[três inéditos]

 

poema de montar

 

as crianças brin-

enfeita-se o mundo

-cam de "como-se"

 

 

 

 

 

o cavalo de kobayashi

 

águas de baixo

águas de cima

(a esfera

giratória)

disse meu amigo kobayashi um dia

o cavalo

 

 

 

 

 

o ramo dourado

 

pôr-do-sol

entre árvores

 

 

 

 

 

[do livro M. 1991/2001]

 

poema

 

nasce um potro

sob a maior

árvore

do

ano

 

 

[do livro solilóquio. 1997/2002] 

 

Poema sobre uma fotografia

 

Assentou-se

entre livros,

os clássicos, os

contemporâneos,

livros

de toda sorte,

um e outro

casualmente

arranjado,

no colo um gato

rajado,

gato maltês,

para ser

fotografado

como um homem

de sabedoria,

mas

alguma coisa

no olho do gato o

denunciava:

não era Cortázar

 

 

 

 

 

 

[do livro a reinvenção do mesmo. 2002]

 

drible

elipse,

o drible

do rei

 

(   

 

sem

bola

                              )

no goleiro

 

você fica aqui,

você       ali,

zeugma,

os joãos do mané?

 

ênclise, se, próclise,

aos cartolas filhas da...

(lance a rima

poeta)

 

o

replay

do

replay

por semanas

 

o gol,

revelar-nos-ia

os segredos

das mesóclises?

 

silepse          

elástico

 

 

[do livro A árvore no sonho. 2005/2007]

 

 

entre o sono e o sonho                    uma voz chamava

 

uma voz purpúrea                    entre o sono e o sonho

 

entre o sono e o sonho                             um deserto

 

um mar de mármore                  entre o sono e o sonho

 

 

 

 

[do livro A imagem recorrente. 2003/2004]

 

Ouça este Cartola

 

Ele trabalhava em um banco, morava num sobrado, fazia yoga. Gostava de música clássica, umas cançonetas populares, samba. Ela, trabalhava em um escritório, a casa estava quase pronta, iam se casar. Ele trabalhava em um banco, morava em um sobrado, gostava de samba.

 

 

 

[do livro No American, latins. 2003/2004]

 

Era uma vez num país de árvores dois heróis

 

O primeiro nãonascido da flornão, de um O cuspido; malicioso, mulherengo, meio mau-caráter etc, etc. Todos conhecem sua história. O segundo de uma idade física nascido, habilíssimo, adorado pelo povo polvo... Ora, vejam, um trocadilho, essa forma rudimentar de humor ainda tão cara a nós povo povo; mas não se distraiam com essa rameira que pisca e ri para vocês, a ironia — ah, a ironia, a ironia, a ironia, dizem que ando doente de ironia, que corrompo pessoas com meu dom — mas não se distraiam também com isso, vão trocar nossos heróis e não será por um herói ideal qual o grande Boon, idiota o bastante para enfrentar um urso com uma faca. Não, não precisam confiar em mim, aliás é bom que não confiem mesmo, olhem por entre essas letras e vislumbrem — eis que surge o bólido veloz. 

 

 

 

 

 

 

 

 

La pintura moderna ha pasado por innumerables metamorfosis, descomposiciones, vaciamientos y desapariciones. Ha pasado — nada menos que desde Hegel — por la tan intermitente como manida, "muerte del arte"; aunque esa extremaunción practicada a la pintura desde los especulativos cubículos universitarios es algo que, hace ya tiempo, no preocupa a los pintores. Luego del "último cuadro" de Rotchenko, de la prestidigitada desaparición del objeto acaecida con el arte conceptual, de la tumultuosa pandemia de instalaciones que saturan galerías y museos del mundo, la pintura sigue ahí, en la memoria y el imaginario colectivo, y aquí, en el polifónico devenir de nuestro presente artístico.

 

La obra de Francisco dos Santos es un ejemplo de que la pintura no ha muerto, pero también es un ejemplo de que lo sucedido en el territorio del arte en el siglo anterior ha dejado su impronta, su indeleble huella en los pintores contemporáneos. En su obra encontramos una síntesis que se alimenta de la abstracción, de la neofiguración, del dibujo. Detengámonos en este último. ¿Qué pasa ahí? Pasa, la línea. Pero no la línea arquitectónica, la pura, la apolínea línea tan segura de sí y de su razonable derrotero; tampoco se trata de una línea anatómica, neoclásica, amoldada a la amable representación del sapiens como medida de todo lo creado. Por el contrario: la línea que ahí pasa descompone, descrea toda medida y toda armonía, destituye toda aristotélica arquitectura, no nos guía — más bien, nos desvía — de esas idílicas ínsulas de la seguridad complaciente. Más que línea, lo que pasa — lo que sobre el soporte se apercibe — es un sinuoso rasguño: incisiones zoomorfas, amorfas, rupestres, que raspan la mirada. En efecto, el ojo quiere y tiende a ordenar el destartale, el relajo de los elementos — una mano, unas piernas, retorcidos torsos, enmarañadas filigranas que buscan una forma —, pero sale lesionado, lacerado, el ojo. Una intensa lucha entre el caos y el cosmos tiene lugar ahí, en las líneas de Francisco dos Santos; líneas plurales, ya que se adelgazan hasta la ingravidez casi imperceptible, y danzan o, de pronto, se adensan, se engruesan, devienen corpulencias casi óseas, casi monumentalidades escultóricas. Se trata, más que de líneas, de instintos. Instintos de la necesidad y del deseo. Viscerales trifulcas en la punta del lápiz. Un estado de cosas que, naturalmente, tiene mucho que ver con el erotismo, pero mucho más con las pulsiones sexuales de la especie.

 

La sexualidad, más que en el tema, está en la manera, en lo viscoso de la búsqueda, en los desfiguros de esos esbozos protagónicos que no llegan a personajes, que escapan a cualquier nomenclatura, que se representan en la metamorfosis de una evanescente pantomima. Seres solos, lisiados en los laberintos de sus islas, en lo informe de un fondo que el pincel revela. ¿Podemos, entonces, hablar de paisajes ante esos fondos neutros que Francisco construye? Paisajes que son, paradójicamente, pasajes hacia ninguna parte,  limbos de un no tiempo, territorios, — sin perspectiva y sin expectativa de salida — para el juego eterno de las apariciones y desapariciones.

 

 

 

 

 

 

 

A pintura moderna tem passado por incontáveis metamorfoses, decomposições, esvaziamentos e desaparições. Tem passado — nada menos que desde Hegel — pela tão intermitente como ultrapassada, "morte da arte"; ainda que esta extrema unção praticada à pintura desde os especulativos cubículos universitários seja algo que, já faz tempo, não preocupa aos pintores. Por conseguinte, do "último quadro" de Rotchenko, da prestidigitada desaparição do objeto acontecida com a arte conceitual, da tumultuosa pandemia de instalações que saturam galerias e museus do mundo, a pintura segue aí, na memória e no inconsciente coletivo, e aqui, no polifônico devir do nosso presente artístico.

 

A obra de Francisco dos Santos é um exemplo de que a pintura não está morta, mas também é um exemplo de que o sucedido no território da arte no século anterior tem deixado sua impressão, seu indelével rastro nos pintores contemporâneos. Em sua obra encontramos uma síntese que se alimenta da abstração, da figuração, da neofiguração, do desenho. Detenhamo-nos neste último. O que se passa aí? Passa, a linha. Mas não a linha arquitetônica, a linha pura, apolínea, tão segura de si e de sua razoável derrota; tampouco trata-se de uma linha anatômica, neoclássica, amoldada à amável representação do sapiens como medida do que se foi criado. Pelo contrário: a linha que passa aí decompõe, descria toda a medida e toda a harmonia, destitui toda a arquietura aristotélica, não nos guia — ou melhor, nos desvia — dessas idílicas ínsulas da segurança complacente. Mais que linha, o que se passa — o que se percebe sobre o suporte — é um sinuoso rasgão: incisões zoomorfas, amorfas, rupestres, que raspam o olhar. De fato, o olho quer e tende a ordenar o desarranjo, o relaxamento dos elementos — uma mão, umas pernas, torsos retorcidos, emaranhadas filigranas que buscam uma forma —, mas sai lesionado, lacerado, o olho. Uma intensa luta entre o caos e o cosmos tem lugar aí, nas linhas de Francisco dos Santos; linhas plurais, já que adelgaçam até a leveza quase imperceptível, e dançam ou, de imediato, se adensam, se engrossam, tornam-se corpulências quase ósseas, quase monumentalidades escultóricas. Tratam-se mais de instintos do que de linhas. Instintos da necessidade e do desejo. Viscerais desordens na ponta do lápis. Um estado de coisas que, naturalmente, tem muito que ver com o erotismo, porém muito mais com as pulsões sexuais da espécie.

 

A sexualidade, mais do que no tema, está na maneira, no viscoso da busca, nas desfigurações desses esboços protagônicos que não chegam a personagens, que escapam a qualquer nomenclatura, que se representam na metamorfose de uma evanescente pantomima. Seres sozinhos, feridos nos labirintos de suas ilhas, no informe de um fundo que o pincel revela. Podemos, então, falar de paisagens diante desses fundos neutros que Francisco constrói? Paisagens que são, paradoxalmente, paisagens até lugar nenhum, limbos de um não tempo, territórios, — sem perspectiva e sem expectativa de saída — para o jogo eterno das aparições e desaparições.

 

 

(Tradução de Virna Teixeira)

 

 

 

 

 

(imagens ©francisco dos santos)

 

 

 

 

 

 

 

 

Francisco dos Santos nasceu em 1967 no Mato Grosso do Sul. Poeta, pintor e editor. Publicou, entre outros títulos, Topografia de um homem urbano (1986/2001); O golpe do anti-ceifo (1997/2001); Diálogo com Goya (2000/2002). Dirige a editora Lumme. Mais: clique aqui.
 
 
Víctor Sosa. Poeta, ensaísta e artista plástico, nasceu em Montevidéu (Uruguai) em 1956, mas reside atualmente na Cidade do México. Publicou Sujeto omitido (1983); Sunyata (1992); Gerundio (1996), La flecha y el bumerang (ensaios, 1997); Decir es abísinia (2001); Los animales furiosos (2003); Mansión Mabuse (2003), entre outros livros.