Iovnis omnia plena

(Virgílio, Bucólica, III, 60)

Ovnis omnia plena

(em qualquer parte do mundo e a qualquer momento)

"Quem os pode tomar? Você pode? Experimente..."

Agora já não as bestas sagradas, mansos demônios,

boas loucuras de Apolo, Dioniso, Musas e Afrodite,

a morte de Deus, obscuridades de cavernas,

ilustrações mitológicas, destruições imaginárias,

monstros do ibope devorando a blandícia de crianças,

fantasmas de Freud, escatologias campeãs de bilheteria,

performances de possuídos, happenings de terreiros,

pesadelos bélicos assistidos de pijama, serial killers,

a fome negra, a alienação de Hegel, a desrazão marginal,

a "ruptura absoluta da obra", a erupção do silêncio,

a relação com o Fora, o Caos-germe, a turbulência da Ruína,

a "presença da Meia Noite", a palavra bruta, o insólito,

a barata de Kafka, o pecado original, a morte simples,

o "infinito interstício por onde tudo aquilo que é

se deixa subitamente transbordar e avandonar

por um acréscimo que escapa e excede",

a violência da neutralidade e seu "niilismo estratégico",

o ser que se ignora, infinito e suscetível,

que troca nossa angústia e nosso fardo

em aurora arterial, diz René Char,

a imortalidade via clonagem, a alteridade robótica,

o "ponto cinza" de Klee, os alertas esotéricos,

a logofobia ante o estranhamento do discurso,

as superstições, o bunker dos excluídos, a invaginação,

os zumbis da miséria, as discriminações étnicas,

artaudoadas memórias, os políticos, os dogmas,

a cristalização da merdiocridade, o câncer, o blecaute,

Holderlin, Nerval, Lautréamont, Van Gogh,

o Museu do Inconsciente,

o "caos dentro de si", a tese de Devereux, os medos sísnicos,

a loucura de ser normal.

Agora é o mercúrio vermelho em mãos de terroristas

transformando-se em armas de fusão termonuclear,

o superimpacto com asteróides calcinando o planeta, 

feixes de partículas liberadas por cometas erráticos,

o lixo espacial, o imperialismo informatizado,

o gás sarin — o "divino assassino",

a solução sem moral do capitalismo,

a previsão de Byron de que "teremos as tradições dos Titãs"

novamente e de guerras com o céu,

os surtos bin ladenianos e as seqüências em jovens bushas de canhão

a idéia mais banal de simplesmente faltar água.