Com a internet se popularizaram os namoros e casamentos virtuais. No entanto, isso que as pessoas imaginam ser tão novo e ter alterado tanto as formas de socialização, já era possível quando surgiram os primeiros meios de comunicação elétricos, como o telégrafo. Antes dele ainda havia a carta, que possibilitava que os encontros amorosos se realizassem à distância. Mas o telégrafo trouxe a possibilidade de que isso ocorresse em tempo real.

 

Em 29 de janeiro de 1867 (128 anos antes da internet estar à disposição dos brasileiros) o Diário de Minas, que circulava em Ouro Preto, noticiou um caso de um casal que, através do telégrafo, conheceu-se e apaixonou-se. No entanto, o homem apaixonado é traído e morto, em um duelo com um amigo, que lhe rouba a mulher amada. E tudo isso ocorre em apenas 12 horas. Como diz o jornal: "em 12 horas esse homem fora amado, traído e morto".

 

A história é claramente mentirosa, como era comum ocorrer na imprensa oitocentista. É muito engraçado ver a encenação que o jornal faz para ser mais convincente. Ele diz "publicamos correspondência autêntica, temos os telegramas à disposição dos curiosos". Apesar da não veracidade do fato, o texto mostra como as pessoas já discutiam sobre as novas formas de sociabilidade trazidas pelo telégrafo.

 

O primeiro telegrama é enviado ao meio dia, quando John, de Londres, diz "quero me casar (...) arranje uma americana do meu gosto". Meia hora depois, de Nova York, seu amigo Jonathan responde: "Tenho justamente o que desejais, olhos azuis, dentes de neve, cabelos pretos, cintura delgada, sem magreza, amiga da ordem e da economia, em suma, um tesouro". Esse telegrama também mostra o que era valorizado nas mulheres da época.

 

Às 13h, John envia um telegrama dizendo "Dou-vos plenos poderes para tratar do negócio". Às 14h, seu amigo Jonathan responde, dizendo que a moça estava interessada no casamento, mas antes queria ver a foto de seu futuro marido. Às 14h30, John diz que adaptou um aparelho chamado Casseli e estava enviando a fotografia. Às 15h, Jonathan responde dizendo que "achou-vos bem parecido. Consente no casamento". E também envia a foto da moça (que já era chamada de noiva) por um aparelho semelhante.

 

A troca de telegrama continua, às vezes de hora em hora, às vezes de meia em meia hora. Neles são feitas declarações de amor: "Adorável Jenny, desde o primeiro segundo em que vi vossa pulquérrima imagem, ficou ela gravada no meu coração" e "Anjo adorado, já me tarda poder chamar-te de minha mulher, apertar-te nos meus braços". John também pede que seu amigo compre jóias no valor de 100 mil francos e presenteie sua amada.

 

Às 18h, John envia um telegrama dizendo que embarcaria em um navio que saía à meia-noite, para se casar o mais rápido possível com Jenny. No entanto, às 20h, a comunicação da traição. Seu "amigo" Jonathan diz que "é inútil embarcardes. Enquanto tratava do vosso negócio pude apreciar todas as excelentes qualidades de miss Jenny. Abri-lhe meu coração; posto que ela vos estime, dá-me preferência visto que sou seu vizinho".

 

John mostra-se furioso e pede "reparação", ou seja, "um de nós deve morrer". Jonathan concorda e mostra-se provocativo dizendo "nada de demora, devo-me casar à meia-noite". Com o acompanhamento de quatro testemunhas, duas em cada país, à meia-noite, uma carga elétrica é liberada sobre um fio, que John, de Londres, e Jonathan, de Nova York, seguravam. A vítima é John, que cai morto.

 

Logo após a história, que é claramente mentirosa, são feitas algumas reflexões interessantes sobre o revolucionário telégrafo. "Publicamos (...) para mostrar que rapidez pode comunicar à vida o emprego inteligente de novos engenhos com que a civilização vai cotidianamente dotando os homens. Este não lhe prolongará a existência, mas pode fazer de cada ano um século dramatizando cada segundo. Pode condensar em 12 horas um romance de 12 meses". O redator fala da relação diferente com o tempo que o novo meio traz, algo que Paul Virilio falaria muito tempo depois da internet.

 

Lendo o Diário de Minas é possível ver outras notícias de caráter ficcional. Em 30 de janeiro de 1897, por exemplo, o jornal diz: "Uma mulher pejada, tendo-se impressionado com a presença de um preto, acaba de dar a luz uma criança do sexo feminino, que tem metade do corpo branca e a outra metade preta! A mesma cara é bipartida de negro e branco, de modo que quem vê a criança de perfil vê uma negra perfeita de um lado e uma branca do outro".

 

O Diário de Minas, de Ouro Preto, foi um jornal importantíssimo na história da imprensa mineira, apesar de não ser citado por nenhum estudo sobre a memória dos jornais das Gerais. Foi o primeiro jornal tamanho standard (padrão utilizado hoje) da província. Era um jornal que fugia do publicismo (estilo panfletário), ou seja, trazia características do jornalismo informativo. Ele também tinha caráter empresarial, sendo a fonte de renda de seu proprietário J. F. Paula de Castro.

 

Como a própria publicação conta em um editorial de 28 de março de 1878, o proprietário do Diário de Minas teve a ajuda do governo provincial, que então era ligado ao Partido Liberal, para comprar uma boa tipografia no Rio de Janeiro, em 1866. Segundo o diário, nas Gerais só havia dois prelos velhos e em péssimas condições, e tendo em vista a necessidade de se fazer as publicações oficiais, o governo provincial apoiou o empreendimento.

 

Com os novos equipamentos foi possível fazer um jornal em um formato bem maior do que os que circulavam na Província. Assim começou a circular o Diário de Minas, com quatro páginas standard diárias, que continham as seguintes seções: a Parte Oficial (que era paga), Diário de Minas (o editorial), Exterior (notícias internacionais, que eram tiradas de jornais do Rio de Janeiro, principalmente o Jornal do Commercio), Interior (notícias locais), Noticiário (notas e informações variadas), Publicações a Pedido (textos literários, cartas etc), Editais e Folhetim. Eram comuns algumas seções ficarem de fora das edições, assim como serem criadas outras. Também havia muitos anúncios, alguns bem trabalhados graficamente e com textos bem apelativos. Eles ocupavam de uma a duas páginas, ou seja, grande parte do jornal, e eram em sua grande maioria de produtos farmacêuticos. Exemplos: "escova elétrica magnética" (que prometia curar várias enfermidades), "pílulas catárticas", "o peitoral de cereja", "salsaparrilha parisiense", "xarope depurativo e anti-syphilítico de caroba", "injection brou", "ungüento de Holloway", "verdadeiro Le Roy de Signoret, doctor-médicin", "confeitos depurativos", "o mata-dolor vegetal".

 

O jornal, que dependia da receita das publicações oficiais, sempre seguiria a linha de quem estava no poder. Provavelmente por isso, em sua parte informativa, as notícias internacionais tinham muito mais espaço e destaque que as locais.

 

Com a mudança do governo provincial, em 1868, que passou a ter à frente o Partido Conservador, o jornal mudou sua linha política para continuar recebendo pelas publicações oficiais. No entanto, com a subida ao poder dos Liberais, em 1878, o jornal se viu em situação difícil. O governo provincial rescindiu o contrato com relação às publicações oficiais, um golpe de morte ao Diário de Minas.

 

 

 

 

 

junho, 2009

 

 

 

 

Jairo Faria Mendes (Belo Horizonte/MG). Jornalista, escritor, pesquisador e ensaísta. Graduado em Comunicação Social/Jornalismo, Mestre em Comunicação e Cultura pela UFRJ, Doutor em Comunicação Social pela UMESP, tendo feito parte do doutorado na Universidade de Coimbra, Portugal. Professor da Universidade Federal de São João del Rei (UFSJ). Autor do livro O ombudsman e o leitor (Belo Horizonte: Editora O Lutador, 2002), participou das coleções Pedagogia da comunicação (São Paulo: Angelara Editora, 2006) e Personagens da imprensa brasileira (São Paulo: Imprensa Oficial, 2008).
 
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