©sílvio eugênio
 
 
 

 

 

 

 

José Aloise Bahia - Como surgiu o escritor e o artista visual? Como foi e é a sua trajetória?

 

Tchello d'Barros - Eu nasci no fim de uma cálida primavera, em 1967, no gelado planalto catarinense, terra da neve, na idílica Palmares, hoje o bucólico e simpático município de Brunópolis. Depois de morar em outras 10 cidades, meu trabalho começou a aparecer em 1993, tanto na publicação de poemas quanto em exposições de artes visuais. E na época, vivendo na germânica cidade catarinense de Blumenau, eu também fazia teatro e fotografava muito. Ainda não sabia bem qual caminho seguir. Nas Artes Visuais fiz vários cursos, inclusive de extensão universitária, mas me considero um autodidata. Mesma coisa na Literatura. Passei um tempo numa faculdade de Letras, mas optei por estudar por conta própria. Hoje, vivendo na alagoana Maceió, depois de participar de cerca de 50 exposições, entre individuais e coletivas, e ter textos publicados em meia dúzia de livros solo e umas 30 coletâneas e antologias, sigo em frente, sempre com novas experimentações, visuais, literárias, etílicas...

 

 

JAB - Tchello, e o espírito cigano, consubstanciado nessa migração de lugares, suportes, ensinos e aprendizagens...

 

TB - Faço parte da interminável horda de mochileiros e viajantes que circula pelo planeta. De vez em quando, jogo tudo pro alto e me jogo no mundo, passando até mesmo meses deambulando por terras exóticas, costumes estranhos (para nós) e aprendendo outros modus vivendi, ampliando a escala de valores e visão de mundo. Essas peregrinações não são apenas viagens, mas um sentimento de estar em trânsito, em outro estado de espírito, no qual ao estar longe de tudo e de todos, acabamos por encontrar a nós mesmos. Descobrimos facetas de nossa personalidade e temperamento, que ficam adormecidas nas lides cotidianas, na entorpecente rotina diária. Dentro de cada ser humano há um ser aventureiro, uma herança arquétipica de nossos ancestrais, um viajante louco por transcender os horizontes e descobrir novas paisagens, outras paragens, outros olhares.

 

 

Tchello d’Barros| Mandala Quântica |gravura digital |2009

 

 

JAB - A sua praia artística é vasta: poesia, prosa, pintura, instalação, gravura, vídeos, poesia visual. Poderia delimitar o seu modo híbrido de atuação? São temáticas diferentes, diálogos recorrentes, estéticas e atuações que se suplementam? Quais são as características principais da(s) sua(s) linguagem(ens)?

 

TB - De fato, nesses 15 anos de produção já se pode conferir um rastro de atuação nos dois principais campos em que atuo: a Literatura e as Artes Visuais. Percebe-se uma espécie de diversificação, algumas pessoas consideram isso como uma versatilidade ou polivalência. Não há nada de novo nem de especial nisso, está aí a história da arte, mostrando que muitos artistas fizeram a opção da diversidade, digamos assim. Nesta fase, por exemplo, no tempo em que respondo a esta entrevista, estou quase que inteiramente dedicado à produção, edição, publicação e exposição de minha produção em fotografia conceitual. Sobre a diversidade dessa produção, prefiro não comentar muito, acho que isso é trabalho para os críticos, acadêmicos, curadores, editores e jornalistas culturais. Apenas vou assinalar aqui que há uma linha contínua, na qual tudo vai se encaixando, convergindo, pois trabalho com temáticas que polarizam a existência humana, indo da sexualidade à espiritualidade. Com esses dois fios vou tecendo uma rede de subtemas, o que cai nessa rede são os suportes, técnicas, meios e multimeios pelos quais as criações são apresentadas ao público, seja em exposições, publicações, internet ou apresentações presenciais.

 

 

JAB - Na outra ponta: o artista atuando também nos segmentos do design, moda e decoração. O apelo comercial ajuda ou atrapalha em suas criações? Haja vista que as linguagens de uma poesia visual, de uma pintura, por exemplo, estão num outro campo de reflexão sobre o fazer artístico...

 

TB - O artista contemporâneo é quase um paradoxo, como um programa DOS tentando rodar numa plataforma Windows. Quero dizer com isso que as mais genuínas criações encontram pouco espaço no mercado, leia-se uma sociedade consumista num sistema capitalista. Some-se a isso estarmos num país, onde o sistema das artes precisa amadurecer e evoluir muito ainda. Não temos ainda um público culto para consumir ou colecionar arte contemporânea, salvo honrosas exceções. No paralelo de tudo isso os profissionais de moda, decoração e produtos em design nos procuram para encomendar criações e atender a essas demandas de mercado. Por um lado é um pouco conflitante, atender encomendas, mas por outro é bacana saber que nossas criações estão nas paredes das casas das pessoas, nas roupas, nos acessórios. No momento, o que mais me pedem são retratos em arte digital, impresso em imensos painéis. No fundo, divirto muito com isso e sei que as pessoas apreciam sinceramente.

 

 

JAB - Tem outro aspecto importante: a curadoria. Qual é o verdadeiro papel do curador nas artes visuais?

 

TB - Os curadores chegaram para substituir os antigos marchands, acompanhando naturalmente a evolução do sistema das artes visuais (que antes se chamavam artes plásticas). Uma curadoria é antes de tudo um pensamento filosófico — escrito e tornado público — sobre o qual se realizará uma ação cultural, no caso das artes visuais, quase sempre, algum tipo de exposição, seja individual ou coletiva. O trabalho em si consiste em pensar, pesquisar, escrever esse texto e, principalmente, selecionar os artistas ou obras que se enquadram nesse pensamento, nessa formulação. A partir disso há vários outros fatores que irão se enquadrar no processo, como relações com a mídia, programação visual, eventuais publicações, montagem, projeto pedagógico para os mediadores que terão contato com o público visitante, e por aí vai. Em geral é praticado por pessoas com sólido conhecimento da História da Arte. Trata-se de um trabalho fundamental para que o visitante ou consumidor, tenha um contato com uma exposição coerente nas suas propostas e com o mundo em que estamos vivendo.

 

 

JAB - Poderia comentar as palavras de Maiakovski: "A arte não é um espelho para refletir o mundo, mas um martelo para forjá-lo".

 

TB - Sempre me pareceu que Maiakowski foi um artista cuja atuação como militante cultural e social esteve acima de sua produção escrita. Foi um poeta que como pessoa foi maior que sua obra. Se nada tivesse escrito, ainda assim teria sido significativo. O autor de Nuvem de Calças é a prova de que um artista é, ou deveria ser alguém comprometido com as necessárias transformações de seu tempo e seu lugar. Trata-se da mais verdadeira arte engajada, sem ser meramente arte panfletária. Talvez o legado que tenha nos deixado, mais que sua obra, seja a reflexão de que na arte não basta reclamar ou denunciar o que está ao nosso redor, mas a arte pode ser um instrumento propositivo para recriar essa realidade, um instrumento para causar mais que reflexão, sobretudo transformação social, mudança política e evolução estética. E naquele tempo a poesia andava russa mesmo...

 

 

JAB - Concreto ou conceitual!? Construtivista... Produção e contemplação... Movimentos... Nenhum dos dois... Ou os dois mais tudo o que desequilibra e deixa inquieto Tchello d'Barros?

 

TB - A impressão que tenho é que nunca houve uma época mais interessante que esse início de terceiro milênio para a criação artística. Primeiro, porque o artista não precisa estar preso aos ismos da arte, às escolas estéticas que lhe precederam com suas cartilhas e manifestos, modismos momentâneos ou ditaduras da igreja, do mercado, dos críticos ou de quem quer que seja. Mas há uma vantagem que paira acima de tudo isso, a possibilidade de realizar um trabalho dialogando com estilos, linguagens e nomes da História da Arte, e ainda assim, ser um trabalho atual, contemporâneo. Um poeta de hoje pode tranquilamente escrever poemas em formas fixas ou valendo-se de conceitos do concretismo, construtivismo, poema-processo, etc, e ainda assim abordar temas atuais ou numa linguagem atual. Um fotógrafo pode fazer uma releitura da obra de um Man Ray, por exemplo. Um pintor pode fazer uma instalação que dialogue com as propostas dos dadaístas ou surrealistas e assim por diante. A única coisa que de fato me deixa inquieto é a falta de políticas públicas para a cultura, onde, de fato, seja privilegiado o talento de quem merece.

 

 

JAB - Observamos até o cordel nas suas publicações. Sinal de ecletismo, versatilidade ou a tentativa de resgatar e refletir uma visão humanista? A cultura contemporânea está necessitando urgentemente de um Neo-Humanismo?

 

TB - Sempre gostei muito de poesia popular, regionalista, meu pai praticava em casa a trova gaúcha, o chamado Desafio, similar aos repentes do Nordeste. Além de deter hoje uma vasta coleção de livrinhos de cordéis, tive que estudar suas origens e formas, para as oficinas literárias que eventualmente ministro. Então, de vez em quando, escrevo alguns pelo puro prazer de praticar essa forma fixa, difícil, porém muito saborosa. O século XX produziu transformações na História da Arte que ainda hoje reverberam entre nós e o que me parece é que a maioria dos povos continua precisando de um sistema político e social Neo-Humanista. Vivemos num período de ebulição na cultura, em todas suas manifestações e linguagens.

 

 

JAB - Voltando ao cordel: fale sobre o seu último livro, cuja temática é o cordel, publicado em Maceió, 2006.

 

TB - Trata-se de um conjunto de cordéis publicados simultaneamente, no qual trato de temas do imaginário popular, mas dentro dos cânones e estruturas do cordel clássico. Citando alguns: em O Mistério de Blém-Blém, falo de um personagem de rua que de fato existiu no bairro portuário de Jaraguá. Em O Justo Destino do Pistoleiro Justino, trato da questão da pistolagem, pois o estado de Alagoas é um lugar onde essa atividade é comum e corrente. A Feira do Passarinho aborda os personagens reais e os vários extratos sociais que compõem essa imensa feira de rua de Maceió, conhecida também como Feira do Rato. Já no cordel O Matuto que se Espantou Com as Mulheres do Recife conhecemos a história de um sujeito que veio do interior tentar vender um galo-de-briga na capital, mas o galo fugiu e adentrou uma parada gay, então, imagine a confusão... 

 

 

JAB - Temos também os Haicais em Setembro (Blumenal: Editora Nova Letra, 2007). O exercício do Haicai deve/deveria ser praticado por todos os poetas? Bem, pelo menos para aqueles que procuram um certo tipo de elaboração estética na qual a concisão é fundamental? Haicai tradicional ou tropical? Ou os dois?

 

TB - Essa publicação é uma coletânea que apresenta alguns dos haicais que publiquei em meu livro Olho Zen (2000), constituído apenas de haicais. Nenhum poeta, seja de que estilo for, precisa obrigatoriamente praticar qualquer forma fixa de poema. Mas também é verdade que essa forma de poemeto medieval nipônico vem sendo cada vez mais praticada no mundo todo. E se é verdade que "o saber não ocupa lugar", também é verdade que grandes poetas em algum momento se debruçaram sobre o haicai, como Jorge Luis Borges, Octávio Paz e Paulo Leminski, só pra citar alguns. O haicai tropical se desenvolveu muito no Brasil, dadas as nossas condições culturais de imigração, miscigenação e até mesmo geografia e a cimentada urbanidade das metrópoles. Em meu caso particular, por conta de minhas origens rurais e contato com a natureza, optei pelo estilo clássico, com os kigôs e métrica tradicional, já que para maiores experimentações, pratico outras formas, como meus poemínimos verbi-voco-visuais, os ideogramas ocidentais ou os labirintogramas.

 

 

JAB - O círculo da experimentação é eterno!? Ou as vanguardas já queimaram toda a pólvora do barril?

 

TB - As chamadas vanguardas históricas, com todos seus movimentos, ismos e escolas, foram uma espécie de parto difícil, mas necessário, para que as artes em geral, não apenas refletissem seu tempo, mas também libertassem os artistas de amarras históricas, como as influências da igreja, dos impérios, dos Estados, das academias ou mais recentemente, dos mercados. A pós-modernidade nos legou os dias atuais, paraíso das experimentações, mas que trazem no bojo muita picaretagem, superficialidade e falta de crítica espontânea. Daí, muita produção de "arte contemporânea" e "poesia experimental" de má qualidade, a botar tanta gente pra correr das exposições e publicações. No entanto, a constante experimentação talvez seja uma premissa da arte em si, a trilha por onde a própria arte segue em frente.

 

 

JAB - Como é transpor o labirinto em suas infogravuras e vídeos? É intuição, espontaneidade e/ou experimentação/exercício que levam minutos, horas, dias, meses e/ou anos? Ou, quem sabe: uma influência borgiana?

 

TB - Quando se fala em labirintos, quase que não dá para não mencionar Borges, escritor fascinado por esse tema. Em meu caso, diferente do contista e ensaísta argentino, o tema aparece mais em minha produção visual, em pintura e gravura e uma ou outra transposição para vídeo. A influência principal veio de andanças por antigos castelos na velha Europa e daí em diante uma substancial pesquisa imagética, com posterior produção de minhas próprias imagens. É uma obra em aberto, apesar de já ter participado com esse tema em mostras em pelo menos três Estados do Brasil. No momento, em minhas viagens tenho fotografado a terra, o chão — lama, poeira, areia — o que deve resultar posteriormente em junção desses solos fotográficos no formato de novos labirintos.

 

 

JAB - Fale um pouco sobre a exposição "Graphos & Chromos", realizada em Maceió, em 2006. Contraste entre o geométrico e as sinuosidades são as tensões recorrentes nesta exposição? Ou a ousadia pela composição híbrida, marca da contemporaneidade, repercute a condição do pensamento? A fragmentação também é uma marca da contemporaneidade? Ou a complexidade rege a memória?

 

TB - Foi uma exposição resultante de quase três anos de experimentação, pesquisa e estudos, representando uma transição de um longo período trabalhando com anatomia, para um sistema de códigos visuais baseados na geometria abstrata, uma mudança e tanto. Isso se deu um pouco por conta da mudança do Sul para o Nordeste, retomar a vida num lugar com tantas diferenças, de alguma forma me direcionou para a geometria, embora antes disso já tivesse produzido algumas pinturas de labirintos. A intrincada artesania das rendas nordestinas, a pintura corporal dos índios cariri-xocó, a tecelagem manual das redes de pescadores, o exótico figurino das danças folclóricas, o repertório visual da arquitetura popular, entre outros fatores, resultaram nas mais de 100 gravuras e desenhos geométricos dessa exposição. Além disso, inovei na impressão dos suportes, quando imprimi as gravuras em PVC, polietileno, acrílico, lona vinil, adesivação em sign, plotagem e até papel fotográfico.

 

 

JAB - Todo escritor e artista têm um discurso sobre a sua estética, ou está sempre elaborando o seu discurso. Qual é o discurso de Tchello d'Barros?

 

TB - Considero que meu trabalho é a manifestação pública de minhas inquietações poéticas, estéticas e filosóficas, mediadas por suportes e linguagens variadas nos campos da Literatura e das Artes Visuais. O rigor formal, a economia de elementos e a escolha de temas que se entrelaçam dão a tônica dessa produção. Quando é alcançada uma emoção estética em alguma pessoa, considero sempre como missão cumprida.

 

 

JAB - Como é o encaixe da fotografia com a poesia visual? Concrelírica, se é que podemos usar esta palavra? Ou mais Concreta?

 

TB - Na contemporaneidade há diversos autores de poesia visual que se valem do recurso da fotografia para montarem seus trabalhos. Não descarto, mas prefiro evitar, prefiro que a fotografia fique circunscrita em seu âmbito peculiar e na poesia visual opto principalmente pelo desenho gráfico vetorizado, quase sempre em preto-e-branco, o que tem sido um diferencial em meu trabalho. Dos muitos períodos da história da arte, brasileira e internacional, um de meus favoritos é o Concretismo, então vez ou outra valho-me de um ou outro recurso visual que caracterizou esse período. Já um possível lirismo, bem, não tenho essa pretensão, se acontecer, é um bônus involuntário.

 

 

JAB - Como furar a barreira da Sociedade do Espetáculo?

 

TB - Com uma furadeira Black & Decker, na rotação máxima. E nos casos mais massificantes pode ser uma britadeira mesmo, dessas de arrebentar calçadas, paredes e afins. Mas, olha, cá entre nós, para a burguesia alienada, bom mesmo é uma marreta, viu...

 

 

JAB - E a poesia de Tchello d'Barros? A poesia escrita?

 

TB - Vai bem, obrigado. Desde que comecei a publicar meus livros, parei com a mania de enviar para concursos literários (venci vários, vaidades à parte!). No momento, lido com a reedição de meus livros e a publicação de minha inédita produção em prosa. No paralelo, tem a organização das exposições de artes visuais, então a poesia escrita em si tá descansando, num processo de gestação, de anotações de insights, de formulação de algo novo que deve surgir em breve, assim espero.

 

 

JAB - Quais escritores, artistas visuais, fotógrafos, cineastas e pessoas fazem à cabeça de Tchello d'Barros? E o porquê dessas escolhas?

 

TB - Nas artes visuais, algumas de minhas referências são os norte-americanos Jasper Johns, Mark Rotko, Jeff Koons, Basquiat, Pollock, Keith Harring e Andy Warhol. Minha avó materna nasceu nos EUA, o que me fez interessar pela cultura de lá, inclusive a obra de Marcel Duchamp, no longo período que lá passou. Dos mais recentes, acompanho a produção do inglês Banksy, do indiano Anish Kapoor e do brasileiro Vik Muniz, entre muitos outros. Na literatura, no momento, sigo lendo as obras de Saramago, a poesia da brasileira Alice Ruiz, e uma baita lista de escritores internautas que não teria espaço pra citar aqui. No cinema, assisto muito filme independente, experimental e cult, inclusive as novas produções do cinema nacional. Lars Von Trier é um dos nomes que acompanho, só pra não fugir da citação. Na fotografia: Sebastião Salgado, Arakem Alcântara, Artur Omar, Geraldo de Barros, Cartier-Bresson, Pierre Verger, Alfred Stieglitz, Paul Strand, Ansel Adams, Kertész, nem sempre nessa ordem. O porquê dessas escolhas? Afinidade, confluência, sincronicidade e, principalmente, o prazer estético que a arte dessa gente me proporciona.

 

 

JAB - Sua opinião sobre as bienais nas artes plásticas, feira de livros e suplementos literários?

 

TB - São modelos meio que esgotados em seus formatos, mas que ainda resistem, pois as novas propostas de aproximação entre produção e público ainda estão por se consolidar. O problema das bienais (não só no Brasil) é ser fortemente influenciadas pelo mercado, o que não garante uma total isenção na escolha dos artistas. As chamadas residências artísticas, agora também em projetos literários, são reflexos das novas possibilidades, do que já está sendo realizado por instituições sintonizadas com nosso tempo. As feiras, bem, enquanto imprimirem livros haverá feiras do livro. Estive em algumas bienais do livro no Rio e em São Paulo. O que me chamou a atenção foi a incrível quantidade de famílias levando os filhos para passear e comprar livros, o que sugere uma nova geração com mais leitores. Já as publicações, especialmente alternativas, repetem seu eterno ciclo de raramente ultrapassarem três edições. E os espaços de resenhas nos jornais tradicionais estão ficando mais raros que os cabelos na minha cabeça.

 

 

JAB - Pré ou pós-sal? Quer dizer, pós-modernismo ou contemporaneidades? Ou ainda vivemos uma extensão da modernidade?

 

TB - Nós vivemos um tempo plural, que é igual para todos apenas cronologicamente, apenas no calendário. Mas comportamental e culturalmente as pessoas estão separadas por anos, talvez por décadas, ainda que residam num mesmo edifício. No campo da cultura isso também se reflete. Num mesmo dia são publicados dois cordéis em Olinda, Pernambuco. Um é de um cordelista analfabeto, impresso de forma precária, em linotipia, lançado numa feira de bairro, falando de uma discussão entre dois vendedores de rapadura. O outro cordel é produzido por um professor universitário, editado digitalmente, com veiculação online em seu site, blogue, rede social, youtube e twitter, falando sobre um tema de ficção científica. Essas duas pessoas, na mesma cidade, vivem no mesmo tempo. Vivem mesmo? Ou imaginemos um artesão de prataria em bairro de Porto Alegre, e seu filho que aprendeu o ofício, desenha bem, mas resolve usar seu talento no desenho para criar ambientes para jogos de vídeo games. Tudo depende de quem você é e qual a sua relação com a realidade, com seu entorno, em que sistemas transitam. 

 

 

JAB - Como foi a sua última exposição de poemas visuais "Convergências", agora em setembro de 2009 no Rio de Janeiro?

 

TB – "Convergências" é um projeto que reúne boa parte de minha produção em Poesia Visual e foi lançada, digamos assim, numa exposição em João Pessoa, depois apresentada em Maceió, passou por um evento de literatura lusófona em Blumenau e agora está exposta no Largo das Letras, em Santa Tereza, Rio de Janeiro. Essa recente exposição já faz parte da segunda etapa do projeto, que é itinerar pelo país, em edições descartáveis, ou seja, para cada cidade a mostra é toda reimpressa em plotagem e enviada pelo correio para a pessoa ou instituição responsável. Ao final, é só retirar as plotagens e destruir ou distribuir os impressos. Quando é o caso, viajo para estar pessoalmente na abertura, para palestrar ou mesmo para ministrar uma oficina sobre essa modalidade de expressão, que transita entre a literatura e as artes visuais. No momento há meia dúzia de pessoas organizando essa mostra em suas respectivas cidades. Quem mais quer participar do projeto?

 

 

 

outubro, 2009
 
 
 
 
 
 

 

Tchello d'Barros. Poeta, escritor, artista visual e viajante. Catarinense de nascimento (Brunópolis/SC), nordestino por opção (sediado em Maceió/AL), e cidadão do mundo por vocação. Signo astrológico: sagitário. Ano zodiacal: carneiro. Edita os blogues de Poemas, Cordéis, Contos e Crônicas, Literatura Infantil, Artes Visuais, Fotografia, Poesia Visual e Relatos de Viagens. Seu site oficial: www.tchello.art.br.
 
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José Aloise Bahia (Belo Horizonte/MG). Jornalista, escritor, pesquisador, ensaísta e colecionador de artes plásticas. Estudou Economia (UFMG). Graduado em Comunicação Social e pós-graduado em Jornalismo Contemporâneo (UNI-BH).  Autor de Pavios curtos (Belo Horizonte: Anomelivros,  2004). Participa da antologia O achamento de Portugal (Lisboa: Fundação Camões/Belo Horizonte: Anomelivros, 2005), dos livros Pequenos milagres e outras histórias (Belo Horizonte: Editoras Autêntica e PUC-Minas, 2007) e Folhas verdes (Belo Horizonte: Edições A Tela e o Texto, FALE/UFMG, 2008).
 
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