Obrigado pelo sorriso, princesa...

...

Boneca? Você tem uma boquinha que é um botãozinho de rosa, meu bem.

...

Benzinho, mas que botãozinho você tem, oh...

...

Você é bonitinha assim todo dia? Que bundinha...

Moço, me deixa em paz!

É isso aí, menina! Bota a boca no trombone.

Hã?

...

Chega pra lá! O senhor chega pra lá que eu não quero que o senhor me encoste! Eu vou gritar o motorista!

— ...

Eh, velho safado... Tudo umas cambada...

Mas não tou te encostando, minha santinha... Ela é bravinha, não é? Ô benzinho, ninguém no ônibus precisa saber de briga de casal...

Eu nunca vi o senhor na minha vida! E não lhe estou dando confiança! Eu vou lá pra frente, que é melhor... Ô dona, dá licença, ô moço... ô cobrador! Pede esse home alto pra chegar mais pra frente que eu preciso passar agora...

Agora não tem jeito. Tem que esperar o próximo ponto.

Calma, benzinho... Você é meio metidinha, é? Mas é gostosinha...

Me deixa em paz, pelo amor de Deus!

Oh!... Um passinho à frente aí, por favor, gente! Um passo à frente! Assim não vai...

Ah, não. Sinto muito, moça, mas você vai esperar como todo mundo, agora não dá nem pra mexer.

Jucineide, ô Ju! Já tá perto do ponto do Monte Azul?

Vamos lá na minha casa que eu vou te dar um presente. Cê deixa eu pegar no seu peitinho?

Ai, mãeee! Meu Deus! Sai daqui, homem! Véio safado! Sem-vergonha! Vai mexer com suas filhas, véio tarado! Aiii!!! Ele tá pegando ni mim! Larga! Eu quero sair daqui! Aiii!!! Me deixa passar! Me deixa... quero descer! Quero descer!!!

Essa não! Você tá doida? Sua puta! Mentirosa! Não vem, não, hein! Tá se oferecendo e agora vem dar uma de santinha? Pra cima de mim, não!

Mas nós estamos mesmo é no fim dos tempos... Bem Pastor Delfino tava dizendo...

Tá com a bunda toda de fora... com uma roupa dessa, o quê que tá querendo...

Cruz, Zé... Também num tá assim não...

Uma menina tão novinha; deve de ter uns doze, e já taí... Esse homem também... cara de gente boa, nem parece...

Eu vou falar com o motorista! Com a polícia! O senhor vai ver... Ô Ju, vamos descer, Ju! Eu quero descer... tem um homem aqui... num guento mais...

Isso é um cretino safado! O senhor tava passando a mão nela que eu vi! Ela é uma criança, o senhor não tem vergonha?

Ô dona, não se mete na história! A senhora tá sonhando! Não mexi com ninguém, muito menos passei a mão! Cuide de sua vida!

Dá parte dele, minha filha!

É... Se comeu, tem que pagar...

... um absurdo uma coisa dessa! A gente vai assistindo, mas chega uma hora que não dá pra ficar calada... Podia ser um filha, uma sobrinha, uma neta da gente!... Se o senhor não se colocar no seu lugar... Senhor motorista! Ô senhor motorista! ...

Ei! Vamos parar com a discussão aí atrás!... Que aqui no ônibus não é lugar disso não! Quem quiser brigar, vai lá pra fora!

O cara tá mexendo com de menor...

Ih, que rolo... Ele bateu nela?

Putinha idiota!

Vivi! Vamos descer, Vivi!... Passa logo essa roleta! Já chegamos no ponto da casa de tia! Vamos embora!... Seu vagabundo! Seu safado! Não conhece gente direita, não? Seu descarado! Ela num tá costumada com gente de sua laia não! É criança... Vamos embora, Vivinha... Num chora por causa desse traste, não...

 

 

 

 

 

 

Qual é seu nome?

Lílian.

Não, esse não. O nome de verdade.

Pra que que você quer saber?

Pra nada, só pra saber.

É Violeta.

Violeta? Que nome esquisito... Nunca vi ninguém com nome de Violeta. Com esse nome tinha mesmo que mudar.

Agora, tá vendo. Qual o problema?

Ihh... num esquenta não, minha filha, perguntei só por perguntar... Chega pra lá, que não tou a fim de canseira, não...

— ...

Olha o gol branco.

É meu! Tá dando sinal é pra mim!

Não tá vendo que tem dois caras, sua ignorante? Ou será que você vai querer ficar com eles pra você sozinha? Qual é?!

Aí piraaaanhaaasss!

Vai tomar no cu!

Dois com o carro do pai. Aposto que não têm quinze anos. E iam querer de graça. Peste.

...

Tô com frio.

...

É foda. Já são quase três horas...

...

Ei, Lílian! Tem um cigarro?

...

Ei? Tá surda? Tá surda? Tô falando, pô! Parece que só sabe brigar...

E o que você tem com isso? Não enche! Sai da minha frente!

Só perguntei se tem um cigarro, sua grossa!

Ah! Num me interessa, nem quero saber! Sua otária!

Ih... apelou! Quer saber: tô saltando fora! Não dá mais! Xô, satanás! Não misturo com puta de sua laia!

...

...

...

...

...

...

Minha mãe gosta de flores. Tinha um quintal cheinho de plantas: samambaia daquelas arrastando quase no chão... avenca, pé-de-alfazema...

Quê?

Minha mãe. Por isso, que meu nome é Violeta. Ela adora plantas. Minha irmã chama Rosa; a outra, Dália; a outra é Malva. Uma é casada, tem cinco filhos, mora em Teófilo Otoni. Canta na igreja mais o filho do meio... A outra trabalha em Nanuque, em casa de família, tem cinco anos. Eles deixa ela estudá. Eu estudei até na quarta, só. Malvinha é a mais minha amiga e ajudava mãe ni tudo. Lá em casa tinha pé de manga, jaca, coco, banana... uma horta, que nós molhava pra mãe todo dia, quando eu era pequena... Mãe tinha um tanto de vaso de planta, sô... Todo mundo ia pegar muda. Eles falava que ela tem mão boa... E tem a Galdênia, que tá trabaiando num salão de beleza, e também tem a Glicínia, que mãe viu o nome no saquinho de semente... É a rapinha de tacho, que nós chama de Ninha...

Uai?! Destramelou?

O Dé é meu irmão mais velho. Só os homens não têm nome de flor. Se o Dé me visse me matava. Mãe pensa que estou trabalhando com uma dona, em casa de família, em Conselheiro Pena. Mas a peste do Valdo sabe. Santinho do pau oco, pegou meu dinheiro. Nunca que ela ia pensar que estou de acompanhante.

Que acompanhante, mulher?

Tô com saudade dela. Quase dois anos que não vejo mãe. Foi assim: minha prima disse pra ela que eu tinha deitado mais Edmar, meu namorado. Mãe ficou revoltada. Queria que a gente casasse, eu num tava nem querendo. Nós brigamos, eu mais mãe, e Dé me bateu, me chamou de galinha. Aí dona Aparecida, mulé de Seo Geraldo do sítio, pediu pra eu ir morar mais eles lá ni Frei Inocêncio, pra olhar os menino...

Xiii... tá estranhando mesmo, hein? Ei!... Olha o carro!

... era bom que eu ia ganhar meu dinheiro... Os menino dela era uns capetinha, mas ela era até legal, só que o marido dela, de uns tempos depois, começou a me pegar na cozinha, o cachorro... Era só o povo sair... E ela nem desconfiava... No começo eu não queria... Corria dele... Depois... Pensava... Sei lá... Um dia eu pedi, ele me deu o dinheiro, eu comprei uma sandália pretinha, sabe? Daquelas de tirinha torcidinha, linda!... E depois falou com Dona Aparecida que eu podia ir no dentista junto com os meninos... Eu num queria que ela soubesse... Quanto mais mãe e Edmar... Aí eu peguei gravidez...

Olha o Fiesta prata: vai parar. Cale a boca! Parou. Ei!

...

Se num quer, vai saindo...

Larguei ele chorando com mãe no dia que saí do hospital e fui embora encontrar com Edmar que tava trabaiando mais o tio dele em Governador Valadares...

Ei, você... Não, a morena não. É a outra, a loirinha burra.

O nome é Fabiojúnio.

Pirou...

Cinquenta? Tá louca? A essa hora? Nem pensar. Dou trinta e pago um hambúrguer ali agora, naquele trailer, que estou de bom humor... E aí: faz tudo, né?

Totalmente liberal, mas só com camisinha; sexo oral também, e anal é mais caro, mas se você for bem dotado não dá... Mas você paga quarenta, menos nem morta! E loirinha burra é a mãe.

Fabiojúnio é um nome lindo, não é? Fala a verdade?

É sua amiga, essa daí? Tá com uma cara, que desse jeito não pega nem resfriado... Com ela dá quanto?

...

Eu queria tomar conta dele.

Ô minha filha, resolve que essa avenida tá um gelo. Cê vai ou não vai?

A colega aí... sei lá o que deu nela... Lílian! Ei! Acorda! Olha aí, parando do seu lado! Dois homes!...

Mãe mudou da roça... um dia fui lá, mas ela num tava... Valdo disse que era melhor, porque eu tava mesmo com cara de puta... Será o que fizeram com as plantas todas que ela tinha? Se eu não voltar lá pro Adilson Pereba, pra onde que eu vou?

Ei? As duas... tá difícil ou vai ser?

Ahhh... ti-au, Lílian pirada! Ah, é: Violeta, né?!

Pra onde que eu vou, hein? Oh... coisinha!?: esqueci o seu nome!

Pra que quer saber? É... Mar-ga-ri-daaa!!!

 

 

 

 

 

Belo Horizonte, 28 de maio de 1999.

 

Querida Malvinha

 

Estou le escreveno esta carta porque sei que você sempre foi minha melhor amiga e eu também. cuidado com Valdo inxerido sinão vai abrir porque é só pra você. Estou mandano com o nome de Lílian e é pra bota no correio no endereço que está escrito no envelope você fala que é de amiga sua. Malvinha estou precisando de um dinheiro para pagar uma pessoa que estou devendo URGENTE. Malvinha pelo amor de Deus eu pensei que ele era meu amigo falou que ia me ajudar mas não era. Preciso do dinheiro é de 1800,00 ver se arruma emprestado com Sr Tó, ou dona Licinha pelo amor de DEUS que estou muito percisada esta pessoa esta me persegino ele é um doidão maconhero com fixa na polícia diz que já matou um Eu nunca amolei ninguém aí cuido da minha vida depois eu pago tudo eu juro. mas agora estou com um aperto se Deus quiser me ajuda. me telefona para este número que te dei pra nós combinar. O número é 4605132 minha irmã tem otrou assunto depois eu vou buscar o meu  filhinho que eu estou com dó de ter largado ele, pede Valdo pra eu ir aí na casa de mãe.

Malvinha termino mandano um forte abraço de sua irmã querida que nunca te esquece,

 

Violeta das Graças de Marcelino.

 

 

 

 

 

 

Mulher nua foi encontrada morta nas margens da BR-262, próximo à região dos motéis, por um servente de pedreiro, na madrugada de ontem. José Simeano da Silva, 48 anos, servente de pedreiro, passava pela margem da BR-262, à altura do motel Cavalo Negro, às 5h45min da manhã de segunda-feira, em direção ao ponto do ônibus 5003, que faz a região sul onde trabalha, quando encontrou o corpo de uma mulher morena, idade aproximada de dezoito anos, cabelos crespos tingidos de loiro, caída no meio do matagal, completamente nua, exceto pelas sandálias de salto alto e um brinco em uma das orelhas, estando a outra ensanguentada. José Simeano da Silva relatou à polícia que levou o maior susto quando, ao passar  pelo local, tropeçou em algo e viu que se tratava dos pés de uma mulher, que verificou em seguida estar nua e morta. A polícia foi acionada e compareceu ao local, removendo o corpo para o Instituto Médico-legal (IML), e informando à reportagem que a desconhecida aparentava sinais de ter sofrido espancamento, morte por asfixia e estupro. A poucos metros do local a polícia encontrou, rasgados e sujos, evidenciando sinais de luta, uma saia de cor amarela, uma blusa estampada de alcinhas, algumas peças íntimas e uma bolsinha de pano, presumivelmente pertences à vítima, além de objetos de maquilagem e uma fotografia, não identificada, de uma criança de aproximadamente um ano. Nenhum documento foi encontrado com a vítima, e também nenhuma testemunha havia se apresentado até o momento do fechamento desta edição, sendo que a polícia suspeita tratar-se de prostituta envolvida com tráfico de drogas, prometendo abrir inquérito para apurar o assassinato. O corpo encontra-se nesta manhã no IML, aguardando reconhecimento de familiares e liberação para sepultamento.

 

 
 
 

France Gripp (Governador Valadares/MG). Formada em Letras, interessou-se pela literatura, colaborando com crônicas para os jornais de sua cidade, e participando da edição do periódico cultural "Poet'Arte". Professora de Letras, mestre em Teoria Literária pela UFMG, leciona Língua Portuguesa e Produção de Textos na PUC Minas, em Belo Horizonte, onde vive. Publicou Eu que me destilo (1994) e Vinte lições (Dimensão, 1998). Letrista, é parceira de Basti de Mattos no CD Luanaluz (2002). Tem poemas, contos e crônicas publicadas nas coletâneas A arte do professor e Palavra de mestre, (SINPRO/MG, 1996/1997/1999), Saboreando palavras (SESC/MG, 2006), Terças Poéticas jardins internos (2006), Antologia ME 18/Mulheres Emergentes (2007) e Antologia Poesia do Brasil (RGS, 2008). Participa da coleção didática de língua portuguesa Tudo da trama/tudo dá trama (Dimensão, 2000), e obteve o 2º lugar no 4º Concurso Internacional Mulheres Emergentes (2002). Tem publicado regularmente no "Jornal Aldrava", Mariana/MG, e recentemente realizou a exposição "Poesia e Forma", com a participação do design gráfico Roberto Marques, no Parque Municipal Renné Giannetti, em Belo Horizonte.