© loredano
 
 
 
 
 

 

O conto, em si, constituiu um cenário privilegiado para Machado lançar seu olhar crítico sobre temas políticos, justamente pelo uso dos recursos da ficção literária, sempre propícia a esse fim — ainda mais com o instrumental do subterfúgio e da sutileza machadianos: até porque, o conto — a requerer concisão, fluência, a linguagem próxima ao coloquial, enfoque restrito, centrado e concentrado em poucos personagens, a facilidade expressiva — permitiu, melhor do que o 'expansionismo' e amplitude do romance, uma forma de expressão bastante adequada à verve ficcional machadiana, exposta  sob as lentes e 'tintas' da ironia, da sátira, do pastiche, da anedota, da alegoria, focalizando aspectos e detalhes triviais, mas lançando, ao mesmo tempo, luzes surpreendentes sobre assuntos importantes. Além disso, foi no conto, mais do que nos romances e nas crônicas, que Machado colocou aqueles elementos de subversão de padrões morais.

 

A par de lhe consentir a compenetração na psicologia — comportamental, social, moral, etc. — da sociedade brasileira do século XIX, e adequação — ou adequabilidade — a relatos de relações amorosas, afetivas, familiares, sociais e retratos  intimistas, o conto serviu a Machado para expor e comentar, ainda que  discretamente — em alguns casos, quase que sutilmente —, a política tanto do II Reinado, quanto das primeiras décadas da República. Dos 218 contos por ele criados, entre 1858 (ano de publicação de "Três Tesouros Perdidos") a 1907 (data de "O Escrivão Coimbra"), mais de 10% têm, em maior ou menor grau, temática política, numa íntima relação com a realidade brasileira do momento e lídimo retrato da sociedade de seu tempo — exemplo dos aqui agora apresentados, entre eles "Evolução", primoroso retrato das elites tecnocráticas e prevalência da tecnocracia, que é discussão atualíssima, os arautos do progresso tornando-se algozes da sociedade; "Conto de Escola", contundente história sobre crianças e o mundo dos adultos, mas, sobretudo, um drama político que trata da maioridade de Pedro II, vista como um 'golpe de Estado'; "A Sereníssima República", uma das maiores críticas satíricas às distorções eleitorais de toda a literatura brasileira — extrema e indubitavelmente propício para essa época do ano eleitoral de 2008.

 

 

 

 

outubro, 2008