*

 

perambulei
até
encontrar
um
lugar
onde
eu
pudesse
vomitar
minha
poesia
pagã

 

 

 

 

 

 

*

 

teve uma vez
que eu vi
uma velhinha arrumando
a mesa e
costurando roupas enquanto
eu escutava yann tiersen
 
e a velhinha
não sabia que
ela era poesia

 

 

 

 

 

 

*

 

é que me atormenta o fim das coisas

 

 

 

 

 

 

*

 

meu coração, quando chega perto,

sabe que está pulsando um sangue diferente

meu olho para por aqui e não quer ver o resto

tosco que invade o mundo atrevidamente

é como um samba que se move

devagar dentro da gente

é como um rio, como água, como matar a sede:

nada

minha serra

de caroços na cabeça

um formato tão perfeito

um desenho de elefante

minha serra, meu filhote

marca a terra de onde eu vim

me desperta um sentimento tão confuso

um desespero tão contente

proteger esse lugar é a mesma coisa

— nobre e necessária —

que cuidar da mãe doente

 

 

 

 

 

 

*

 

era de tardezinha

e os sapos testemunharam

a alegria da lagoa

ao receber aquele corpo

 

 

 

 

 

 

*

 

vejo muito acima das copas dessas árvores

posso ver o gosto sacro do meu passado longe

miro o céu azul no cristalino

e as nuvens embaçando

se atrevendo a me encostar a água

pulos que eu podia dar a terra comeu

e meu peito fugidio teima em não permanecer

quase sempre sou mercadoria

sacolejando num caminhão

a liberdade, o abandono

poesia dos outros me parece forçada

poesia minha também me parece

letra que enrosca em mim sem forçar a porta

é velhinho bonito de olhos miúdos

banho que eu tomo é de barros

 

 

 

 

 

 

*

 

água do mar salgando a boca

os olhos ardendo com a fumaça

eu não me importo em ficar triste

tristeza vem e passa

 

 

 

 

 

 

*

 

a escola era

o singelo educandário são josé

e a professora perguntou

o que a gente ia ser quando crescesse

todo mundo deu respostas ensaiadas

inclusive eu

o meu primo era o único

que queria ser pedreiro

as crianças — todas bestas! —

riram dele sem piedade

não deviam ter zombado

"eu quero ser pedreiro"

foi a coisa mais bonita

que eu ouvi na minha vida!  


 

 

 
 

 

*

 

badan me espera

com todo o seu relincho

e as patas a trotar na terra

badan não tem frescuras

badan não tem caprichos

o bom do dia é que badan me espera

 

 

 

 

 

 

*

 

não carrego este papel de bala

até o fim do mundo

nem por um salário alto

nem por beijo vagabundo

não carrego esta sujeira

que embriaga meu quintal

embaraça meus adubos

tem inveja do meu sal

 

 

 

 

 

 

*

 

o que me faz bem

são as folhas e suas nervuras

a luz que confunde e define tudo

as fotos das bicicletas

os passeios dos meninos

observando os cavalos

coluna dói, mas é bom

músculos retesados

só provam pro mundo que eu valho

 

alguma coisa

qualquer moeda

eu sirvo pra salvar alguém

 

 

 

(imagem ©franie frou frou)    

 
 
 
 
 
 
Ana F. (1990). Libriana, escreve desde criança. Morou em Mateus Leme até recentemente, quando se mudou para Belo Horizonte para cursar biologia na UFMG. Publicou o pocket book Amarelo (2009) e pratica exercícios de poesia no Ornitorrinco Defenestrado e outros blogues.