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O amor é o grande tema, central e capital, na contística de Machado. O amor visto, tido e exposto como a única comunicação possível entre pessoas, quaisquer que sejam suas natureza, caracteres, etnia, classe social, o amor presente sem exceção em todos os  contos — como nas nove narrativas, publicadas no 'feminino' Jornal das Famílias, entre 1864 e 1876, catalogados, muito apropriadamente, sob a rubrica "histórias românticas", exemplares bastante eloqüentes do quanto e como, já enfatizado neste espaço, Machado fazia da mulher sua temática e seu público preferencial. Tinha a mulher não apenas como principal protagonista, mas também sua leitora predileta — sempre chamando a atenção, nas linhas e entrelinhas de seus textos, para as necessidades e os direitos da vida afetivo-social da mulher.

 

Ainda que condicionado — quase que 'submetido' — aos ditames temáticos, tramáticos, estilísticos, de linguagem, de forma e de conteúdo do Romantismo então vigente, Machado, desde o início de sua gestação ficcional em prosa, traçou caminhos próprios e peculiares para tratar das relações entre os homens e as mulheres, muito além, primeiramente da visão ingênua dos românticos, depois, do discurso dos realistas e naturalistas, injetando em sua obra muitas sementes da modernidade: criou um estilo de literatura não apenas de observação das  pessoas mas, sobretudo, de  interpretação, expondo das  pequenas coisas, das passagens a princípio inocentes,  um outro lado, que  muitas vezes  aludia à presença, sempre insidiosa, do inconsciente — mesmo sob a tarja dos 'dogmas' literários do Romantismo. Foi sempre um autor interessado em prospectar as paixões humanas, em dissecar-lhes as intimidades, em levantar ques­tões e em torná-las públicas pela voz de seus personagens, especialmente de suas protagonistas: os  amores e frustrações femininos foram seus temas constantes, em todas as fases de sua  criação artística.

 

Convém observar que mesmo nos primeiros contos, anteriores a 1879, Machado já formula críticas e 'desmistificações' (quer estéticas, quer temáticas, quer tramáticas, até mesmo formais e de conteúdo) ao Romantismo, sob a fina e sutil capa de ironia que já lhe era então peculiar (e que o acompanharia por toda a trajetória). Machado, aliás, considerava, ainda no final da década de 1860, o Romantismo — em sua essência e sob a estética vigente desde suas origens no Brasil, mas ainda hegemônico no Brasil do II Reinado — em plena decadência e literalmente "acabado", tanto que fazia restrições, não propriamente críticas, ao romantismo de José de Alencar, o maior criador da literatura romântica brasileira, ao sustentar, por exemplo, que no tempo alencariano "o mundo ainda não nos falava todos os dias pelo telégrafo, nem a Europa nos mandava duas ou três vezes por semana os seus jornais" — consciente, Machado, da relação entre as formas artísticas e os meios de comunicação, idéia, aliás, que já o mobilizava em 1857 (ano da estréia ficcional de Alencar, com a novela Cinco minutos) ao escrever "quando se aperfeiçoar o vapor, quando unido ao telégrafo tiver feito desaparecer as distâncias, não hão de ser só as mercadorias que hão de viajar de um lado a outro do globo, com a rapidez do relâmpago; hão de ser também as idéias" [in O passado, o presente e o futuro da literatura].

 

Machado era convicto da posição ambígua em que a literatura brasileira de sua época se situava em relação ao Romantismo — o que não queria dizer que aceitasse e praticasse literariamente o Realismo, então emergente, como a corrente predominante, visto generalizadamente como "a expressão artística mais adaptada ao progresso dos novos tempos" (sic); Machado, além de fazer sérias ressalvas, 'subverteu' inteiramente os padrões, ditames e elementos desse Realismo, solapando os valores e elementos desse naturalismo, com sutileza e expondo certos retratos da denominada 'vida real', com o emprego de eufemismos e subterfúgios sem chocar a moral familiar e social explicita e diretamente, mas o fazendo subrepticiamente em sua ficção.

 

Este conjunto é muito especial: os oito contos que o compõem, publicados originalmente apenas no Jornal das Famílias, têm a característica comum de  escassa edição posterior: apareceram somente na efêmera edição justo intitulada Histórias Românticas, de W.M. Jackson, 1937, jamais reeditada — e não constam, nenhum deles, das mais conhecidas e republicadas coletâneas de Machado, a saber: Contos fluminenses; Histórias da meia-noite; Papéis avulsos; Histórias sem data; Páginas recolhidas, Várias histórias e Relíquias da casa velha. As exceções são  "Miloca", que integra a Obra completa de Machado de Assis (José Aguilar, 1959) e a seqüente  Obra completa de Machado de Assis (Nova Aguilar, 1994) e, em especial, "História de uma lágrima", abrigado na importante coletânea organizada por Raymundo Magalhães Júnior, Machado de Assis: Contos sem data, (Civilização Brasileira, 1958).

 

Trata-se, portanto, de precioso elenco para a expansão do conhecimento, estudo e  difusão da obra machadiana — apresentado aqui com toda a excepcionalidade, e quase ineditismo, que lhe são peculiares.

 

 

junho, 2008