O poema

 

 

a abertura, defesa alekhine, no seu silêncio invernal,

 

desdobra-se pelo tabuleiro naquele final de jogo,

 

tendo eu as pretas e ele as brancas há horas nesta paisagem nebulosa,

 

embalada pelas peças em marfim e ébano e o tic-tac do relógio,

 

tomamos uma atitude: recomeçar amanhã

 

 

 

Razão

 

 

Interessante: fiz uma breve observação sobre esta diminuta composição acima, em entrevista concedida ao Rodrigo de Souza Leão aqui na Germina, no final de 2005. Ele perguntou sobre o meu livro de estréia Pavios Curtos (Belo Horizonte: anomelivros, 2004), que é uma espécie de antologia. Dividida em cinco partes. Num fragmento da resposta, comento o seguinte: "Na última parte — 'Variantes' — (...), termino com o poema 'xadrez', relembrando de modo subentendido o lance de dados de Mallarmé. Engraçado, somente depois que o livro foi publicado é que parei para pensar: a palavra é uma constante no jogo de xadrez. Dependendo da abertura empregada, temos infinitas variantes, combinações, posições, escolhas de lances e seus desdobramentos...".

 

Outra questão do poema: é a última composição do livro. Está numa página par, tendo ao lado, a próxima página, 83 — ímpar — toda em branco... Na realidade, uma possível idéia/intercorrelação/interface/interlocução de construção e leitura deste mix de verso e prosa minimal aborda o teor poético de uma das sete virtudes, a paciência. Ou o seu contrário, a impaciência... A paciência/impaciência de recomeçar sempre. Seja um poema, a própria vida, uma partida de xadrez, uma ida sem retorno... O tempo germina algumas coisas, afastam ilusões e as criam também... O seu silêncio, tatuado num relógio, seja com ponteiros ou digital, sempre foi e sempre será um objeto eterno na literatura... Tem outra coisa: temos que recomeçar sempre... E seguir em frente em nossos projetos pessoais e/ou coletivos... Para tentar sair de uma prisão, um problema, um challenger: como disse, para muitos, o tempo... Para outros, nem tanto... Por isso, gosto das reticências, que não usei no poema... Do latim reticere: calar alguma coisa...

 

Também homenageio neste poema o ex-campeão mundial de xadrez, o imortal russo Alexander Alekhine (1892-1946). Em minha opinião, um dos maiores de todos os tempos. Ele criou e aperfeiçoou a Defesa Alekhine que eu sempre jogava — de pretas — no Clube de Xadrez Belo Horizonte (CXBH), em campeonatos e torneios em Minas Gerais, Brasil e alguns países. Não quero fazer das observações levantadas sobre o poema algo fechado... Sempre acredito/acreditarei numa leitura aberta... Outras significações, sentidos e interpretações, é claro, estarão em qualquer ocasião nas mãos, mentes e corações dos leitores...

 

 

março, 2009
 
 
 
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