Estava junto à parede, encolhida, esperando o momento certo de… De repente, um salto e: as garras entranhadas no passarinho. Da janela, vi a gata estraçalhar, com certa delicadeza, o bicho. Nos limites do quintal, quem era o monstro? E aqui fora, entre os sins e os nãos, quem é o monstro?

 

[Estamos todos encolhidos, dentro dos nossos medos, esperando o momento certo de?]

 

Completamente entregue: deixando o meu corpo afundar lentamente na massa de sonhos. Seus olhos, naquela tarde de verão, estavam cheios de despedida e, para além deles, as lágrimas escorriam encharcando a cidade inteira. [A chuva forte que atingiu Ibirité, na região metropolitana de Belo Horizonte (MG), durante todo o domingo, deixou várias famílias desabrigadas.] Sim, eu sabia que era o fim. Desde o dia em que te ouvi falando com ela ao telefone e, mesmo antes, quando o seu corpo se afastava do meu no meio da noite. Nos limites do nosso quarto, não havia surpresa. Nem tão de repente, um salto e:.

 

 

 
 
 

 

 

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Não tive coragem de abrir a última caixa de papelão; dentro da caixa: lembranças; em cima da caixa: o gato — Ah, eu não queria incomodar o gato e as lembranças. Mas: o barulho da rua acordou o gato. O barulho da rua: uma massa de gente se espalhando por sobre as calçadas dos bares. Sentia medo de imaginar você virando parte daquilo: você perdendo a identidade e sumindo em meio ao bolo de gente; você encolhendo e cabendo na caixa de lembranças.

 

Não queria levantar para pegar água; queria manter a sede e, se possível, alimentá-la. Queria amar o copo vazio e a preguiça — minha e do gato. De repente, tudo virou silêncio: aquela gente escorreu pelas escadas e ladeiras. Só sobraram os postes e eu e o gato. Só sobraram as lembranças. Encostei o ouvido na parede, tinha certeza de que, se me concentrasse um pouco, conseguiria ouvir o seu coração bater… Silêncio…

 

 
 
 
 
 

 

Você precisa entrar no ringue sabendo que não vai escapar de todos os socos. Amigo, você vai apanhar. E muito. Então, pense se vale a pena. Mas saiba que aqui fora, na torcida, a gente também se dá mal. As pessoas estão sempre dispostas a roubar a sua cadeira, a trapacear nas apostas e até a tirar a sua vida.

 

Já não fecho os olhos, na hora de receber a minha dose diária de decepção. Não é qualquer golpe que me derruba — embora,

 

todos

 

me

 

machuquem.

 

Tento ter consciência da totalidade das coisas e: um soco é só um soco. Então, procuro não me prender àquele instante de dor — a vida vai além dos elásticos, dos juízes e da torcida. Na verdade, a vida vai além de você e

 

de

 

mim.
 

 

 

(imagens ©daniela lima)

 

 

 

 

 

 

Daniela Lima é carioca e costuma fazer malabarismos com letras, números e imagens nos sinais da cidade e também na Internet. Já escreveu nos sítios Cracatoa e Cortiça e publicou ensaios fotográficos na revista Verbete. Mais aqui.