espantalha

há terra
revolvida
dentro de mim
esperando semente

ar
removido
nos pulmões
vindo de ciprestes vizinhos

água
até debaixo dágua
nas veias
não resolvidas

há fogo
de palha
dentro de mim

 

 

 

olhar chicle

não cale a boca
a goma soma
eu gamo nessa goma
eu bulo essa bola

  

 

 

deus
encontre-me, por favor
anuncie nos altos-falantes
deste circo nada divertido
esta criança perdida

 

 

 

tua ausência
dolorosa
nuvem de abelhas africanas
castigando meu corpo

tua ausência
nuvem de gafanhotos
cegando-me

súbita viuvez

 

 

 

cara-metade

paro de escrever
olho para os lados
não me vejo

falo com meu umbigo
em nada que esbarro
há sentido

marco encontro
comigo

 

 

 

se ali-babá
babasse
até eu
beijaria
sua face

boba
lamberia
sua baba

 

 

 

é pau, é paulo nubile

quem disse
meu time
tem sempre que ganhar?

vou remexer
tenho que mudar
chutar a barraca
ou o placar
sem reservas
ser meu artilheiro,
meu goleiro
meu técnico,
minha burrice
meu juiz, minha mãe

 

 

 

culpado, claro
fui eu, como sempre
comigo ninguém se doeu
doeu meu corpo nu ao açoite
a alma
na calada da noite
não soluça — perdoa —
nem se acha bonita
apenas volita

 

 

 

sono profundo
quase manhã
no fundo de minha alma
grito mudo
"ainda amo"
fazendo alarido
sem se desculpar
acordando
meus pássaros canoros

 

 

 

lágrimas-de-cristo

tanto me colocaram
na cabeça
coroa de jesus te ama
que meu coração
transbordou
olhos inundaram 

me enchi
             de seu doce amor

 

 

 

estranho pousar
com roupa 

para mulher-mosca
o meu caso
posar nua
é sopa

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

 

 

hello? obaaa... obama

se tudo nesta vida passa
por que ninguém passa
meu telefone pro obama?

 

 

 

presente dos céus

quero agradecer
mas não tenho lágrimas

 

 

 

pinheiro

plantarei grama
fina, gentil
no sepulcro de meu pai
algumas florzinhas brancas
às quais ele fazia gosto

gotas de lágrimas
incessantes
manterão verde
sua memória

 

 

 

me abraça
     como a um amigo

                    me reconheça
                              como a um inimigo

 

 

 

 

eu, em pessoa

dor
diante dele
de não ser nada
nem sequer ser
antes quase fosse

tão pequena
aos seus olhos
ele, enorme
antes fosse antes
quando era quando
e eu era

 

 

 

pontos a favor

elas não sabem
gosto
de lágrimas noturnas

elas não sabem
marca de tapa
na cara
simulado

sequer leram vinícius

 

 

 

 

pro seu governo

aqui quem manda sou eu
dona legítima de meu coração
mas o fechei
com a chave dentro

você se habilita?
não há quem o destrave
não vale tentar arrombar
não vale copiar a chave

 

 

 

anjo soprou
no ouvido dele
vai, carlos
ser lyra na vida

 

 

 

Soma, o enigma

Suponhamos que quando a gente se conheça eu esteja usando este vestido, lindo, curto, que estou usando agora legítimo jeans presente de um amigo querido.
O vestido tem vários botões metálicos. Vamos que você chegue e me peça pra contar os botões porque você é economista conceituado, formado pela Getúlio Vargas e fanático por balanços, somas, entende de exatas, etc. Suponhamos ainda que eu acredite que você vá contar os botões e você conte mesmo tocando-os com sua sensibilidade: um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove. 0K. A conta está certa. Você contou os botões no meu corpo e eu te dou nota dez. Mas eu quero a prova dos nove penso com meus batons e vou contando tais botões um a um, assim: primeiro, segundo, terceiro... abrindo cada botão devagarinho pra que você saiba que agora estamos falando de números ordinais. Abro todo o vestido te olhando firme nos olhos. Surge a pergunta, o enigma: será que você ainda tem alguma dúvida de que este vestido é mesmo o legítimo índigo blue?

 

 

 


 

(imagens ©elizabeth hachem)

 

 

Juracy Ribeiro (Maringá/PR, 1958). Publicou o livro de  poemas Vidros e vidraças em 1986. Antologiada pela editora Brasiliense no livro Erótica, com o conto Cachinhos de Ouro, em 1993. Mais de trinta prêmios em literatura, quase trinta com publicidade. Trabalhou na Fundação Cultural Cassiano Ricardo de São José dos Campos de 1986 a 2004. Coordenou oficinas de criação literária por doze anos consecutivos nos centros culturais. Tem blogue: Jura em Cy bemol.