Autodestruição é um dos temas que mais me atraem. Seja pela razão de uma pessoa possuir pouco amor por si mesma ou, em algumas situações, nenhum tipo de respeito por si mesma, essa ausência de amor sempre foi um tema que me chamou a atenção. Todos nós temos um pouco dessa questão autodestrutiva, mas somos orgulhosos demais para admitir que nunca pensamos em jogar uma bomba nas nossas cabeças. Talvez uma dose generosa de algum remédio fosse a arma mais potente e acessível, mas nos escondemos sob um véu pueril para não admitir muita coisa.

Entretanto o objeto da discussão aqui não é a forma como nós, pessoas do dia-a-dia, lidamos com nossos desejos (e reparações). O foco é discutir como essa autodestruição tem promovido o trabalho de Amy Winehouse, enquanto em outros casos ele faz o efeito contrário, obscurecendo o trabalho e focando muito mais na vida pessoal problemática.

Para iniciar, temos um exemplo clássico que os pais de hoje devem se lembrar (e os mais antigos também): Janis Joplin, aquela cantora que se deixou levar pela bebida. Um talento e uma voz rasgada. Claro que alguns dirão que ela cantava assim pelo sofrimento, mas creio ser muito mais uma questão de talento, que mero conhecimento de mundo. A experiência enfatizava o talento, mas em contramão vinha o vício que a apagava um pouco. Um outro exemplo de um drama capaz de obscurecer uma carreira foi o caso de Sinéad O'Connor. Quantos amores não se derreteram com "Nothing Compares 2 U" e quantos não se chocaram com a (tresloucada) Sinéad rasgando a foto do Papa em um programa líder de audiência? A partir daí não se ouviria mais do ótimo trabalho dela, ao menos não na mídia. Sua mania de falar abertamente rendeu um espaço quase nulo e oportunidades escassas de promoção. Com o tempo a cicatriz fechou, Sinéad continua fazendo turnês e trabalhando. Porém tudo distante do conhecimento do grande público.

Alanis Morissette, com seu furacão confessional, também pagou um alto preço: a sombra de seu mais badalado álbum ainda gera comentários, enquanto seus outros trabalhos perderam a força ao serem comparados com Jagged Little Pill. Apesar de mais madura e talentosa, o primeiro álbum infelizmente ainda é o ponto de referência. Na janela ao lado de Alanis, temos pessoas como Fiona Apple e Tori Amos: a primeira conseguiu driblar um pouco seus dramas e se reservar; a segunda, em comentário de Suzanne Vega, "conta um problema para toda pessoa que chega perto". Assim, concluímos como o trabalho dela também sofre. Outra que teve o talento ofuscado foi a dupla The Carpenters, formada pelos irmãos Karen e Richard. Ele se viciou em soníferos e ela faleceu por causa de uma anorexia nervosa. Para terminar com essa enumeração, temos ainda Michael Jackson e George Michael. Caso o Brasil seja o foco, teremos a fugacidade em Cazuza e até mesmo Renato Russo. Creio ser mais fácil para muitos lembrar primeiro da vida pessoal e não da obra em si.

Muitas vezes, observamos como o eu parece ser maior que o exprimível, maior que a possibilidade de saber se expressar. Essa compreensão é um exemplo clássico da poesia do segundo período romântico. O sombrio e a angústia nas canções de Amy podem ser comparados aos temas trabalhados por poetas dessa fase. Encontramos na obra de Winehouse o amor distante e o sofrimento associado ao mesmo.

Enquanto a história nos mostra que nunca foram bons os resultados que pessoas talentosas obtiveram anteriormente, Amy continua brincando com a sua sorte e cada vez mais estampando as notícias. Não por sua música de qualidade, mas por sua saúde debilitada e ações controversas.

Apesar da exposição excessiva de sua pessoa, seus discos apresentam uma qualidade refrescante no mundo pop atual. Suas canções trazem suas dores e mostram que Amy é uma pessoa emotiva. Não é necessário explicar muito, pois é o que se pode notar em trechos como em "(There Is) No Greater Love":

 

There is no greater love

Than what I feel for you

No sweeter song, no heart so true

 

Canções de amor se misturam com o repertório triste e depressivo. A bebida se mistura ao amor sofrido, resultando na conhecida "fossa". Como resultado dessa mistura ainda temos a expressão da raiva em canções como "Just Friends" (abaixo) e "Rehab", mais abaixo:

 

I'm not ashamed but the guilt will kill you

If she don't first

I'll never love you like her

 

 

They tried to make me go to rehab

But I said 'no, no, no'

 

Amy mostra seu ego e sua raiva. Ela assume que está bebendo e se afoga em mágoas. Essa sinceridade é o que chama a atenção ao analisarmos as letras. Essa sensibilidade e uma possível fragilidade esbarram na metáfora criada pela dualidade entre a pessoa dita comum e o comportamento não-padrão. Algumas vezes não sabemos o que dizer ou mesmo associamos idéias diferentes do que ela poderia sugerir, enquanto que ela pode ser também uma mulher sentimental, basta observar "Wake Up Alone":

 

It's okay in the day I'm staying busy

Tied up in love so I don't have to wonder where is he

Got so sick of crying

So just lately

 

Os pensamentos que surgem quando alguém vê suas fotos e seu cabelo beehive não são os melhores e infelizmente se confirmam quando o público se depara com a imagem pública de Winehouse. Uma mulher magra, tatuada, com um cabelo estranho e um perfil estereotipado.

 

 

Associamos imediatamente o vil e o problemático e ela não contraria esse lugar comum, deixando os nossos pensamentos como conclusões corretas e finais. Percebemos que mesmo quando a ponta da esperança surge, ela é destroçada em partículas de (auto)depreciação, de estima corrompida, como percebemos em "Tears Dry On Their Own":

 

He walks away

The sun goes down

He takes the day but I'm grown

And in your way, in this blue shade

My tears dry on their own

 

Ao utilizar-se desses recursos pessoais para criar a sua narrativa particular, Winehouse demonstra seus traços ultra-românticos. O tédio, a não-salvação, a saída é o fim (trágico). Temos em um momento a Amy feliz; em outro, a depressiva. Uma mulher de muitas facetas e de mil possibilidades. Seus traumas se reúnem para formar a performance que tanto conquista as pessoas. Entretanto, sua vida pessoal engolfa e não deixa espaço para superações.

Os riscos que ela se propõe a correr são provas de como tem perdido o controle: recentemente foi vista saindo da reabilitação fumando. Já rolaram vídeos e mais vídeos de suas caídas e bebedeiras. Seu casamento problemático, a proibição de pisar em território americano e muitos outros aspectos dominam o conto de fadas às avessas vivido por Amy. Os aspectos de sua vida não são novidades para a sociedade. Todos vivem os mesmo fatos, seja em uma cena de novela ou quando caminham pelas ruas. O chocante é que a sociedade escolheu alguém para representar os males. Porém uma coisa é certa: estamos diante de mais uma perda irreparável se ela resolver freqüentar os pubs do andar de cima.

 

 

 

 

junho, 2009

 

 
 
 
 
Ruan Nunes. Graduando em Letras (Português-Inglês) pela Faculdade CCAA e Pedagogia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).