barbara kruger | sem título | mary boone gallery | new york |1991

 
 
 
 
 

  

Tentarei esboçar de maneira breve algumas ideias. Lenha na fogueira das vaidades! Creio que um bom ponto de partida relaciona-se à precariedade das críticas atuais sobre a própria questão da modernidade. Ela não é criticada. Pelo contrário, estetiza-se a própria modernidade: abuso da palavra, sua importância, atuação e propagação em todos os sentidos e significados. Virou clichê. Tudo é moderno! E isso não é de hoje... A crítica tem que superar essa condição. E a sua condição chama-se ineficiência em meio à eficiência. Por conseguinte, captulação quase que total em relação à Indústria Cultural. Vamos adiante: instaura-se na(s) contemporaneidade(s) — para mim, uma extensão da modernidade. Logo, ainda vivemos uma expansão da modernidade, pois este termo "pós-moderno" não acrescenta nada — uma abundância de visualidades, bienais, salões, exposições, espectadores, locais para a disseminação da arte, etc. Na outra ponta, constata-se de maneira precária que o uso de determinadas "ferramentas de análises estéticas" não dá conta de toda a hibridização e complexidade, contentando-se, em parte, a averiguar e dar o seu acordo com o processo do "vale tudo" que se instaurou na arte contemporânea.

Um dos sentidos, o qual acredito ser a raiz, vai de encontro ao efêmero, ou aquilo que tem pouca duração. Por extensão: líquido, volátil, passageiro, mecânico, desprovido de lembrança e/ou alguma saudade. Privado de alma. Não ascende, não vai além. Eis a matriz da precariedade.

A incerteza/insatisfação instala-se nas portas da dessacralização/sacralização do conhecimento/reconhecimento de que a arte na contemporaneidade ao mesmo tempo em que se alarga, acaba formando/formatando uma condição de desqualificação. Pois sabemos que as últimas pólvoras das vanguardas já foram queimadas há tempos. E a experimentação agora reúne os três paradigmas fundamentais: pré-fotográfico, fotográfico e pós-fotográfico, de acordo com as ideias de Lucia Santaella e Winfried Nöth.

Vem de longa data as questões da estética e do valor das imagens. O que podemos pensar em termos de tendências atuais (ou a falta delas!) sobre esta reflexão? Com a evolução da história humana, apropriação de diferentes suportes e fazeres no campo da imagem/visualidade/tatibilidade/etc. pedem-se novas considerações sobre o assunto. Investigar com mais afinco e clareza os sistemas de signos e suas correlações com o verbal, real e o virtual. Consequentemente, uma nova semântica, uma nova sintaxe, sem atitudes manipuladoras por parte de fulano, beltrano ou sicrano. Seja da academia, mercado ou entre os próprios artistas. Sem falar na mídia, marketing e a publicidade. Ou seja, fatalidade constatada, no reino da pluralidade em seus deslocamentos/desdobramentos, consubstanciado num panorama de crise e desencanto proporcionado pelo vazio de grande parte da produção artística contemporânea. E isso também se aplica à própria atuação da crítica.

Nas últimas décadas parece que uma grande malha de artistas distanciou-se da arte. Creio que algumas atitudes da arte conceitual, algumas performances e instalações (não que seja contra a arte conceitual, instalações e performances. A instalação, imagem acima, de Barbara Kruger é um belo exemplo da flexibilidade criativa do comportamento artístico que usa cartazes, quadros de avisos e imagens, desconstruindo atitudes predominantes sobre a violência contra as mulheres e as minorias. Barbara Kruger lança um desafio aos olhares e ações discriminatórias.) vão por um caminho desprovido de poiesis — instalou-se o regime da cópia da cópia da cópia, etc., camuflada por pseudas intertextualidades — e uma relação menos lúdica com o fazer artístico. Parte do legado do Neoísmo faz esse tipo de crítica "recopiando" ainda mais as coisas; denunciando a extremidade e o agravo radical da questão. Interessante, noutra esfera contemporânea, faz lembrar o saudoso Chacrinha e um dos seus bordões infalíveis: "Na TV nada se cria, tudo se copia".

Vive-se o primado da facilidade. Um pathos caduco. Uma catástrofe sem sofrimento. Parece que o próprio Duchamp declarou (1961) que o futuro seria negro. A profecia se cumpriu. Uma diluição estética medonha, abonada pelo mercado e "bolsas/prêmios" especulativas(os), na produção de obras de qualidade duvidosa. Imaginação precária. Submissão da liberdade, que não liberta. Atrela o homem à falta de esclarecimento, perda da autonomia, desaparecimento da angústia e da responsabilidade consciente em dar um passo para frente e não para trás. Todavia, cada qual tem o seu livre-arbítrio artístico. Tem o direito de escolher as suas ações no mundo globalizado. E reconhecer que as suas decisões podem afetar o seu desenvolvimento pessoal, logo, o desenvolvimento da humanidade.   

O reino da precariedade atrelado à liberdade é a domesticação de uma parte dos artistas. A domesticação de alguns conceitos, paixões e fazeres artísticos inquietantes de vanguardas de décadas passadas. Texto, contexto, forma, conteúdo e alguns elementos da sintaxe visual perderam sentido pelo esvaziamento da noção universal (pretensão à posteridade) e na própria relação da arte com a vida.

Não pretendo ser moralista (longe disso!), mas muitos artistas aderiram ao mundo de modo contraditório. Sucumbiram na própria cilada da "liberdade" contemporânea, pois antes (com as vanguardas) a tensão da contestação existia de fato. Foi substituída por obras precárias (efêmeras), sendo que este mesmo artista contemporâneo umbilicou-se ao contentamento, namoro e reconhecimento do mercado e salões. A contradição maior instaura-se quando parcela de artistas pretende realizar o casamento (muitos conseguem, com a aprovação das "igrejinhas" avalizadoras dessas grandes "uniões"), para ser eterno nos museus e instituições que o abrigam. Ganha café da manhã, almoço, jantar com direito a vinho$, licore$ e sobremesa$ fina$. E ali se instala com os seus amigos curadores. Não deseja superar mais nada. O negócio é partir os lucro$. Enquanto isso, o seu nome "plastificado" já caiu na (des)graça da mídia, nos cursos sobre artes plásticas e no gosto da população. Novamente o Velho Guerreiro: "Eu vim para confundir, não para explicar".

Para terminar essas breves palavras com chave francesa (citando outro francês, como Duchamp, também precursor da arte conceitual), o lúcido e já falecido Jean Baudrillard (contestado e repudiado nas academias, imprensa e outros lugares) com a sua voz rouca, ecoa no túmulo: "Talvez a arte tenha sido apenas um curto parêntese na história da humanidade, aberto com o Renascimento e hoje já fechado, enquanto a imanência dos objetos, imagens e mídias substituíram a transcendência".   

 

 

 

 

dezembro, 2009

 

 

 

 

 

José Aloise Bahia (Belo Horizonte/MG). Jornalista, escritor, pesquisador, ensaísta e colecionador de artes plásticas. Estudou Economia (UFMG). Graduado em Comunicação Social e pós-graduado em Jornalismo Contemporâneo (UNI-BH).  Autor de Pavios curtos (Belo Horizonte: Anomelivros,  2004). Participa da antologia O achamento de Portugal (Lisboa: Fundação Camões/Belo Horizonte: Anomelivros, 2005), dos livros Pequenos milagres e outras histórias (Belo Horizonte: Editoras Autêntica e PUC-Minas, 2007), Folhas verdes (Belo Horizonte: Edições A Tela e o Texto, FALE/UFMG, 2008) e Poemas que latem ao coração! (São Paulo: Editora Nova Alexandria, 2009).
 
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