©bruna la serra | set 2009
 
 
 

 

 

 

 

José Aloise Bahia - Jorge, o que é estética para você?

 

Jorge Luiz Antonio - Aloise, agradeço a oportunidade desta troca de ideias. Vou comentar e responder em um único parágrafo, sempre que possível, cada uma das suas afirmações e perguntas. Assim, o ciberleitor poderá apreciar melhor nossa troca de ideias. Suas perguntas são muito abrangentes, podem gerar respostas generalizantes ou dispersivas, por isso prefiro buscar um caminho mais curto para a resposta, por questão de tempo e ciberespaço, e, também, para que eu trate do assunto principal de minhas pesquisas, e, dessa forma, possamos estabelecer um diálogo. Acredito que você quer conhecer meu conceito de Estética para que, a partir dele, nós possamos conversar a partir de um mesmo conceito, não é? A estética é um ramo da Filosofia, uma Filosofia da Arte, estudo do Belo, uma teoria do conhecimento sensível (Baumgarten). Não sou formado em Filosofia, por isso minha abordagem é a de um leitor autodidata e se resume numa espécie de colcha de retalhos, ou seja, usando a linguagem informática, é um mapeamento com muitos links, quase todos incompletos. Considero, portanto, válido, estabelecer parâmetros para uma tecnoestética ou uma estética tecno-artística-poética. Tenho uma concepção linguística e semiótica da estética (Roman Jakobson, Jan Mukarovsky, Iuri Lotman, Boris Uspenski), pois trato dos procedimentos (Viktor Chklovsky), de "mensagem" ou "linguagem" da poesia eletrônica. A partir da reprodução técnica e manifestações estéticas, podemos adotar o conceito de Walter Benjamin, que trata de uma espécie de "estética da repetição e da reprodução" (fotografia, cinema, computador, etc.). A partir daí, é possível refletir sobre uma Estética da Comunicação, na esteira de Mario Costa, que trata das práticas estéticas em suas relações com as tecnologias comunicacionais, hoje entendidas como artemídia. Na confluência entre as artes e as tecnologias, é possível adotar o conceito de Estética Comparada de Etienne Souriau, que trata de uma espécie de "parentesco" entre as artes. Há um conceito de Estética Tecnológica (Lucia Santaella), a partir das "condições propiciadas pelos aparelhos, dispositivos e suporte tecnológicos", ou seja, em publicidades, designs de hipermídia, vinhetas de televisão, filmes documentários, efeitos especiais de cinema, etc. Sob o ponto de vista que venho pesquisando, ou seja, tecno-arte-poesia, o título, e também o conteúdo, de quatro livros são referências importantes: processos criativos com os meios eletrônicos ou poéticas digitais (Julio Plaza e Monica Tavares) e comunicação tecnoestética nas mídias digitais (Denise Guimarães), que se completam com as releituras e poiética contemporânea (E. M. de Melo e Castro) e com teoria da literatura: criatividade e estrutura (Francisco Soares).

 

 

JAB - Dentro da percepção e compreensão dos códigos e suas representações, quais conceitos e/ou processos você considera importantes numa sintaxe da linguagem visual?

 

JLA - Parto da pressuposição que, depois do conceito de Estética, você quer conversar sobre os conceitos e processos numa sintaxe da linguagem visual, uma vez que minhas pesquisas (poesia e ciência, poesia e pintura, e poesia eletrônica) também envolvem o uso da linguagem visual. Há o livro de Donis A. Dondis, Sintaxe da linguagem visual, que trata do assunto e o vincula, principalmente, às artes visuais e à comunicação visual. A autora aborda os elementos básicos para uma análise: ponto, linha, forma, direção, tom, cor, textura, escala ou proporção, dimensão e movimento. Para o estudo que venho fazendo, desde as relações entre poesia e ciência (Augusto dos Anjos e outros) e poesia e pintura realista impressionista (Cesário Verde e outros), os conceitos e/ou processos importantes numa sintaxe da linguagem visual têm relação com as possibilidades de ressignificação, e igualmente plurissignificação, que a sintaxe das palavras e das imagens pode oferecer à poesia visual e digital. Uma sintaxe da linguagem visual deve estabelecer relações entre a poesia e a imagem, seja ela visual ou sonora. Acabei de receber o livro Visual Poetry in the Avant Writing Collection (2008), editado por John M. Bennett (EUA), da Universidade Estadual de Ohio, cuja introdução, de autoria do editor, é muito adequada para a nossa conversa. Traduzo o primeiro parágrafo de forma bastante improvisada:

 

Toda poesia é poesia visual. Essa ideia, juntamente com o seu corolário de que toda poesia é também auricular (auditiva, sonora), torna-se cada vez mais clara para mim, enquanto trabalho com os mais extremamente variados materiais da Avant Writing Collection das bibliotecas da The Ohio State University. A visualidade na poesia começa com o simples fato de que há espaços em branco no fim das linhas (versos), o que é talvez o fator mais consistente que distingue a poesia da prosa. (Um poema em prosa é poesia pelo fato de que os espaços em branco são presentes por implicação; presente em suas ausências, alguém poderia dizer). O espaço em branco então se amplia para uma quase infinita variedade de formas e procedimentos, da variedade tipográfica às construções tridimensionais, dos poemas modelados aos "clássicos" poemas concretos, das palavras reconhecíveis e frases arranjadas em padrões aos rabiscos sem sentido e às formas de letras e aos elementos puramente gráficos arranjados "à maneira" de um poema.

 

O saudoso web friend David Daniels (EUA, 1933-2008), costumava dizer que criava palavras das imagens e imagens das palavras durante toda a sua vida de poeta.

 

 

JAB - Como começou o seu interesse pela comunicação social, letras (principalmente o inglês), literatura, semiótica, artes visuais e a poesia visual, digital e eletrônica? Como foi e é a formação do pensador, professor, escritor, ensaísta e o crítico Jorge Luiz Antonio?

 

JLA - Pensei, durante algum tempo de minha vida, em ser jornalista, e pratiquei um pouco isso como amador em jornais interioranos. Meu interesse pela literatura vem desde a adolescência, quando minha mãe me pedia para ler romances para ela, enquanto costurava. Minha paixão pela literatura me acompanha mesmo no período em que precisei me esforçar para deixá-la de lado, porque precisava trabalhar para sobreviver.Aprendi línguas a partir da motivação recebida por professores em cursos regulares e especializados. Ler, compreender, traduzir e, sempre que possível, falar outras línguas é importante para ampliar nossos pontos de vista.Os estudos semióticos tiveram início em 1995 e continuam sendo feitos até hoje. As relações entre literatura, artes visuais e poesia me acompanham há muito tempo, mas ficaram mais claras a partir do que venho aprendendo com as semióticas.Meu conhecimento de literatura foi construído a partir de estudos autodidáticos. Mesmo quando fiz o curso de Letras, o aprendizado com os professores foi pequeno. Por ocasião do curso de pós-graduação lato sensu, mestrado e doutorado houve um aprendizado significativo, pois tive excelentes professores, o que permitiu desenvolver um gosto literário mais apurado.Durante o exercício do magistério, as experiências foram muito gratificantes no ensino médio, superior e nos cursos de pós-graduação lato sensu.Fiz muitas monografias e aprendi a fazer ensaios com alguns poucos professores nos cursos de pós-graduação e foi graças a eles que pude desenvolver Poesia eletrônica: negociações com os processos digitais.

 

 

 

 

 

 

JAB - Quais são os seus projetos atuais? Conclusão do pós-doutorado? Quais são o seu objeto e objetivos no pós-doutorado? São extensões das culturas híbridas sobre as suas pesquisas, negociações e investigações com os processos digitais e eletrônicos? Ou tem algo a mais?

 

JLA - Meu projeto prioritário, de 2009 a 2011, é a pesquisa de pós-doutorado, com bolsa FAPESP, sobre "Tecno-arte-poesia: mapeamentos e leituras", no Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp, sob a supervisão do prof. Paulo Franchetti. O pós-doutorado é um tempo muito significativo para um estágio numa universidade, para aprofundamentos dos estudos desenvolvidos durante o doutorado e uma possibilidade de seguir a carreira universitária. Nos intervalos desses estudos, principalmente nos finais de semana, preparo a segunda edição bilíngue do livro dvd Poesia eletrônica, pois a primeira está quase esgotada. Reformulei significativamente a estrutura dos capítulos, revisei cuidadosamente o texto, atualizei tudo o que foi possível e adicionei mais informações. Já está quase pronto um livro dvd sobre a Poesia eletrônica no Brasil, que pretendo publicar em breve.

 

 

JAB - Observamos em seus textos a preocupação com o leitor... Transparece um tipo de escrita mais elástica, mais aberta, próxima às ideias de Umberto Eco. Acho isso bem saudável. Afinal, qual é a melhor forma de leitura na contemporaneidade? Em sua opinião, como um poema pode ser lido e interpretado hoje em dia? Seja ele escrito e/ou visual, digital, cinético, etc.?

 

JLA - Tenho, sim, uma preocupação com o leitor e com o ciberleitor, pois procuro sempre comunicar. Recebo, algumas vezes, comentários afirmando que o meu texto é didático, e considero isso um elogio. Se alguém, que não é de Letras, me diz, com sinceridade, que entendeu o meu texto, fico muito satisfeito e quero, sempre, saber um pouco mais sobre a recepção desse leitor ou ciberleitor. Admiro a obra e as ideias de Umberto Eco, já li muitos livros dele, mas não percebo essa proximidade, contudo, mesmo assim, agradeço o elogio, pois o texto dele é muito claro, objetivo, conciso e instigante. A melhor forma de leitura na contemporaneidade é aquela que ensina, forma, informa, oferece um processo de aprender a aprender. A rede digital, o correio eletrônico, a hipertextualidade, a hipermídia, a interatividade, etc. estão contribuindo para o desenvolvimento desse tipo de leitura. Todos os tipos de poesia contemporânea — verbal, impressa, visual, sonora, tridimensional, digital, etc. — podem ser lidas a partir do enfoque das mais diferentes teorias. Sempre que possível, parece-me adequado pensar em fundamentos teóricos que tratem de cada tipo específico de poesia, para que possamos tirar um proveito dessa interpretação.

 

 

JAB - Outra questão: que contribuições a leitura pode trazer às pessoas? À comunidade? Ao Estado? À nação? Em termos gerais, especificamente à nação brasileira. Sabemos ou não, ou lemos mal o mundo em seus vários contextos e as suas publicações, acontecimentos, notícias e reportagens? Na nossa formação escolar aqui no Brasil, em todos os níveis, temos/tivemos de fato, uma preparação adequada para ler nós mesmos e o mundo? Ou esse tipo de leitura se completa com a experiência de vida já numa idade mais madura? Ou seja, discernimento e esclarecimento (a eterna razão) também se aprendem com a experiência e leituras de anos e anos, a ferro e fogo?

 

JLA - A leitura, mesmo para quem nega a sua importância, é fundamental para o aprendizado simbólico da realidade, como disse S. I. Hayakawa em A linguagem no pensamento e na ação.

 

 

JAB - A poesia vive e sobrevive de imagens, lembranças, insights, sentidos, metáforas, ritmos, sonoridades, diálogos, intertextualidades, intersubjetividades, polissemias, abismos, transitoriedades, inquietudes, nós, laços, emoções, sentimentos, racionalidades, linguagens singulares, etc. Como reunir isso tudo num processo de leitura, identificação e significação mais ampla e plena? Esta pergunta tem a ver com uma outra apresentada anteriormente. Vamos dizer que esta pergunta seja uma extensão de outra.

 

JLA - Essa pergunta merece ser respondida com um trecho de Aula, de Roland Barthes (1915-1980), quando ele trata da função utópica da literatura:

 

A segunda força da literatura é sua força de representação. Desde os tempos antigos até as tentativas de vanguarda, a literatura se afaina na representação de alguma coisa. O quê? Direi brutalmente: o real. O real não é presentável, e é porque os homens querem constantemente representá-lo por palavras que há uma história da literatura. Que o real não seja representável — mas somente demonstrável — pode ser dito de vários: quer o definamos, com Lacan, como o impossível, o que não pode ser atingido e escapa ao discurso, quer se verifique, em termos topológicos, que não se pode fazer coincidir uma ordem pluridimensional (o real) e uma ordem unidimensional (a linguagem).

 

 

JAB - Você acredita no poder transformador da literatura como instrumento de comunicação e reflexão contra uma determinada crise existencial e intelectual na atualidade? No caso, uma abordagem da leitura como um componente da reflexão pessoal, a ética.

 

JLA - A literatura tem uma importância muito especial na vida das pessoas e das instituições que a consideram válida.

 

 

JAB - Qual é sua opinião sobre a crítica genética e os vários tipos de teorias da recepção nas artes e literatura?

 

JLA - Tive um contato muito rápido e superficial com a Crítica Genética, numa aula introdutória que a profa. Cecília Almeida Salles ministrou no meu curso de Literatura (pós-graduação lato sensu). O que sei da Teoria da Recepção foram leituras de livros sobre o assunto. Sei que essas teorias são muito úteis para a compreensão das artes e da literatura, mas esse não é o meu enfoque teórico.

 

 

JAB - As artes visuais realmente estão se tornando cada vez mais pop, ou elas sempre foram pop na sociedade de consumo? Aqui eu toco também na questão da publicidade, design, enfim, no mundo das mercadorias.

 

JLA - Vou partir do pressuposto de que pop, para você, é quando as artes se utilizam de mecanismos comunicacionais da sociedade de consumo. Certo? Desse ponto de vista, eu poderia dizer que as artes estão usando novos suportes e negociando com os materiais da sociedade de consumo e com as tecnologias da comunicação, dentre as quais o computador e a rede digital. Se eu quiser analisar essas manifestações artísticas com o diapasão dos movimentos artísticos anteriores, estarei, então, considerando "pop" como "decadente", "inadequado", "sem nível estético", etc. De um modo geral, posso dizer que o que é considerado "pop" pode também ser entendido como uma atualização dos meios e suportes da arte contemporânea.

 

 

JAB - Quais são os dilemas da criação — sejam elas visuais, artísticas, literárias, etc. — na atualidade? As propostas construtivistas e conceituais estão desgastadas? Ou as vanguardas combalidas sumiram de vez? Numa extensão da Internacional Situacionista de Guy Debord e Raul Vaneigen (década de 1960), observamos à vertente contracultural do Manifesto Neoísmo (Stuart Home, John Bernit, etc) como o respingo da última vanguarda... Tem até as regras e "votos de castidade" dos cineastas do Dogma 95, Vintenberg, Lars von Trier, etc. E aí: as vanguardas sucumbiram? Ou estão todas perdidas em suas tribos?

 

JLA - A citação do trecho de Barthes, que está em pergunta anterior, responde satisfatoriamente esta questão. A função utópica da literatura, conforme Barthes, pode ser estendida a outras artes.

 

JAB - E a cognição? Como estão os estudos e o legado semiótico como instrumental de análise, interpretação e geração de sentidos, significados e significação? A questão vai além, é uma via estrutural ou pós-estrutural? Sobre a mídia: como você observa a mídia contemporânea? Ombudsman hoje é essencial? A sociedade civil necessita em quase todos os seus setores sociais da figura do "ouvidor" em detrimento da crise econômica, que foi amplamente amparada, socorrida novamente pelo aparato estatal? Ou a figura do "ouvidor" ficaria somente restrita à mídia? Sem falar que aqui no Brasil necessitamos de uma nova Lei de Imprensa, Conselho Nacional de Comunicação Social, regulamentação da profissão de jornalista, etc. Claro, tendo na outra ponta os interesses da classe empresarial. E o fortalecimento cada vez mais da democracia. Como ficamos? 

 

JLA - Esta pergunta contém muitos desdobramentos e novos questionamentos. As diversas semióticas vêm trazendo ótimos instrumentais de análise da literatura e das artes, bem como de outras áreas de conhecimento. Há muitas obras que exemplificam essa afirmação. A mídia contemporânea tem contribuído para uma boa comunicação entre as pessoas. O ombudsman é um instrumento de contato do cliente com a empresa. É um intermediário muito importante, quando a empresa o tem para melhorar a qualidade de seus produtos e servir bem a clientela.

 

 

JAB – No livro sobre os trabalhos do português Cesário Verde (1855-1886), os poemas-pinturas transcendem e dialogam — parecem mudar o suporte devido à sua plasticidade — com o meio digital. Como é essa relação? Poderia falar sobre Cores, Forma, Luz, Movimento: a poesia de Cesário Verde (São Paulo: Musa Editora, 2002)? E o significado do estudo na sua trajetória de pesquisador, pensador, escritor e ensaísta?  

 

JLA - O estudo sobre o Cesário Verde ocorreu de 1995 a 1999, portanto, no período em que eu tive contato com a infopoesia. Boa parte do livro está ilustrado com infopoesias, criadas sob a inspiração dos estudos e das leituras e fruições dos poemas de Cesário Verde. Na verdade, a poesia de Cesário Verde dialoga com a visualidade, pois é feita com procedimentos que trazem semelhanças com a pintura realista impressionista. É possível pensar nas sinestesias que o texto poético provoca e querer aplicá-las na hipermídia, como Melo e Castro me disse várias vezes em conversa informal. Além da visualidade, o enfoque do livro é o conceito de poesia-pintura, uma poesia que se faz com o procedimento pictórico. Esse livro, que foi dissertação de mestrado em 1999, revisado em 2002, apresenta algumas lacunas bibliográficas, que precisam ser acertadas numa segunda edição. Descobri, na rede digital, Cesário Verde: recepção oitocentista e poética (1998), de Fátima Rodrigues, e fiz referência ao assunto, mas deixei de incluir O pincel e a pena: outra leitura de Cesário Verde (1999), de Danilo Lobo (1942-2005), que lecionou na Universidade Nacional de Brasília (UnB), bem como Cesário Verde (1986), de João Pinto de Figueiredo (1917-1984), que abordam, muito bem, a relação entre poesia e pintura. Quando encontrei essas obras, meu livro já estava publicado. Essas coisas acontecem na vida de um pesquisador, mas acho que devo essa explicação ao leitor e aos autores, como forma de tributo, homenagem e honestidade intelectual. Uma troca de ideias importante é a entrevista que concedi a Djalma Luiz Benette, no jornal Cruzeiro do Sul, em 20 de abril de 2003, disponível aqui.

 

 

JAB - Em seguida, temos outro universo: Augusto dos Anjos. Em Ciência, Arte e Metáfora na Poesia de Augusto dos Anjos (São Paulo: Navegar Editora, 2004), além dos traços biográficos do poeta brasileiro (1884-1914), nascido na Paraíba e sepultado em Leopoldina/MG, o agregado abstrato nas grades das palavras, caos tecendo a vida-morte, linguagem orgânica, nua, crua e melancólica, releituras diversas (parece que até análises psicanalíticas foram feitas sobre o poeta), deparamos com duas perguntas essenciais na orelha do livro: há conexão entre a arte e a ciência? É possível fazer poesia com os conceitos científicos? Claro, não esquecendo o cabedal concretista. Além das duas questões, por que você escolheu essa temática? Somente a razão consegue sobrepor tudo, em detrimento da emoção? Não podemos deixar de pontuar também a época em que viveu o autor de Eu (publicado em vida, no ano de 1912), que rompeu com o simbolismo e o parnasianismo, bem como a excelente análise que você faz do poema "Lágrima". Augusto dos Anjos influenciou e ainda influencia quem na poesia brasileira da atualidade? Jorge, outro detalhe, o naturalismo aparece de modo enfático em quais relações essenciais na contemporaneidade? Poderia destacar alguns temas, agendas e pautas correlacionadas?

 

JLA - Temos inúmeros exemplos das relações da poesia com as ciências, quer como temática, quer como imitação de procedimentos científicos, quer como intervenção em aparelhos científicos. O capítulo dois de Poesia eletrônica traz inúmeros exemplos das relações da poesia com as artes, as ciências e as tecnologia. A antologia de poesias, que está no cd-rom, exemplifica. A escolha da metáfora científica foi motivada por um desafio e por uma formação em Biologia. No curso de pós-graduação lato sensu em Literatura, fui convidado a ministrar uma aula sobre Augusto dos Anjos. Ao preparar esse conteúdo, devido à graduação em Biologia (lecionei essa disciplina no ensino médio por dois anos), notei que o poeta usava corretamente os conceitos e termos científicos de sua época e os metaforizava, explorando ritmo e sonoridade. Outro fato que inquietou é que, mesmo com um vocabulário de difícil entendimento, a poesia de Augusto dos Anjos era lida, memorizada e apreciada por muitas pessoas, das mais diferentes camadas sociais, razão porque existem muitas reedições do seu único livro. Augusto dos Anjos é um poeta precursor do Modernismo e continua sendo fonte de inspiração para outros poetas. Uma correção: a análise do poema "Lágrima" não está no livro, mas sim no texto "Augusto dos Anjos: poesia e ciência", que foi publicado, graças à sua indicação, no Cronópios Portal de Literatura & Artes, em 24 agosto de 2008, e está disponível aqui. Fiz diversas apresentações desse livro e cada uma delas me foi muito gratificante: na Semana Municipal da Cultura em Itu, SP, em novembro/2004, com leitura de poemas por um aluno de escola de teatro; na Academia Ituana de Letras, com a leitura de poemas pelo ator Ricardo Vandré, em janeiro/2005; e na Faculdade Paulista de Artes, em São Paulo, SP, com poemas lidos pelo ator Washington Lasmar.

 

 

JAB - Um acontecimento importante foi a Mostra Internacional de Poesia Visual e Eletrônica, do qual você foi curador ao lado de Hugo Pontes e Roberto Keppler, no ano de 2005, promovido pela Academia Ituana de Letras, e pela London School. Observamos pelo catálogo, convidados especiais como o brasileiro Elson Fróes e o uruguaio Clemente Padin, nomes importantes no cenário internacional, e outros de vários países de quase todas as partes do mundo. Como foi a organização do evento? Os critérios de seleção? Qual foi o legado das discussões e exposições desse encontro? Temos o endereço virtual do evento, você poderia fornecê-lo? 

 

JLA - A Mostra Internacional de Poesia Visual e Eletrônica foi uma tentativa de divulgar a poesia eletrônica fora dos círculos especializados. A participação de Hugo Pontes e Roberto Keppler me permitiu estabelecer um elo entre a poesia visual e a arte postal e, assim, deixar mais claro o percurso da poesia no meio impresso, da poesia como arte visual, e da poesia que passou a fazer parte do meio digital. Como eu fiz o evento na cidade de Itu, contei com o apoio da Academia Ituana de Letras, da qual fui membro fundador, e a London School, que ajudou na divulgação e na abertura do evento. Não me esqueço da forma carinhosa com que a Dra. Maria Lucia Almeida de Marins e Dias Caselli, vice-presidente da instituição, abriu o evento, dizendo que a Academia apoiava um evento que trazia semelhanças com a Semana de Arte Moderna de 1922. A organização do evento foi bastante trabalhosa, como sempre, mas o resultado foi satisfatório, tomando-se por base o interesse que o catálogo desperta até os dias atuais (Regina Célia Pinto, editora do Museu do Essencial e do Além Disso, me informou que o catálogo continua sendo consultado). Muitas pessoas me pedem uma segunda edição, mas ainda não pude realizá-la. Não houve um tema para a Mostra e o único critério usado foi que as participações fossem de poesia visual, poesia digital, poesia ou arte postal. O catálogo completo está na Biblioteca David Daniels do Museu do Essencial e do Além Disso, disponível aqui.

 

 

JAB - Ao mesmo tempo, você também participa da Revista Symposium. Essa revista pernambucana ainda existe? Qual é/era o objetivo da Revista Symposium?

 

JLA - A colaboração na Revista Symposium Ciências Humanidades e Letras, da Universidade Católica de Pernambuco, no número 1, de janeiro-junho de 2001, foi uma circunstância muito agradável. Na primeira disciplina de doutorado, "Gêneros na comunicação impressa, audiovisual e eletrônico-digital", a professora nos incumbiu de escrever um ensaio. Uma simpática colega de turma, Yvana Fechine, que leciona na Universidade Católica de Pernambuco, prontificou-se a organizar um número especial dessa revista para o nosso tema, na qual publiquei "O gênero poesia digital". Essa revista foi muito bem divulgada e eu, entusiasmado com os estudos ali reunidos e a qualidade gráfica da publicação, escrevi uma resenha [clique aqui e leia].

 

 

JAB - Após as perguntas anteriores, todas em ligação direta, entramos num dos estudos mais elaborados atualmente sobre o assunto, Poesia Eletrônica: negociações com os processos digitais (São Paulo: FAPESP/Itu: autor/Belo Horizonte: Veredas & Cenários, 2008). O livro vem com um cd-rom [observem a imagem no início da entrevista]. Pois bem, nesse novo livro, você transita pelas mediações e negociações semióticas na linguagem da tecnopoesia. Que correlações você aponta e qual a importância do entrecruzamento poesia, arte, ciência e tecnologia na atualidade? Jorge, posso fazer uma observação, uma crítica construtiva sobre esse livro importante: gostei muito da sobrecapa, mas acho que faltou no final uma bibliografia e um índice alfabético por palavras principais.

 

JLA – Para ter uma ideia panorâmica do livro cd-rom, uma apresentação detalhada encontra-se na Biblioteca David Daniels [clique aqui e leia]. Antes de se tornar livro, o tema foi apresentado como tese de doutorado em 2005, o que está explicado na entrevista que concedi a Rogel Samuel [clique aqui e leia]. De lá para cá, houve muita revisão, atualização e acréscimos. Mal foi publicado, já encontrei material para uma segunda edição, que será bilíngue (português e inglês) e será publicada nos EUA. Tive acesso a arquivos nacionais e internacionais muitíssimo valiosos. Esta segunda edição está sendo totalmente reestruturada e reformulada. Optei por colocar a bibliografia do livro cd-rom em meios digitais, porque ela é muito extensa (meu arquivo, hoje, tem 112 páginas) e, principalmente porque facilitaria a consulta dos muitos endereços eletrônicos existentes. O livro cd-rom trata de poesia eletrônica, por isso, nada melhor do que deixar boa parte do conteúdo nos meios digitais (cd-rom e rede). Isso foi planejado desde a tese de doutorado. A próxima edição será formada de uma brochura (sessenta páginas, no máximo), edição bilíngue, acompanhada de um DVD. Concordo que um índice onomástico seria muito importante. Pensou-se em fazer um índice no cd-rom e outro no livro impresso, mas não foi possível. O entrecruzamento da poesia com as artes, as ciências e as tecnologias me parece ser uma constante no Brasil e em outros países. Esse enfoque está tratado no capítulo 2, de forma panorâmica, numa ordem cronológica e com exemplos comentados.       

 

 

JAB - Além dos conceitos precursores e denominações mais usadas para fazer a taxonomia do assunto, você vai além e realiza uma leitura bastante aprofundada sobre poesia e computadores. Na mesma trilha: que correlações atuais, em sua opinião, podemos observar sobre o texto poético e o texto eletrônico, o hipertexto e a hipermídia?

 

JLA – O texto poético digital é um texto eletrônico, um hipertexto e uma hipermídia. Podemos dizer, de uma forma geral, que o texto poético recebeu novas possibilidades de significação com a sua inserção no meio digital. Não estou me referindo ao poeta que escreve poesias num editor de textos do computador e as publica na rede digital. Esse apenas usa o meio digital para divulgação. A intervenção do poeta no texto eletrônico, explorando hipertextos, hipermídia (imagem, animada ou estática, e som), interatividade, explorando vários tipos de programação computacional, está produzindo um outro tipo de poesia e pode-se pensar que essa poesia eletrônica, ou qualquer outro nome que possamos dar a ela, é uma continuação ou desdobramento da poesia existente desde que o computador passou a ser usado como linguagem criativa.

 

 

JAB - O assunto é tão vasto que você concebe uma rica tipologia dessa nova poesia, dando exemplos comentados. Poderia falar sobre essa tipologia que você elaborou e a base usada para conceber essa nova classificação? Algum paradigma? O de Kuhn... Virilio... Couchot...

 

JLA – A tipologia foi o resultado da pesquisa e o desenvolvimento da tese de doutorado: como o poeta negocia com os processos digitais. Outros autores também conceberam diferentes tipologias, assunto que está mapeado na página 156 do livro, usando diversos critérios. Durante a pesquisa, mapeei e conceituei as diferentes denominações que encontrei, a respeito das relações da poesia com as tecnologias computacionais. Eu queria chegar a um nome geral comum, mas não foi possível. Os mais de oitenta nomes listados em "Denominações" me trouxeram a constatação de que teria um nome para cada estágio da tecnologia computacional. Isso me levou a estabelecer uma tipologia de acordo com cada tipo de tecnologia computacional, tudo isso analisado sob o ponto de vista das negociações semióticas da poesia com a tecnologia computacional daquele momento.

        

 

JAB - O termo poesia eletrônica consegue reunir toda essa complexidade de produção textual e imagética feita na internet atualmente?

 

JLA – Não! Isso é explicado nas páginas 113 a 114 do livro. Durante a minha primeira pesquisa, quando elaborei o ensaio "O gênero poesia digital", que está publicado na Revista Symposium, achei que seria possível chegar a um termo geral. Isso não ocorreu e me fez tomar novo rumo: pensar em denominações que dessem conta de cada estágio da tecnologia computacional. Foi isso o que me levou à tipologia. Outros estudiosos do assunto tiveram um pensamento semelhante para as suas tipologias, mas a listagem de denominações foi uma iniciativa minha. Novas tecnologias gerarão novos nomes. Ao verificar o conteúdo do IV Móbile Fest (Festival Internacional de Arte Criatividade Móvel), que vai acontecer em São Paulo, de 11 a 15 de novembro de 2009, para o qual fui convidado, notei a existência do SMS Poesia e lembrei-me do livro Tecno-Poesia e realtà virtuali (2001), de Caterina Davinio, que tratou, dentre outros tipos de poesias, do SMS Poetry (um concurso do jornal diário The Guardian, na Inglaterra [clique aqui e leia]). A própria Davinio está organizando o uso de webcam e de Skype para enviar poesia, durante o Festival de Veneza. Essas denominações vão continuar sendo geradas, indefinidamente.  

 

 

JAB - Pra finalizar: o que você recomendaria aos poetas? Transitar do papel para o digital!? Ou pelo menos tentar!? Fidelidade às suas preferências temáticas e estilos!? Se hoje um poeta visual, digital ou eletrônico perguntasse a você por onde começar as suas pesquisas, o que recomendaria em termos de leituras, teoria e exercícios, para atiçar cada vez mais a imaginação? Criação com formação, leitura e diálogos sempre foi fundamental...  

 

JLA - Eu recomendo aos poetas que eles continuem lendo outros poetas e fazendo poesia no meio de sua preferência — impresso, tridimensional, digital ou híbrido —, de acordo com os temas e estilos que lhe são próprios. Várias pessoas me escreveram e me telefonaram informando que o livro cd-rom tem sido inspirador para a criação de poesia. O prof. Omar Khouri, que participou da banca examinadora do doutorado, afirmou que a tese é um texto-manifesto, com o que também concordou o prof. Lucio Agra, no momento de seus comentários. Isso é muito gratificante para mim. Indiquei outras leituras, teorias e exercícios na entrevista concedida a Alvaro Luiz Kassab, do Jornal da Unicamp [clique aqui e leia].

 

 

 

 

 

outubro, 2009
 
 
 
 
 
 

 

Jorge Luiz Antonio. Escritor, professor e pesquisador. É bolsista da FAPESP, pós-doutorando no Departamento de Teoria Literária do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da UNICAMP, sob a supervisão do Prof. Paulo Franchetti. Formado em Letras (Português-Inglês), mestre e doutor em Comunicação e Semiótica (PUC-SP). Autor de Almeida Júnior através dos tempos (São Paulo: Secretaria de Estado de Cultura/Itu: Prefeitura da Estância Turística, 1983); Brazilian Digital Art and Poetry on the Web (Victoria, Canadá, 2000); Cores, forma, luz, movimento: a poesia de Cesário Verde (São Paulo: Musa Editora, 2002); Ciência, arte e metáfora na poesia de Augusto dos Anjos (São Paulo: Navegar Editora, 2004) e Poesia eletrônica: negociações com os processos digitais (São Paulo: FAPESP/Itu: autor/Belo Horizonte: Veredas & Cenários, 2008).

 
 

José Aloise Bahia (Belo Horizonte/MG). Jornalista, escritor, pesquisador, ensaísta e colecionador de artes plásticas. Estudou Economia (UFMG). Graduado em Comunicação Social e pós-graduado em Jornalismo Contemporâneo (UNI-BH).  Autor de Pavios curtos (Belo Horizonte: Anomelivros,  2004). Participa da antologia O achamento de Portugal (Lisboa: Fundação Camões/Belo Horizonte: Anomelivros, 2005), dos livros Pequenos milagres e outras histórias (Belo Horizonte: Editoras Autêntica e PUC-Minas, 2007) e Folhas verdes (Belo Horizonte: Edições A Tela e o Texto, FALE/UFMG, 2008).
 
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