©cristovão tezza
 
 
 
 
 

 

No cumprimento da tarefa de apresentar  Wilson  Bueno  seguem  as  breves notas biográficas e as anotações sobre as principais produções do autor. Antecipar, precedendo às falas do entrevistado, informações sobre as suas obras e atuação, bem como de suas idéias em relação à literatura, arte e política, valeria apenas à guisa de entrada na saborosa ― e saberosa ― entrevista. Valem e pesam as palavras de Wilson Bueno. O processo cuja resultante é a entrevista começou em março de 2009, nos seus primeiros contatos; terminou em julho, na sua execução em jorro. O autor de Meu Tio Roseno, A Cavalo, escrevia concentradamente um novo livro; precisava de um tempo e o leitor-entrevistador tinha o tempo da espera. As perguntas estavam lá, enviadas por e-mail; em poucos dias, menos de dez, ele respondeu tudo. Disponibilidades do entrevistado e do entrevistador foram respeitadas; completaram-se. Dos primeiros contatos, seguidos dos acertos de pormenores, aos passos de execução e encerramento da tarefa, tudo muito tranquilo, sereno. O material da entrevista comporta certamente mais de uma versão. Vai aqui uma quase crua; importa o pulsar da escrita de Wilson Bueno. A quem, os habituados às coisas da literatura brasileira contemporânea, algo soar o já sabido, é assim mesmo. Outras falas dirão muito de Wilson Bueno, singularmente. Exemplificando uma das singularidades, cabe a informação fundamental do nome de seu "testamenteiro fiel", um importante editor brasileiro atual. Fatos, concepções de literatura, de vida, de mundo, em simplicidade e riqueza escorreitas.

 

Brevíssimas notas biográficas: Wilson Bueno nasceu em Jaguapitã, no interior do Estado do Paraná, em 1949. Morou no Rio de Janeiro, durante anos. Hoje mora em Curitiba. Cronista semanal do jornal "O Estado do Paraná" e de publicações na internet. Editor, por longos anos, de "Nicolau", jornal de literatura, inúmeras vezes premiado, de reconhecimento nacional e internacional.

 

Coordenadas bibliográficas sempre em construção: Escreveu, entre outras obras, Bolero's Bar (1987), Manual de Zoofilia (1991), Mar Paraguayo (1992), Cristal (1995), Pequeno Tratado de Brinquedos (1996), Jardim Zoológico (1999), Os Chuvosos (1999), uma reunião de tankas, Meu Tio Roseno, a Cavalo (2000), Amar-te a ti nem sei se com carícias (2004); Cachorros do Céu (2005), A copista de Kafka (2007), Diário Vagau (2007) e O pincel de Kyoto (2008). Foi também colaborador regular de inúmeros jornais brasileiros e assina, com exclusividade, colaboração mensal para o site "Trópico" [clique aqui e leia]. Os títulos acima foram editados no Brasil. A lista pode aumentar sempre. Fora do Brasil, a aventura dos textos de Wilson Bueno é de um fascinante percurso. Principalmente, nas três Américas. Mar Paraguayo, para ficar em exemplo único, foi publicado na mesma versão em edições no Brasil e na Argentina. Um fragmento da tradução para o Francenglish, pela poeta canadense Erín Moure e que será publicado pela Oxford Press University. Aquiduana Afternoon ilustra, minimamente, a aventura editorial, linguística e literária dos textos de Wilson Bueno, em suas andanças e errâncias pelo mundo. [Antonio Rodrigues Belon]

 

 

 

 

Antonio  Rodrigues  Belon - Um escritor   mergulha  no  seu  próximo  livro,  com  datas, prazos e multas. Entregar o texto é uma obrigação: escrever textos narrativos, escrever poemas. A poesia tem hora marcada?

 

Wilson Bueno - A poesia, a rigor, não pode ter hora marcada. Atemporal, habitante também do espaço imensurável do imaginário, a velha ars litteraria quer ser o território mais vigoroso da liberdade. Prazos contratuais, contudo, já eram a angústia também de Balzac e de Dostoiévski. Me comove que alguns dos últimos capítulos de certos textos referenciais dostoievskianos tenham sido escritos com o ganhador do jogo de cartas, e o editor, esperando na porta... E que Balzac só escrevesse de madrugada para fugir aos que lhe batiam à porta para cobrar dívidas, inclusive, ou principalmente, os editores, face aos adiantamentos contratados com o escritor...

 

 

AB - As suas obras foram publicadas por várias editoras: grandes e pequenas, comerciais e universitárias, parcerias entre empresas e órgãos públicos. Desta experiência, como consideraria suas relações com as editoras?

 

WB - Tudo mais ou menos ao acaso, o meu périplo... Já fui editado de todo modo. Há algum tempo encontrei a minha casa editorial e na pessoa de meu editor, o admirável Rogério Eduardo Alves, da Planeta do Brasil, o editor que sempre sonhei na vida. É uma relação mais do que de autor e empresa. A minha relação com Rogério, um homem sensível, também ensaísta, e dos bons, está para além dos anéis de Saturno... Dei esta sorte na vida — a de encontrar um irmão de alma e que, por acaso, é também meu editor. Acho que vamos aprontar muito ainda nessa vida. É tamanha a confiança e o fraternal carinho que nutro por Rogério Eduardo Alves que o nomeei, em cartório, o testamenteiro fiel de toda a minha obra. Ele é jovem, de um caráter impoluto e certamente saberá gerir, quando de minha morte, a publicação de meus escritos. Como não possuo herdeiros, nem filhos nem sobrinhos, tenho o sagrado horror de virar assim uma espécie de Humberto de Campos, não reeditado nunca, no mais pesado ostracismo, isso que estamos falando de quem, em sua época, era um dos mais populares escritores brasileiros.

 

 

AB - Do ponto de vista da realimentação de sua escrita em fluxo contínuo, qual o papel da relação com as línguas próximas (espanhol, guarani) e tradições mais distantes japonesa (poesia), alemã (kafkiana) e outras no seu modo de ver?

 

WB - O espanhol e o guarani, porque Mar Paraguayo e a inédita Novêlas Marafas (nos arquivos da Planeta) e que eu tenho a pretensão de que seja a minha Sagarana portunhólica, constituída que é de 4 novelas longas e 3 poemas-em-prosa extremamente "funcionais", digamos, dentro do contexto, são idiomas-em-progresso, sobretudo o portunhol, de que faço uso em busca de uma "errância" (no amplo sentido da palavra) que é a maior marca desses trabalhos. E também por pretender, com eles, com o portunhol e o guarani, sobretudo, "borrar" todas as fronteiras, não só dos gêneros dito literários, mas também da simetria da linguagem. O portunhol é assimétrico, e o guarani, uma língua de resistência, notável em sua generosa riqueza e é falado por 99% dos paraguaios. Pra você ter uma ideia, só para o "poente" o guarani tem mais de sete expressões, dependendo da hora e da luz que incida ao entardecer.

 

Já quanto ao japonês, não poderia ficar longe dele alguém que tem a pretensão de fazer tankas, sob rigorosa métrica nipônica (5/7/5/7/7). Mas acho minha experiência nessa área esgotada. Dois livros bastam para tanto, você não acha? Pequeno Tratado de Brinquedos (Iluminuras) e Pincel de Kyoto (Lume Editor).

 

Como fazer a metáfora da metáfora do nazi-fascismo que permeia as relações interpessoais dos humanos, com A Copista de Kafka (Planeta), sem lançar mão da língua, irremediavelmente "suja" pelo nazismo, que é o duro, ríspido e autoritariamente rascante germano? A língua que um dia foi de Kafka, de Rilke e de Goethe, nunca mais será a mesma depois dos discursos de Hitler e das "ordens" (em castiço alemão, óbvio) para o extermínio de milhões de pessoas apenas por sua raça, cor, opção sexual... George Steiner que o diga...

 

 

AB - As categorias de seus textos (a zoologia imaginária, as reescrituras e as intertextualidades, as kafkianas, as machadianas, os vetores orientais...) permitem supor muitos Buenos. O que diria Wilson Bueno sobre os Buenos?

 

WS - Não sei ser de outro modo. Jamais poderia narrar como narram os romanções, mal-traduzidos, que importamos dos Estados Unidos, principalmente. Literatura para mim é feitiço, bruxedo, invenção. Histórias mirabolantes não constroem nada. Você veja o Joyce, do Finnegans, um exemplo fascinante e pedagógico: o enredo nasce das radicalidades linguais. De outro lado, um Borges, em outro exemplo, "clássico" até a raiz da medula, e isso não deixa de conferir a seus textos igualmente a magia e o encantamento, que exercem sobre nós, não propriamente pelo que dizem, mas como dizem. Aquela adjetivação surpreendente, precisa, às vezes, de arrepiante beleza.

 

 

AB - No quadro histórico da ficção brasileira hoje se fala muito nas tendências, nas gerações, nos registros entre o memorialista, o realista, o metafísico, o escatológico, o fantástico e o satírico, nos seus autores representativos, mas considera-se, sobretudo, a urbanização do imaginário. Que configuração adquire a tensão entre o rural e o urbano na sua literatura?

 

WB - Eu não faço nem regionalismos nem "urbanismos". Penso que meus textos sejam textos literários, e apenas isso, isto é, comprometidos com a invenção, com o manejo da língua (ou das línguas...), com a maior expressividade possível, não importa se andam os meus personagens pelo Paranapanema, de antes de 1949, a exemplo de nosso Tio Roseno (Meu Tio Roseno, A Cavalo), ou eles se escondem numa ruela fria da Berlim hibernal de Felice Bauer, por exemplo, a noiva eterna de Franz Kafka... (A Copista de Kafka). Se configuram as memórias do cruel século 19 brasileiro, no Districto Federal, (Amar-te a ti nem sei se com carícias) ou se existem nesse espaço minado da "desterritorialização", que são as marcas das fábulas politicamente incorretas de Cachorros do Céu.

 

 

AB - A sua literatura se constitui de romances, novelas, fábulas, contos, poemas, crônicas. Onde está o seu maior prazer? Onde você sente mais o peso da responsabilidade?

 

WB - Acho que eu sou um escritor, só isso. Mexo-me com certa facilidade em todos os gêneros. Sou um escriba. Mas sempre é mais difícil, pede mais, exige mais (até fisicamente) empreitadas como as das narrativas. Veja você a estiva que foi compor Novêlas Marafas. São 4 novelas longas (uma delas, "Mascate", uma história de amor na Tríplice Fronteira aonde fui obrigado a inserir alguma coisa do árabe, proliferante na região, num texto que já pedia o português, o portunhol, o espanhol e o guarani. Um amigo que leu os originais me disse que aquilo, às vezes, lhe sugeria uma língua de Ets, tanto soa a música interna daquele mix de linguagem e daquele estilhaçamento de fronteiras levado a extremos. Entretanto, repito, é só uma — singela — história de amor...

 

Poesia, no sentido estrito do termo, acho que fechei a fábrica com o inédito 35. Poemas de Amor, que o site "Trópico", do UOL deu uma pequena amostra (5 peças) [clique aqui e leia]. Tenho ainda um livro de poesia, guardado a sete chaves, que pretendo seja póstumo, 13. Uma reunião de sonetos intensamente eróticos.

 

 

AB - Qual o seu público?

 

WB - Está aí uma coisa que me dá muito orgulho e que me apazigua a dura lida do ofício. Eu tenho a maioria de meu público — até onde sei, óbvio — composto por jovens, leitores que vão dos 18 aos 40 anos, uma gente moça e ávida de coisas diferençadas, penso. Recebo e-mails comoventes de rapazes e moças, dos mais diversos sítios, como diriam os nossos queridos lusitanos, dizendo haver descoberto o sabor da mágica, que é ler, isso a partir de alguns de meus títulos. Que pode mais desejar um pequeno cantor das tardes melancólicas da Floresta?

 

Agora são as crianças, com Os Chuvovos, que, em edição bilíngüe (português e espanhol) foi publicado aqui pela sedutora Dulcinéia Catadora, de São Paulo, (livros artesanais, feitos com capas de papelão e miolo impresso em computador, lindíssimos em sua singeleza) por filhos de carrinheiros... Sua equivalente argentina, a Eloísa Cartonera, também publicou Os Chuvosos lá em Buenos Aires... A do Paraguai, a Y Y Jambo, também...

 

E vem aí O Gato Peludo e o Rato-de-Sobretudo, em edição tri ou quadri-língue... Português, espanhol, inglês e o (gozozo e hilário) portunhol "salvage" do poeta paraguayo-matogrossense Douglas Diegues... Com a Y Y Jampo, a cartonera de Assunção, já são sete cartoneras, contando as brasileiras Dulcinéia Catadora e Katarina Kartonera, que aderiram a esse meu delírio lewiscarrolliano por excelência e ora realizam um lançamento simultâneo, a movimentar as crianças marginalizadas de nuestra America em torno do livro. Inclusive, levando-as à ilustração, o que é fantástico... Nas cartoneras os livros são irrepetíveis. Jamais existirá uma capa igual à outra... É o mais puro "guevarismo" (não confundir com Cuba nem Fidel Castro)... A utopia solidária, essencialmente libertária do Chê, mas sempre e sempre utopia, ou seja obra-em-construção tendo como alvo um mundo melhor, mais humano, mais democrático, e principal e fundamentalmente mais amoroso... Claro que aí, como autor, não ganho um centavo e nem há contratos formais, o que também faz a diferença.

 

 

AB - A sua já longa trajetória jornalística, a ausência em sua vida de escolaridade de nível superior e o seu percurso de escritor colocam que tipo de problemas e combinações?

 

WB - Eu tenho muito orgulho de ser um autodidata. De ter nascido e vivido até os sete anos no sertão profundo, tendo como brinquedos macaquinhos, cães, gatos, jaguatiricas-filhotes, lobinhos-guará... E com o fato de ser filho de lavradores... Está lá, na minha certidão de nascimento: "Pais: lavradores"...

 

Minha mãe, Maria Aparecida Bueno, a sempre e sempre D. Cida, era uma figura luminosa, uma Sherazade cabocla, capaz de contar histórias onde até a sombra e a luz eram detalhes de extrema importância... Minha avó materna, bugra, analfabeta, de grandes mãos calejadas, bugra de olhos azuis, neta de lusos e germanos, com um nome aristocrático, Maria Custódia Rosa de Senes, me arrancou do ventre de minha mãe e me cortou o umbigo com uma colher vermelha na brasa, num rancho de aldeia, perdido no então sertão de Jaguapitã, no interior do Paraná... Outra exímia fabulista, a inventar assombrações que, hoje verifico, lembram os contos fantásticos de Hoffmann... Curioso que, numa casa sem livros, eu já nasci lendo e escrevendo profissionalmente, creia, aos 16 anos, toda semana, no principal jornal de Curitiba... Curiosa pode ser a vida.

 

 

AB - É bastante desafiador compreender a leitura que fazem, por exemplo, brasileiros e argentinos, do texto de Mar Paraguayo, publicado nos países dos respectivos falantes, sem mudanças, réplicas textuais em diferentes edições. Isto propõe indagações sobre a recepção de sua obra no exterior, na hispanofonia e outras fonias.

 

WB - Eu brinco sempre dizendo que Mar Paraguayo é um livro intraduzível... Está publicado no Chile, México, Cuba, Argentina... Há, contudo, um projeto de tradução da novela para o Francenglish (Oxford Press University), um mix de francês e inglês, pela canadense Erín Moure (vários fragmentos já foram publicados, inclusive um que fala de perto aos nossos matogrossenses do sul — Aquidauana Afternoon). O guarani foi substituído por uma língua estranhíssima, de esquimós, chamada Mohwac... [clique aqui e leia um trecho]. E até o fim de 2009, o poeta norte-americano Cristopher Larkosh, (responsável, aliás, por um seminário na Universidade do Cabo, África do Sul, sobre a novela), conclui a tradução integral do Mar para o Spanenglish (espanhol e inglês) e a publica no início de 2010 nos Estados Unidos, num significativo empreendimento.

 

 

AB - O jornalismo e a literatura na internet, inclusive num espaço de projeção tão ampla como o "Trópico", onde você escreve regularmente, para ficar num exemplo, inova?

 

WB - Eu considero a internet a maior invenção depois de Gutemberg. Devemos celebrar o fato de sermos contemporâneos dessa inovação fantástica, que acabou com as províncias, que dinamitou as fronteiras e que vem detonando inclusive as mais truculentas censuras, como no caso das eleições fraudadas no Irã. A internet derruba ditadores... Hoje sabemos disso. Não há como controlá-la, impossível lhe impor condições... Por ela, tudo vaza. Mas, claro, não tem como compararmos o livro e a tela do computador, mesmo quando nas mais recentes inovações na área do e-book, o "kindle", por exemplo...

 

O livro será sempre e eternamente o livro, um objeto insubstituível, para ser lido com luz externa, para guardar consigo, no bolso ou na estante, em cima da mesa ou debaixo do travesseiro... Um livro é um objeto que recorre à "energia", à imagética "reconstrução" do leitor para que exista... Também impossível ligar um livro na tomada ou ler um livro carregado a pilha... Como folhear um romance no computador, sentindo-lhe o cheiro e a textura... O livro é "corpóreo", tátil...

 

Colaboro há alguns anos, mensalmente, com o "Trópico", conduzido por esta figura histórica de editor que é o meu amigo Alcino Leite Neto. Sou jornalista da velha cepa, do papel, pois comecei, como já disse, adolescente, ainda no tempo do linotipo, numa redação de jornal, e eu fico sempre achando que ninguém me leu quando publico na internet (e não só no "Trópico")... O que é uma curiosa superstição posto que, só para exemplificar, o site de arte e cultura do UOL tem, aí numa média, uns 500 mil acessos mensais. Em dias de pico, (alguns ao longo do mês) 60, 100 mil e até 200 mil já foram registrados, ao site propriamente dito, claro. Fascinante pensar também no alcance do "Trópico", imaginar que alguém esteja lendo você lá numa choça da Amazônia... Mas é tudo virtual, quase abstrato, pra mim... É como se o que eu escrevi continuasse inédito.

 

 

AB - Como veio a existir a literatura? Como veio a existir a arte? Criacionismo, ou trabalho?

 

WB - Trabalho, trabalho e trabalho. E imaginação, imaginação, imaginação... Simbiose perfeita. A mais engenhosa invenção humana, a literatura, posto que única capaz de expandir o imaginário de quem a frui (e flui) tornando-o também "autor", autor do que lê, coartífice da fábula, absolutamente responsável por tudo aquilo que dali inventa, reinventa e extrai.

 

 

AB - A literatura sonha um mundo em que as coisas fossem diferentes. A política é importante para a literatura? Para a arte? Em que sentido?

 

WB - A literatura, em minha opinião, já é uma política, a política, digamos da poética... O varejo político, necessário e húmus para qualquer democracia, com seus altos e baixos, é outra coisa, pode inspirar a ars poetica mas esta nunca por ela, pela "política" inspirada ou regida. Está aí o fragoroso fracasso do chamado "realismo socialista" ou até mesmo de um neo-naturalismo meio emburrecido que vigora por aí, em algumas praias...

 

 

AB - O escritor aos 60 anos. E agora?

 

WB - Pois é... Ainda ontem os meus vint'anos ensandeciam e eram ensandecidos por todos os sex, drugs and rock'n'roll daquela Ipanema do finalzinho dos 60 e de toda inteira e total por mim vivida década de 70. O desbunde, o on the road, as agruras e as delícias dos quitinetes apertados da zona sul carioca onde viveu a minha juventude — perseguida pela caretália de um lado, mesmo a de esquerda, e pela caretice que é a essência mesmo da direita. Hoje esses referenciais estão falidos, mas àquela época ainda faziam sentido e daí eu recorrer, cá nesta conversa, a eles. Mas o saldo foi extremamente positivo, aquele tempo em que, como dizia o Leminski, precisávamos viver o "êxodo rural", migrando para os grandes centros. Fica ridículo falar de "província" depois da existência da internet... Hoje, podemos construir uma carreira, sobretudo literária, morando mesmo na mais remota aldeia moldávia... Aquele tempo, não. E isso me nutriu sobremaneira. Caio (Fernando Abreu) morreu me cobrando as memórias dos 70 no Rio... Talvez ainda as escreva. Projeto sempre adiado...

 

 

AB - Hoje o que Wilson Bueno perguntaria a Wilson Bueno?

 

WB - Por que em vez da literatura, você, WB, não enveredou para o business como muitos de seus amigos de geração morando hoje em triplex aqui, no Leblon e em Acapulco? Gordíssimas, as contas bancárias... Bem que o chamaram aos brios, não é mesmo? Poesia... Poesia não paga sequer o aluguel do poeta... E você continua poeta aos sessenta anos? Ainda não desistiu? E vai continuar poeta, meu?

 

 

[Publicada, originalmente, na revista Literatura e Autoritarismo n. 14,

da Universidade Federal de Santa Maria]

 

  

 

 

 

outubro, 2009
 
 
 
 
Mais Wilson Bueno em Germina
 
 
Wilson Bueno no jornal Gazeta do Povo | Paraná
 
 
 
 
 
Antonio Rodrigues Belon é professor do Programa de Pós-Graduação, Mestrado em Letras, do campus de Três Lagoas, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.