelum;
o Pound de Alba, da
Homenagem a SExtus Propertius,
dos Cantos 115 e
116,
o Bachelard de A
formação do espírito científico
e para quem "o céu
está vivo";
o Shelley cuja
poesia "ascende para trazer a luz e o fogo
das regiões eternas
onde as asas curtas da faculdade de cálculo
não ousam
planar",
o Drummond de A
bomba, Science fiction, O homem, as viagens, Visões, A um
viajante, do Caso dos discos voadores no
Leblon,
o Leopardi de
Infinito com sua temática "cósmica e
luminosa",
o Concerto para voz,
instrumento e pulsar, de Federico Amendola,
o Edgar Allan Poe de
Eureka explicando o paradoxo de Olbers,
o pulsar/quasar de
Augusto de Campos,
o Tchernichevski
para quem a poesia propaga enorme quantidade
de conhecimentos e
divulga os conceitos das ciências,
o Leconte de Lisle
que em 1852
concitava o diálogo
poético-científico,
Kaocheu-K'i, que
elabora o elétron,
o disco-voador de
Ezequiel, Caetano, Raul Seixas,
a Ciência nova, de
Vico,
o Código de Manu dos
Ciclos do Universo no pensamento indiano,
as "alegorias de
fenômenos físicos" em Heráclito,
o didatismo
científico considerado por Northrop Frye
como "ciência
versificada",
o Apeíron, de
Anaximandro,
os quatro elementos
de Empédocles,
Sobre a natureza das
coisas, de Lucrécio, contra a superstição,
a "força fecundante
do céu" em Hesíodo,
o Verlaine cujo
trabalho pressupunha torná-lo "um vidente",
o Ramayana narrando
batalhas no ar com enigmáticos vimanas,
os "carros celestes"
do Mahabarata,
os exércitos
resplandescentes vistos
por troianos na
Eneida de Virgílio,
as belicolíricas
versões da gesta astral
que povoam as noites
de pesadelos,
a fortuna
astrobiológica mesopotâmica,
as reverências dos
primitivos Dogons na África,
a estrela-satélite
que gira em torno de Sirius,
além dos seus
conhecimento compatíveis
somente à moderna
astronomia,
como a estrutura da
Via Láctea, os anéis de Saturno,
os movimentos de
translação/rotação da Terra
e as quatro luas de
Júpiter.
Há o Boécio, no
século VI, perguntando à pós-modernidade
"como pode o
mecanismo tão veloz dos céus
mover-se
silenciosamente?",
o Aragon imperativo:
"Muito bem! Façam entrar o infinito",
a Sor Juana Inês de
la Cruz anunciando ser sua ânsia
"penetrar nos
mistérios do universo",
o Eurípedes,
igualmente dizendo que "aos olhos da luz do
dia
há observadores no
céu",
o Bilac
radiotelescopicamente atual dizendo
"Ora direis, ouvir
estrelas" et
al.
Agora e a vez e a
voz para o campo biofotônico ondulatório
holográfico,
para o período de
vitória do Druj — princípio da desordem,
sobre o de Asha — princípio da ordem;
para as supercordas
e aceleradores de partículas,
reatores de fusão
nuclear e cacopias,
ligas de arseneto de
gálio e alumínio,
sodeto de chumbo e
derivados de silício;
para os
semi-condutores, chips
biônicos e pensamento fractal,
ótica da
complexidade — caoplexidade — com seu
efeito-borboleta,
seqüência genética
desde a origem evolucionária, a mutagênese;
para a comunicação
entre células líderes,
os novos paradigmas
de processos que não se encerram,
a reserva de
biodiversidade no ciberespaço,
o combate high-tech ao crime, a
inteligência artificial,
a
tridimensionalidade da realidade virtual,
os impactos
ecológicos da decadência
e a infinita
criatividade da natureza.
Que o ex-belo canto,
aturdido e perplexo,
adicione ao
repertório do nada outras coisas comoventes
que aflijam e
incomodem,
que em vez de uis e
ais acione os putz!, os inputs,
os ubres das urbes,
os rizomas das queimas de pestanas,
os axiomas de
jaleco;
que cante a quantas
vai a quântica, a Eva mitocondrial,
as sondas espaciais,
as teorias "de calibre",
as singularidades no
espaço-tempo, a bioinformática,
as ciências das
redes, a assinatura eletrônica do top
quark,
as letras
recicláveis com impulsos elétricos
criando multitextos
no mesmo papel, ou Gyricon;
o Hal de 2001, o
Deep Blue e o Cog,
os riscos
terroristas do repositório de lixo nuclear de Monte
Yucca,
o imageamento
funcional substituto do microsubmarino
do filme Viagem
fantástica.
Falta celebrar com
sinos da agonia as colônias espaciais,
cidades
subaquáticas, Ícaros futuristas,
e como Dennett
questionar o quê ou quem poderá assegurar
que tenhamos
descendência,
e como Asimov fazer
"a última pergunta":
para
que serve Deus?