Pesquisa rápida sobre o riso faz supor que, depois do dinheiro, é atrás dele que se anda. Se não mais, pelo menos tanto quanto atrás do sexo. Alguém dirá que, tendo em abundância o primeiro e o último, então rir será só consequência.

 

Fosse verdadeiro o raciocínio, sairiam dos Emirados Árabes os melhores humoristas do mundo. Não necessariamente pela associação do dinheiro com o sexo, mas pela riqueza. Rico ri à toa, diz o provérbio.

 

Para Charles Baudelaire, a essência do riso se desprende do choque entre dois infinitos próprios à condição humana: a grandeza infinita que o homem experimenta ante os animais, em relação aos quais se sente superior, e a miséria infinita que o homem experimenta em relação ao Ser absoluto, que nunca ri.

 

Ri, sim. Para o salmista, "Aquele que mora nos céus se ri" de reis e príncipes que "conspiram contra o Senhor e seu Cristo". Assim como ri do "ímpio que conspira contra o justo", pois vê "o destino que o espera".

 

A nós, que nascemos chorando, o riso chega primeiro durante o sono, quando recém-nascidos. Cientistas afirmam que, aos três anos, uma criança ri aproximadamente 90 vezes por dia — número que cai para 20 na adolescência. "O moço que não tem chorado é um selvagem, e o velho que se recusa a rir é um tolo", disse George Santayana. Indicador suficiente para suspeitar que, quando jovens pelo menos, nosso riso nasce da dor. O genial Chaplin, que tanto nos fez rir, teve infância e adolescência traumáticas: perdeu o pai viciado em bebida, e a mãe com sérios problemas mentais. Vivendo na dificuldade, também Cantinflas saiu da pobreza de engraxate, aprendiz de toureiro, motorista de táxi e pugilista.

 

Há alguns anos, Mohamed Said Fellag, humorista berbere nascido na Algeria, disse sentir-se "esquartejado" antes de seus espetáculos. Chorava às vezes sozinho nos bastidores, quando pensava nas vítimas das chacinas e nos amigos mortos naquele país do norte da África, então assolado por uma guerra civil. "Dou risadas para não me suicidar", confessou a Dalila Kerchouche, de L'Express.

 

Fazer rir nem sempre dá bons resultados. Um jornal mineiro publicou, em 1897, notícia a respeito da brincadeira de estudantes em um trem noturno, quando faziam passar de mão em mão uma caveira humana. Tratou-se de espetar o crânio na ponta de uma bengala coberta com pano branco. Em seguida, alguém exibiu a montagem pelo vidro da porta de comunicação com o vagão seguinte.

 

O resultado foi desastroso. Segundo a publicação, tão logo o estudante "bateu com a caveira, ouviu-se um grito de terror seguido de profundo silêncio". Quando o trem chegou ao destino, descobriu-se que dos únicos três passageiros do vagão, "uma moça achava-se sem vida, uma de idade avançada jazia por terra em horríveis convulsões, enquanto que um velho estava inteiramente louco".

 

Da mesma época é a publicação, em outro jornal mineiro, de matéria sobre estranha moléstia em Sovramonte, Itália. "Os que são atacados vêem-se estranhamente acometidos de um riso convulsivo, que os obriga a movimentos os mais extravagantes, falecendo 24 horas depois".

 

Para a autora de O riso e o risível na história do pensamento, Verena Alberti, "não só é impossível morrer de rir, como podemos evitar, pelo riso, 'o perigo iminente da morte', o que é atestado por três exemplos de doentes que estiveram à beira da morte, mas se salvaram quando riram das graças de um macaco". Reza a lenda, no entanto, que o pintor grego Zeuxis morreu de tanto rir da feiúra de uma velha que ele mesmo pintara.

 

Pensando bem, não seria má ideia o emprego de macacos, não apenas para recuperar nossos doentes — incuráveis pelas 'macaquices' de um sistema de saúde pública de fazer chorar. É tentador pensar que talvez o país obtivesse melhores resultados no ambiente político, a crer-se no que disse Horácio:

 

"Que é que poderia impedir aquele que ri de dizer a verdade?".

 

 

 

 
 
outubro, 2009
 
 
 
 

 

Eduardo Lara Resende (Belo Horizonte/MG). Estudou Direito, mas acabou dedicando-se ao jornalismo. Morou e trabalhou também em Brasília, DF,  e no Rio de Janeiro, RJ. Jornalista profissional com experiência nos setores de reportagem, edição e revisão de textos. Escreveu para o Jornal do Brasil, Estado de Minas, Hoje em Dia e revistas diversas. Assessor de Imprensa e de Comunicação de várias empresas — entre elas uma multinacional — trabalhou ainda para agência de publicidade do Grupo Ogilvy, no Rio de janeiro, RJ. Ghost writer de vários livros no gênero biografia, seu mais recente trabalho é a memória de importante instituição patronal da indústria mineira — trabalho em fase de edição e com lançamento previsto ainda para 2009. Tem novela infanto-juvenil inédita. Vive em Juiz de Fora/MG.