E cai

 

introspecção no asfalto

 

o peito em chamas,

aperto

das palavras desdenhosas —

 

silencia a angústia, desreal

e tórpida, e sugestivamente rubra...

 

arvorece o riso da casa sem mesas

sobre os lábios sem riachos,

 

desdenhosamente algum dizer no espelho,

a faca como troféu;

os escalpos do meio-dia,

as escarpas da noite no asfalto —

 

nota sobre nada,

lábios e fuças

 

a incredulidade das alamedas,

os raios medonhos

 

toda a inquietação do olhar ávido

sobre as aves ensandecidas de arcos

 

o cadafalso de línguas

os passos laicos

o vórtice

 

 

§

 

 

Cruza-se a noite;

 

olhos —

algum suspiro.

 

o asfalto sujo,

 

busca-se na rua

algum deslize;

 

lábios sem nome —

de nome fictício; o meu também:

— me chamo Lux (luciferino)

 

sangro o acaso;

mordo-me — meia-luz —

rasgo-te na unha

 

despetalar-te a pele;

murmúrios aos ouvidos.

 

ardil,

minhas palavras sangram

 

ferida,

minha boca anoitece.

 

 

§

 

 

A voz,

o corpo magro e desconhecido

 

uma persona

virtual,

 

de verde e azul,

alguma franja — negros fios

 

alguma criatura

voraz —

ou calma, ou impulsiva

 

alguma alucinação de voz

e palavras — entre esmeralda

e safira — entre ônix 

e onírico

 

algum encantamento

sem qualquer porquê,

 

sem sequer perdão...

 

um colar de pétalas líricas,

um colar inexplicavelmente

belo — colar sem lábios,

 

nem nuca ou gestos 

 

da perfeição imprecisa

e misteriosa da hesitação.

 

 

§

 

 

Horas —

 

a parte inteira

rompe —

 

recobro o calor

de um candelabro velho;

as rugas e avenidas

do velho candelabro

 

os ângulos

e gritos,

 

os fios

de cera sobre a pupila —

 

rios de chamas,

rizomas —

as rainhas (os pés de rainhas) 

 

plantas roucas

loucas — languidamente

doutas

 

o êxtase,

 

o suprimento da chuva

na artéria da madrugada

 

o instante:

um rio

 

 

§

 

 

Neva à distância —

luz, alguma

 

algo de tinta;

diadema (a casa está vazia)

 

museu de si próprio;

 

um condor

sem asas

 

(caído)

 

a cera no castiçal —

nuvens

 

o dia,

lápis de cera

 

os lábios

de sol

 

 

§

 

 

Fechado —

 

o campo de luz,

as esferas dos peitos

em curto-circuito;

 

a criança bebe,

se embebe de luz,

pestaneja e morre —

  

irrompe o sono

e a desordem do mundo;

 

o leite selvagem;

 

um cálice de lábios —

a bebida com a força

de uma usina;

 

uma usina carnal

afoita, inerte na madrugada

 

uma barreira

de carne,

 

um monumento solar

que sangra —

 

morde-se com a força

de um felino;

 

rasga-se com as garras;

 

usurpa-se o ventre

e a relva que brota sob

a melodia do silêncio —

 

a paixão amanhece

sob o movimento escorregadio

dos dedos;

 

e os olhos,

como garças púrpuras

 

como amarras da vertigem —

 

embranquecem;

 

torrentes

 

uma clarabóia,

um tropel de astros —

 

e a mulher,

no ápice de seu corpo

 

enlouquece

 

 

§

 

 

Houvesse palavra —

 

uma pétala:

 

murmura o vermelho

ao vento,

 

erigi um santuário;

 

os olhos de chamas

em contraste aos dedos —

 

o medo,

deslize sobre o tempo;

 

um bote do vento,

a consciência pesa —

 

há uma exata noção

de perda — uma tormenta,

a lagoa e o intento:

 

deslizar com os lábios,

enrubescer-se no tempo;

 

veredas —

 

a ave,

seu vôo para o ocaso

 

 

§

 

 

A invocação da noite

e seu moinho de sal —

 

trabalho escondido

na construção da rosa —

 

(uma carnificina inaudita)

 

sentimento tóxico

na profundidade arcaica da alma;

 

*invenção radiosa aos meus ouvidos*

 

— sonho luz

e enlouqueço na idade

do meu pensamento;

 

escrevo o aroma da pétala

e adentra a cicuta nos meus passos;

patas de cavalos

 

um ofício de espátulas

para um ser calcinado da razão —

 

um cordeiro às avessas,

presas de lobo;

garras de lupino —

 

criatura obscura,

enlouquecida,

a podar os espinhos de uma flor

 

 

§

 

 

Chego —

a neve cobre o Borba Gato

 

outono,

um dilema —

 

a noite emerge

sem remédios

 

o inseto murmura,

um exercito de vozes —

 

digo que sim:

— Estou além!

 

caem as casas de cabelos;

 

deixem os relógios,

pedras de rugas rubras,

os alfinetes —

 

não me espeto com lembrança,

apenas com alarde —

alarde e aurora

 

o meu passo voa rasteiro

na palavra: —

 

Estou além de qualquer compreensão

 

 

§

 

 

A sombra da fumaça —

o ermitão de fogo; 

 

imenso,

o mamute coberto da primavera —

uma lavoura (entre branco e sangue);

 

o pugilista impelido contra a noite —

batendo os dentes,

tremendo as guelras,

 

respirando o gás das cobaias do vento;

 

pleno,

repleto da vontade do golpe —

um ataque contra o espelho;

 

a combustão de sua carótida,

a indução,

a remoção do brilho —

 

a cria indócil na lomba da lembrança

 

um elefante alvo;

a tromba da penumbra

atravessa o láudano —

embrulha. o induz. alimenta

os peixes —

 

um resquício do feixe

da convulsão da matéria —

 

os dias perdidos — ártico;

 

a pureza perdida nos braços

da macieira

 

mordeu o fruto —

lambeu a lenda,

 

o tropel de palavras a auscultar a noite

 

o poeta grita!

 

entoa a sanguinolência dos anjos;

reduz seu repertório a nada —

 

os fonemas,

um elefante

 

a ignorância consiste

no ato de ensinar;

 

não existe verbo

na cabeça repleta de átomos

 

 

 

(imagens ©hattiew) 

 
 

 

 

 

Bruno Prado [b.p.l2.f.]. Poeta paulistano. Tem poemas em revistas e publicações eletrônicas, como TriploV. Participou da antologia O conto brasileiro hoje (RG Editores 2005).