O que seria do Brasil sem os malucos beleza, os andarilhos, os poetas populares, os cordelistas? São esses personagens que melhor encarnam o lado irreverente, alegre, debochado, meio doido que fazem esse País ser porreta.

         Destaco três destes doidos criativos: Zé Limeira, o maior dos cordelistas; Chico Doido do Caicó, um debochado e pornográfico poeta popular [Nota da Editora: leia alguns dos seus poemas na Germina] e Xexéu Beleléu, um artista popular ainda desconhecido pelo público. Considero que eles são tão importantes como os escritores consagrados pela academia.

         O paraibano Zé Limeira (1886-1954) é conhecido como poeta do absurdo, pelo caráter subversivo de sua obra. Ele distorcia fatos históricos, criava palavras, provocava muito e era muito debochado. Seus cordéis quase sempre terminavam com o verso "assim diz o Novo Testamento". Essa expressão foi aproveitada muitas vezes por Chico Doido do Caicó, seu admirador. Na poesia popular as boas ideias vão sendo aproveitadas de forma bem natural.

         Chico Doido (1922-1991) nasceu no Rio Grande do Norte, em Caicó (lógico), e só ficou conhecido depois de morto, graças aos professores da Universidade Federal Fluminense, Nei Leandro de Castro e Moacy Cirne. Pouco antes do poeta falecer, Nei o conheceu na Feira de São Cristovão, no Rio de Janeiro. Os dois ficaram amigos e Chico Doido entregou 200 poemas para o professor.

         Em 1991, Moacy Cirne começou a publicar em seu fanzinhe Balaio Porreta os provocativos e pornográficos poemas de Chico Doido. A repercussão foi muito grande e o poeta chegou a ser patrono (postumamente) da turma de formandos em Comunicação Social de 1994. Em 2002, foi publicada uma coletânea intitulada 69 Poemas de Chico Doido de Caicó.

         Já Xexéu Beleléu nasceu em Minas Gerais, no Vale do Jequitinhonha. Mas ele se nega a revelar sua cidade natal. Parodia Guimarães Rosa, dizendo que se "Minas são muitas, o Vale são válios". Seu estilo é bem diferente do trabalho de Chico Doido e Zé Limeira. Xexéu é irreverente e provocativo, mas não é pornográfico como os outros poetas. Seus textos têm um estilo bem mineiro, mas bem livre também.

         Ele acompanhou por algum tempo um profeta popular conhecido como Maluco Man, que defendia a revolução dos malucos e tinha algumas ideias místicas bem exóticas. Mas Xexéu, em pouco tempo, cansou das doideiras do Maluco Man, e preferiu tomar seu caminho.  

Tive oportunidade de conhecer o poeta popular Xexéu Beleléu em uma rua de Belo Horizonte, no dia 13 de fevereiro de 2009. Gravei a data, porque coincidentemente era o dia de meu aniversário e o de Xexéu, quando o encontrei pedindo um trocado para tomar uma cachaça. Por isso, saímos para comemorar em butecos do centro de BH.

No final da noite, ele me presenteou com uma pilha de folhas sujas que continham sua obra. Definia-se como "andarilho, poeta, doido propriamente dito e violeiro".

Alguns textos de Xexéu Beleléu podem ser encontrados no blogue Espaço de Jairo.

 

 

QUASE AUTOBIOGRÁFICO

 

Ele conseguiu (talvez por ser um doido propriamente dito) com poucas palavras produzir um poema autobiográfico:

 

 

O ANDARILHO

 

...................................................................... uai ..................................................

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........................................................... (canta uma música qualquer e nem sabe se gosta dela) ......................................................................................................................

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....................................................................... um dia eu chego ...............................

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....................................................................................... (pausa para não fazer nada)

 

 
 
 
dezembro, 2009
 
 

 

Jairo Faria Mendes (Belo Horizonte/MG). Jornalista, escritor, pesquisador e ensaísta. Graduado em Comunicação Social/Jornalismo, Mestre em Comunicação e Cultura pela UFRJ, Doutor em Comunicação Social pela UMESP, tendo feito parte do doutorado na Universidade de Coimbra, Portugal. Professor da Universidade Federal de São João del Rei (UFSJ). Autor do livro O ombudsman e o leitor (Belo Horizonte: Editora O Lutador, 2002), participou das coleções Pedagogia da comunicação (São Paulo: Angelara Editora, 2006) e Personagens da imprensa brasileira (São Paulo: Imprensa Oficial, 2008).
 
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