©garciela sacco
 
 
 
 
 
 

 

Às vezes me pergunto o que sou.

Até onde vai minha dor.

Todas as palavras são plágio do dicionário.

Eu, o gato e o canário.

 

Sou muito assustado, me assusto com tudo.

Sombras, portas, pessoas, comigo.

Por que tanta coisa se perde?

Amores, isqueiros, idéias, escritos.

Vejo o mundo pela luneta de Galileu

e viajo até Júpiter, dou um pulo em Plutão.

Poderia ir para qualquer lugar, mas prefiro os pés no chão.

 

Meu peito está uma ruína,

e com o alívio de quem urina

tomo meu Vallium.

E não quero nem saber se você está nervosa.

O que me importa é o agora.

Talvez consiga dormir.

Com sorte talvez sonhe

com fadas e Grão-vizir.

 

*

 

Faz tempo que não a vejo,

mas nem por isso a esqueço.

Uma coisa me coça o juízo

e eu percebo sem grilo,

que quero te consumir de ouvido.

Quero tudo e não quero nada.

Vivo metendo a bola grande dentro da pequena.

Quero a mina que foi para Roma.

Quero dinheiro e felicidade.

Quero qualquer coisa que arda e corte

e costure, passe, cozinhe e me chame de benzinho.

 

Tento o suicídio depois de uma overdose.

E como estivesse ausente,

você me belisca, grita e dá-me um beijo ardente

num canto, no banheiro, na lua, onde estivesse presente.

Dou uma volta na sala preciso de alguém nu.

Encontro uma dama de ouro, parece vodu.

O telefone toca, é mulher, só ouço fuck you.

 

Existe coisa mais cruel do que o espelho?

Eu não gosto de me olhar no espelho,

pois assim vejo como não sou.

Há uma razão para as coisas acontecerem.

Eu não sei qual é, mas há. Há.

Meus medos me perseguem aonde quer que eu vá.

Espíritos, bruxas, o E.T, fadas.

 

*

 

Descartei o Descartes.

Na busca da verdade, sempre sou covarde.

Vivo da arte pelas artes.

Que uma bomba caia sobre a cidade.

Eu nunca fui bom com criança.

Minha única esperança

é que alguém me deixe uma herança.

Visitar o Cabo-Da-Boa-Esperança,

ir à esquina e voltar,

casar, procriar e morrer.

 
 
março, 2009
 
 
 
 

 

Cláudio Portella é escritor. Nasceu em Fortaleza em 1972. Autor de Bingo! (Porto - Portugal: Editora Palavra em Mutação, 2003) e de Os Melhores Poemas de Patativa do Assaré (São Paulo - SP: Global Editora, 2006). Figura em mais de 30 antologias literárias, entre nacionais e estrangeiras. Seus trabalhos estão traduzidos em vários idiomas. O escritor é publicado em revistas, jornais, suplementos, revistas eletrônicas, sites, blogues e flogues.
 
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