Texto

 

 

"Tudo ficou dourado. O céu dourado. O Cristo dourado. A ambulância dourada. As enfermeiras douradas tocando-me com suas mãos douradas.

 

Tudo ficou azul: o bem-te-vi azul, a rosa azul, a caneta bic azul, os trogloditas dos enfermeiros.

 

Tudo ficou amarelo. Foi quando vi Rimbaud tentando se enforcar com a gravata de Maiakovski e não deixei.

 

Pra que isso, Rimbaud? Deixa que detestem a gente. Deixa que joguem a gente num pulgueiro. Deixa que a vida entre agora pelos poros. Não se mate, irmão. Se você morrer, não sei o que será de mim. Penso em você pensando em mim. Rimbaud, tudo vai ficar da cor que quiser. Aqui não dá pra ver o mar. Mas você vai sair daqui.

 

Tudo ficou verde da cor dos olhos do meu irmão e da cor-do-mar. Do mar. Rimbaud ficou feliz e resolveu não se matar.

 

Tudo ficou Van Gogh. A luz das coisas foi modificada.

 

Enfim, me deram uns óculos. Mas com os óculos eu só via as pessoas por dentro".

 

 

 

Razão

 

 

"O meu processo foi o de tentar aproximar a prosa da esquizofrenia. Para isso, resolvi achegar a prosa à poesia. A linguagem natural de um louco é, digamos, um pouco poética. Quando um poeta diz, por exemplo "Guardei o Sol em sete partes", usa uma linguagem específica. O Sol não tem partes e nem pode ser guardado. Só num poema isso é possível. Por isso, o livro pode ser poético. Foi isso que busquei. Fiquei possuído por esse espírito e acho que não errei de todo.

 

Queria também ser ágil e um pouco diferente, sem ser chato. Já existem muitos escritores herméticos e chatos, não queria ser mais um em que o hermetismo fosse o principal da narrativa. Mas nunca facilitei o texto. Usei também muito a repetição. Repetia que tinha engolido um chip, que engolira um grilo e outras coisas mais. Só não havia engolido espadas. Aliás, nem gosto muito de ver mágica e magia". (De entrevista concedida à Juliana Krapp, JB Online)

 

 

março, 2009
 

Mais Rodrigo de Souza Leão na Germina
>
Poemas
> Poesia Visual
> Palavras Cruzadas