Fui feito para ter nervos de titânio, meu olhar é decididamente gelado. Mas esses olhos glaciais, mais secos do que o deserto de Atacama, certo dia verteram algumas lágrimas enroscadas umas nas outras. Foi quando li, pela primeira vez, um poema do Drummond. Fala de um sujeito em plena Capital Federal. Imagino o sol estalando o verniz dos carros e derretendo o cérebro do mundo inteiro. Pois bem, esse cara, supostamente classe-média, pai de família, boa praça, se dá ao luxo de pensar um pouco na vida e vê que é um lixo. Não fez coisa nenhuma que conte. Sua constatação tem o impacto de um tiro à queima-roupa, calibre 12 mais ou menos: "Quarenta anos e nenhum problema resolvido".
Eu não tinha quarenta anos. No máximo 20. Já era escalavrado o bastante para não me iludir com cascatas e frescuras em geral. Confesso porém que ali eu estaquei, algumas gotas espocaram num borbulhar contido, evaporando logo. Continuei a ler porque não sou homem de parar no meio. Aconteceu outra coisa na leitura que também não esqueci. De repente, no meio do tédio e da fossa, o gajo descobre uma flor desbotada que explode no asfalto.
Isso, uma flor sem graça, limpa de fricotes e cores que ele descobre. Cá pra nós, a própria cara da vida. Lógico, para quem é otimista. Ele então rebrota junto com a flor. Porque enfim é uma flor e para os otimistas toda flor apenas prepara o fruto. E, pelo pulsar quente do poema, imaginei não aquele sol modorrento de meio dia, mas um amanhecer de estrela d’alva. A tragédia seria se ele tivesse resolvido os problemas. Que maravilha: quarenta anos e nenhum problema resolvido. Ainda bem, a vida está toda pela frente, como no começo, novinha em folha.
— Mas você, um ganga bruta desses, lê poesia?
Eu sempre digo, poesia foi feita para os fortes. E tiro logo o cisco do olho.
junho, 2009