© loredano
 
 
 
 
 

 

Inovador na ficção, como contista e romancista — está na história da literatura brasileira a magistral inflexão estilística, temática e de linguagem por ele executada no final da década de 1870, que abalou e mudou os rumos da narrativa literária — Machado de Assis teve no enfoque da temática econômica e financeira um dos vetores importantes quer de sua ficção — na seara contística, pode-se perfeitamente constatar o quanto o dinheiro e a moeda constituem o elemento "organizador" e "catalisador" de todos os capitais, não apenas os financeiros propriamente ditos, mas também afetivos, emocionais , psicológicos, etc, como p. ex. revelado em  "Entre santos" — quer da não-ficção (caso de suas instigantes 77 crônicas que tratam da especulação financeira e das mazelas provocadas e advindas dos tempos novos da República de uma ciranda financeira e sua plêiade de emissões, crédito luxuriante, jogatina, falências em cadeia — não sem antes ter passado pelo crivo machadiano, sempre aguçado e satírico, quebras de bancos, a crise financeira inerente à guerra do Paraguai, os problemas da conjuntura econômica envolvendo companhias, bancos e entidades nos anos finais do Império,  destilando sua ácida ironia crítica ao câmbio, aos juros, à dívida pública, aos bancos, à política financeira, aos impostos, às subvenções do Estado, às crises de abastecimento). 

 

O presente grupo de contos que conclui  esse conjunto temático e encerra o programa a que nos propusemos veicular no ano — dispostos a dar-lhe continuidade em 2009 — tem como sua  peça final o último texto contístico escrito por Machado, publicado exatamente um ano antes de sua morte (fecha-se aqui um ciclo iniciado justo pelo primeiro conto saído da lavra machadiana, o pioneiro "Três tesouros perdidos", per si, aliás, exemplar lapidar da presente temática): o derradeiro "O escrivão Coimbra", de 1907, na aparente trivialidade do fascínio do protagonista pelo ganho "fácil" por meio da loteria — a sedução pelo jogo também exposta em "Jogo do bicho" —  exibe em suas linhas e entrelinhas o quanto  Machado, como poucos (a rigor, quase nenhum) literatos de seu tempo, via e antevia os primeiros passos do nascente capitalismo brasileiro, mediado pelo Estado, como propulsor não de um processo de desenvolvimento econômico, mas de endividamento generalizado, a impor e impulsionar pessoas de todas as classes ao culto desmedido ao argentarismo, à acumulação, ao enriquecimento imediato e inconseqüente.

 

 

dezembro, 2008