Notas

 

 

1 Fundado em 1874, cujo  proprietário, Ferreira de Araújo, era um dos grandes amigos de Machado, destacou-se de imediato por sua então modernidade editorial-gráfica, de comercialização (foi o primeiro jornal a ser vendido nas ruas, e não apenas para assinantes) e de linha editorial liberal e politicamente independente, sempre com opiniões abalizadas e isentas. Nele Machado publicou parte do melhor  de  sua produção contística  e da safra croniquesca.

 

2  O Jornal das Famílias era uma publicação mensal ilustrada, recreativa e literária, editada por B. L. Garnier, no Rio de Janeiro, destinada fundamentalmente ao público feminino, concentrada na divulgação de "moda e variedades", mas, atendendo às  próprias circunstâncias da época e à demanda de suas leitoras, a literatura  paulatinamente passou a ganhar espaço; foi o periódico  que recebeu a maior colaboração contística de Machado: nele publicou, além de poemas, nada menos do que 64 contos (contra 54 na Gazeta de Notícias, de 1881 a 1897, e 43 em A Estação, entre 1879 e 1898).

 

3 Mais luxuosa, moderna, de excelente impressão litográfica — sobretudo, mais ousada que o Jornal das Famílias — A Estação era impressa na Alemanha, montada em Paris, mas editada por L. Lombaerts, no Rio de Janeiro. De periodicidade  quinzenal, circulou ininterruptamente de 1879 a 1904: além de ser um complemento do jornal de modas, incluía uma Parte Literária — que era impressa no Rio —  oferecendo espaço e abrigando os maiores escritores brasileiros da época, com destaque para Machado de Assis, que nela publicou poemas, crítica teatral, a novela Casa Velha (1885-86), o romance Quincas Borba (de 1886 a 1891) e 43 contos.

 

4 A tríade tolo-mulher-homem de espírito permeia a ficção machadiana, sob uma teia dramatúrgica presente em contos e romances ao longo do tempo e de sua  evolução literária, transportada a 'ideologia' do livro iniciante (Queda que a smulheres têm para os tolos)  para muitas das obras posteriores. A trindade tolo-mulher-homem de espírito habita intensamente a maioria dos contos do ciclo 1860-79, está nos romances Ressureição,  A mão e a luva e  Helena, anuncia-se em certa metamorfose na transição representada por Iaiá Garcia, transmuta-se inteiramente em Memórias póstumas de Brás Cubas e em Quincas Borba, reaparece sob enfática perspectiva em Dom Casmurro), por fim, chega a seu ocaso nos derradeiros romances Esaú e Jacó e Memorial de Aires, neste a seara  da redenção total da mulher machadiana (protagonizada por Carmo), definitivamente apartada da preferência pelo tolo ao invés e em vez do homem de espírito. Os tolos — para quem as mulheres têm acentuada queda (pelo menos no início...) — são, via de regra, estroínas, praticam as fórmulas socialmente estabelecidas, sua linguagem assemelha-se à retórica romântica dos folhetins, ostentam autoconfiança, são determinados e objetivos nas ações afetivas, até mesmo fingindo sentimentos e aparentando paixões com o fito exclusivo de conquistar a mulher. Exatamente ao contrário dos homens de espírito, que  fracassam e são excluídos por não se coadunarem com os padrões de postura, convenções  e relacionamento sociais e por acreditarem numa vida além e acima do jogo estratégico de aparências falsas e artificiais — mas saibam que, numa espécie de aprendizado pelo fracasso, irão amadurecer, assumir uma atitude de reflexão sobre a "realidade aética da vida" vis-a-vis com a desilusão com as possibilidades da vida moral e transmutar-se no cético. A transformação do homem de espírito se dá no cenário das metamorfoses processadas na criação ficcional machadiana. Não obstante o 'aviso' dado em Queda..., alertando para o insucesso do romanticismo, praticado em diferentes níveis e objetivos, Machado indica, nas obras iniciais, o amor romântico como solução — embora o narrador insinue ser um meio ingênuo — para depois trilhar caminhos mais audaciosos, o casamento por interesse ou conveniência como forma de ascensão social (tema presente nos três primeiros romances e na maioria dos contos no decênio 1860-70), passando a ser não apenas um empecilho à concretização desse amor romântico — o casamento como elemento da razão, o amor como expressão do sentimento — mas a mola propulsora da destruição, o problema deixando de ser visto dentro dos termos de relações de classes e passando a ser encarado sob a ótica mais ampla e universal  da própria condição humana. Não por acaso no marcante ano de 1871 Machado começa a apontar para o superficialismo das relações humanas, as pessoas (homens e mulheres) tendo de viver sujeitos a valores sociais que lhes são impostos e dos quais somente poderão se libertar com mudanças radicais de consciência, de atitude e de atos, dando início a um processo de reflexão que será plenamente desenvolvido nas obras posteriores — processo que o autor/narrador protagoniza no homem de espírito-personagem, que passa do alheamento e  distanciamento, da desesperança e da desilusão às gradativas adaptação e interação com a realidade, daí assumindo postura reflexiva e consciente, por fim transformando-se no cético — schopenhaueriano (de Schopenhauer), mas também e principalmente  shandiano e menipéico. No entanto, se o homem de espírito muda, amadurece, estabelece nova relação com a mulher, recusando terminante e objetivamente aquelas que fingem e ostentam, o tolo  continua com sua frivolidade e estoicismo, servil das convenções sociais e atado ainda à retórica romântica. No crucial  ano de 1871, o macro-universo do entorno se transforma, o micro-universo literário deve acompanhá-lo: Machado pressente os novos tempos, convence-se da necessidade crucial de mudança, já exercita os primeiros passos, altera seu enfoque, sua temática, sua linguagem, seu estilo, sua estética literária — a começar pelos novos perfis dados a dois dos vértices do triângulo: o homem de espírito caminha da contemplação para o ceticismo, a 'nova' mulher machadiana deplora a frivolidade do tolo e passa a se inclinar para o homem de espírito. Machado, como supremo criador, atento e obediente aos ditames sociais-'ideológicos' dos novos tempos, interfere no processo: o que o homem de espírito não logrou – modificar a natureza das mulheres – o autor/narrador faz, porém  mantendo tanto a "vulgaridade dos tolos" quanto à natureza "aética" da vida social. Porém, como sempre fez em toda sua obra ficcional, o narrador onisciente e onipotente, que modifica a mulher e o homem de espírito, abre mão de suas 'prerrogativas', convoca o leitor à acurada reflexão sobre a preferência da mulher — quer a antiga, quer a atual — e deixa-lhe a responsabilidade do julgamento conclusivo. (ROSSO, 2007).

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