CRONODRAMA

 

 

ao bater do sino

 

erguer os cílios

 

abrir os olhos

 

com esforço hercúleo

 

esquecer os sonhos

 

banir remelas

 

renegar a cama

 

apaziguar a sanha

 

cair na vida

 

como se fosse fácil

 

fugir dos pijamas

 

sempre acrobático

 

 

 

 

 

 

 

NÁU FRÁGIL

 

 

folha solta

 

enxurrada

 

rua abaixo

 

na tarde

 

sem porto

 

sob a chuva

 

nau

 

frágil

 

 

 

 

 

SAMBA NOIR

 

 

chuva

 

 

t     m    o    i    a   d

     a     b    r     l    n   o

 

 

no telhado:

 

 

 

meu

 

samba

 

favorito

 

 

 

 

 

SINA

 

 

meu pai

 

queria que eu me tornasse

 

economista

 

minha mãe

 

desejava um dentista

 

na família

 

mas a minha sina

 

foi viver de brisa

 

minha sina

 

foi viver

 

de poesia

 

 

 

 

 

BECO SEM SAÍDA

 

 

no fim da página

 

o fim da linha

 

 

ledo engano

 

o ponto final

 

 

no verso cheio

 

a folha vaticina:

 

 

desse beco

 

não há saída

 

 

 

 

 

MORFINA BLUES

 

 

eu não quero

 

meias verdades

 

soluções paliativas

 

talvez

 

um pouco de morfina

 

pra suportar

 

o mundo que me cerca

 

treva à luz do dia

 

às cegas

 

sonho sussurros

 

e palavras

 

não ditas

 

 

[Poemas de causa & defeito, 2008]

 

 

 

 

 

DESTERRO

 

 

não cultivo

         mais certezas

dest

                   erro-me

         em pos

si

                    bi

                                      li

                   da

                            de

 

 

                                      s

 

 

 

 

 

 

QUARTA DE CINZAS

 

 

na avenida

 

não diviso

o saracoteio

de pierrôs

& colombinas

 

 mas sim a fila

de automóveis

que se arrasta

 luminosa

 

serpentina

 

 

 

 

 

ANARQUITETURAS

 

 

prefaciando trevas

a revoada

elege pouso

entre árvores

& postes

arquiteturas

usurpadas

aos querubins

e bilboquês

 

 

 

 

 

NA BOCA, UMA SAVANA

 

 

sob o céu

da boca

um cemitério

de elefantes

despontando

em marfim

apodrecido

outrora

dentes

reluzentes

 

bem quistos

 

 

 

 

 

REFRÃO DE BREU

 

na madrugada surda

nem mesmo a batida

de um samba

 

surto

 

um  refrão de breu

do pulso ao coração

soluço

 

na escuridão

 

 

 

 

 

NIETZSCHEANO

 

 

nada

é mais

trágico

que a vida

 

faço

um brinde

e tomo

um trago

 

a Baco

 

 

[Poemas de Quarta de cinzas, 2009]

 

(imagem ©eduardo fernandes, baseada em

Paisagem (A Lebre) de Juan Miro, 1927)

 

 

 

  

 

 

 

Leonardo Morais é paulistano uísque paraguaio criado desde quase sempre em "Belourizonte". Em 2008, editou e disponibilizou gratuitamente na internet o poemário intitulado causa & defeito. Lançou, em fevereiro de 2009, uma nova coletânea de poemas autorais chamada Quarta de cinzas. Atualmente, cursa a graduação em Letras e atua como professor particular de Língua Portuguesa e Língua Espanhola, revisor e tradutor free-lance, além de prestar consultoria em Informática e Web. Escreve irregularmente sobre poesia em seu blogue (clique aqui).