Capa do livro: ninho do beija-flor balança-rabo-canela (Glaucis dhrnii), raro e ameaçado de extinção.

Estação Veracruz, maior reserva particular da Mata Atlântica do Nordeste, Porto Seguro, Bahia, Brasil.

 

 

 
 
 

 

 

 

A experiência estética mais plena organiza-se num emaranhado de imagens, contemplações, sensações, leituras, conhecimentos, esclarecimentos e correlações, aparentemente sem sentidos, na construção de significados e suas surpreendentes transformações ao longo do tempo. É preciso reconhecer, a partir dos postulados construtivistas de Vladimir Tatlin (1885-1953), que a arte pode exercer um impacto e envolvimento ativo sobre o social; na direção da Bauhaus, combinando arquitetura, escultura e pintura numa só obra artística (sem distinção, livre, desimpedida e despojada); além das confluências com o naturalismo, artesania estética verdadeiramente determinada pelo ambiente e hereditariedade; contaminada pelas observações do realismo, nas quais as criações e suas radicalidades representam "a anatomia do caráter. É a crítica do homem. É a arte que nos pinta a nossos próprios olhos para condenar o que houve de mal na sociedade", como bem observa o escritor português Eça de Queirós (1845-1900); também as estratégias performáticas, instalações contextuais e diversas críticas contundentes da arte conceitual, levantando questões relevantes sobre alguns temas político-culturais mais abrangentes; mais a land art, seus deslocamentos e intervenções, assumindo o meio ambiente, conscientização e a preservação não só da natureza, mas também do espírito humano; juntamente com a colaboração da fotografia documental da natureza (não como uma confrontação ao realismo), para expressar e incorporar um outro discurso e reflexão bem contemporânea: a ecologia. Em decorrência, entre as várias inquietudes e desatinos da civilização humana, observamos com um olhar notadamente especial as manifestações e obras de algumas espécies das famílias da escola de arte das aves, tão antiga e nova a cada geração, um grupo de arquitetos, engenheiros e compositores dotados de asas nas suas imaginações, que exercem atividades pelos quatro cantos da Terra. Desde os confins das estepes da Mongólia, montanhas de Cuba, matas da Tasmânia, vale do rio Nilo, Alpes Suíços, até a Terra do Fogo. Especialmente, no Brasil, detentor de uma das maiores biodiversidades do planeta.    

 

A face cromática revelada: como não ficar maravilhado diante da majestade das aves brasileiras? Seus cantos, plumagens, ovos e criações, sejam no solo ou nas árvores? Ao mesmo tempo, como não se sentir temeroso quando se observa um desmatamento e destruição das paisagens sem igual nos últimos tempos, em prol do "progresso"? A preocupação, na sua insistência, aponta o óbvio: zelar pela fauna e flora, pois ambos se suplementam e muitas espécies estão ameaçadas de extinção. A civilização humana é responsável por essa situação. Por outro lado, para revigorar as atenções, preservações e responsabilidades — pessoais, coletivas, empresariais e estatais — sobre a questão da ecologia, agenda de todos os dias, e sua correlação objetiva com o belo natural, encontramos ressonância imediata no sublime, encantador, admirável e muito bem elaborado Berços da Vida: ninhos de aves brasileiras (São Paulo: Editora Terceiro Nome, 2008, 2ª ed., 248 Páginas, R$ 120,00), editoria de Mary Lou Paris, projeto gráfico de Íris Di Ciommo e Guilherme Valverde, pesquisa e texto principal do ornitólogo Dante Buzzetti, fotografias de Dante Buzzetti e Silvestre Silva, apresentação de Martha Argel e Fernando Portela, versão em inglês: Nurturing New Life — Nests of Brazilian Birds. No final do exemplar, presença de referências bibliográficas nacionais e internacionais, índice com as famílias, nomes científicos e populares das espécies.  

 

 

UMA MARAVILHA, UM TESOURO, FÁBULAS!

 

As aves fazem seus ninhos nos mais diferentes lugares, sejam árvores, galhos, barrancos, no chão, buracos das árvores, telhados e até mesmo em postes de iluminação elétrica e semáforos das cidades. Alguns construídos pelos machos, outros, pelas fêmeas, ou pelos casais. Uns usam teias de aranha, folhas, barro, gravetos, painas, papéis e até mesmo clipes; cada qual com as suas particularidades. O que mais chama a atenção, obra-prima da estética natural, são os detalhes que diferenciam os ninhos uns dos outros. Para cada ovíparo, um ninho diferente para a sua reprodução, em 270 fotos de 140 espécies, várias delas desconhecidas por muitas pessoas: um universo arrebatador, construído pelas aves das várias regiões do Brasil. Os autores apresentam não apenas fotos, também descrevem as cores e detalhes das plumagens, cantos, hábitos alimentares, se andam em bandos ou sozinhos, números de ovos por acasalamento, etc., e informações científicas importantes, numa linguagem objetiva, simples, sem os rigores das acadêmicas. A publicação é uma fonte valiosa e subsídio para pesquisas, projetos e programas mais avançados para as espécies ameaçadas de extinção e habitats que correm perigos constantes de descaracterização. O livro é uma referência escolar e técnica essencial para os primeiros estudos sobre o assunto na contemporaneidade. Principalmente, sobre os pássaros, ordem Passeriformes, a mais rica, ou seja, com o maior número de espécies dentro da classe das aves. Uma maravilha, um tesouro, fábulas!       

 

Jean de La Fontaine (1621-1695), o mais célebre fabulista e um dos escritores franceses mais lidos de todos os tempos, sabiamente observa: "Sirvo-me dos animais para instruir os homens". A fábula (popularizada no Ocidente por La Fontaine) é uma narrativa curta. Didática, apresenta alguma lição de moral e ensinamento útil. São alegorias que usam animais falantes e elementos naturais para representar as virtudes, vícios, traços de caráter, necessidades de aprendizagem e vicissitudes dos homens. Instrumentos pedagógicos para restabelecer algumas lições de ordem moral e social. "Não há nada inútil aos que tem sensatez". Dante Buzzeti e Silvestre Silva em Berço da Vida aliaram a sensatez à contemplação de forma digna. Seus tesouros são fábulas imagéticas. Desenvolveram virtudes (qualidades morais particulares), paciência, diligência e integração, para captar o momento certo ao ajustarem as máquinas fotográficas aos seus motivos, e despertar a bem-aventurança no ecossistema, uma imensa teia de colaboradores — sobre hábitos e horários de algumas aves, de acordo com o local — na obtenção das fotos. "Toda força será fraca, se não estiver unida", dirá o fabulista. Com a paciência do mineiro (Silvestre) e a obstinação do matrogrossense (Dante), descobriram na fotografia de natureza em suas grandes teleobjetivas (às vezes teleobjetivas menores), a fórmula para revelar os aspectos e imagens germinais e sutilezas dos ninhos das aves brasileiras, nos grandes domínios naturais do país: Floresta Amazônica, Mata Atlântica, Cerrado, Caatinga, Pantanal, Chapadas, Campos Naturais e as cidades — no caso o pardal, Passer domesticus; de acordo com relatos históricos, introduzido no Brasil em 1906, no Rio de Janeiro, trazido da Europa para eliminar mosquitos e outros insetos transmissores de doenças.

 

Os pensamentos sociológicos, culturais, envolvimentos e a afeição pela humanidade, natureza, animais e pássaros aproximam as sensibilidades expansivas de Jean de La Fontaine, Dante Buzzetti e Silvestre Silva. Também a coluna Ars Nova da fábula e o senso estético-poético-moral mais abrangente e original (não moralista, dona da verdade, e fechada; o inverso: contrária às interpretações grosseiras, desprovidas de integridade), procuram uma leitura mais elástica e aberta, que faz sentido consciente, deslocado no tempo-espaço, para a reflexão das pessoas, seus valores e responsabilidades perante a alteridade, principalmente a natureza das aves e outros animais, sem os quais a Terra seria imperfeita. Esse processo de conscientização merece ecoar pelos principais recantos urbanos e virtuais — nesse mundo caótico, materialista, individualista e sedento — uma mensagem aguda e crônica, reiterada pela necessidade, urgência e o bom senso ambiental. Moral da história: "quem não tem amor pela natureza, não tem amor pela humanidade".

 

 

Ninho da ema (Rhea americana), a maior ave brasileira.

Pode chegar a 1,60 metros de altura e pesar até 34 kg, não voa, mas corre a 60 km/h.

Sempre em bandos, está presente principalmente no Cerrado de Minas Gerais e campos do Sul do país.

 

 

A AVE FERIDA COM UMA FLECHADA

 

Ferida mortalmente por uma flecha emplumada, a avezinha chorava sua desdita e exclamava agoniada de dor: "Contribuir para nosso próprio mal! Isso é o mais triste! Das nossas asas, os homens cruéis tomam as penas que fazem voar seus projéteis mortais! Porém, não zombem de nós, raça impiedosa, pois temos a mesma sina: sempre, entre os filhos Jafet, alguns provêm as armas para os outros".

 

 

No alto, gavião-caboclo (Heterospizias meridionalis) em pleno voo.

Abaixo, ninho em local isolado, pois tem hábitos solitários, localizado no alto duma árvore de grande porte.

Vive em todo o território brasileiro, exceto em florestas densas, e pode chegar a 60 centímetros de comprimento.

 

 

A ÁGUIA E O ESCARAVELHO

 

A águia perseguia João Coelho, e este corria assustado, tentando chegar à sua toca. Na fuga, topou com a toca do escaravelho. Não era muito seguro, porém, como não achava outro lugar para se esconder, ficou por ali mesmo. A águia já se atirava sobre ele, quando escaravelho, metendo-se a redentor, lhe falou desta maneira: "Princesa das aves, é fácil Vossa Alteza se apoderar deste infeliz, porém, peço-lhe que lhe poupe a vida, ele está sob minha responsabilidade, na proteção da minha casa. Não posso suportar o ultraje... poupe a vida de João Coelho, meu vizinho e meu compadre, ou mate-nos os dois".

A ave, sem dizer palavra, deu uma pancada com a asa no escaravelho, que tombou de patas para cima, destruiu sua toca e levou João Coelho em suas garras.

O escaravelho, enfurecido, subiu até o ninho da águia e na ausência dela, quebrou os ovos que lá estavam. Ao voltar, a águia se desesperou ao ver aquele desastre e encheu o céu com seus gritos de dor. A dor daquela mãe durou um ano inteiro e ela nem sequer sabia contra quem se vingar.

No ano seguinte, a águia fez seu ninho num local mais alto. Pois o escaravelho subiu até lá e quando a águia não estava empurrou todos os ovos do ninho, destruindo-os outra vez. A morte de João Coelho estava novamente vingada.

 

 

Em muitos casos, o joão-de-barro (Furnarius rufus) constrói vários ninhos lado a lado ou sobrepostos.

São muito territorialistas, e não permitem que outro casal da mesma espécie chegue perto do seu ninho.

Encontrado em quase toda a América do Sul, alimenta-se de formigas, minhocas, cupins e pequenos insetos.

 

 

O GALO E A RAPOSA

 

Certo galo experiente e ladino estava de sentinela sobre o galho de uma árvore. "Irmão", disse-lhe uma raposa com voz melíflua, "por que temos que brigar? Que haja paz entre nós. Venho lhe trazer uma boa nova... desça e eu lhe darei um abraço. Não demore, pois ainda tenho muito a fazer. Galos e galinhas podem viver sem sobressaltos, somos irmãos de vocês. Festejemos a paz; venha receber um abraço fraternal".

"Amiga minha", respondeu o galo, "não podia ter-me trazido novidade melhor do que esta; e fico ainda mais feliz por ser você a mensageira. De onde estou posso ver dois galgos, que sem dúvida são os portadores da feliz notícia: estão vindo rápido e logo chegarão aqui. Vou descer, serão abraços gerais!".

"Adeus!" exclamou a raposa, "é muito longa minha jornada, deixemos as comemorações para outro dia!". E a malandra, contrariada, saiu em disparada.

O galo se pôs a gargalhar, ao vê-la correr toda atrapalhada, porque não há prazer maior do que enganar o enganador.