CARTO+GRAFIAS | Eliana Borges | Intervenção feita no Museu da Gravura de Curitiba | 2005
 
 
 
 
 
 


 

O poema

 

 

O silêncio dói muito mais na pele do inimigo que o grito.

Pousa, assim, cálido, como uma resposta sem pontuação.

Deita suave nas concavidades do ouvido.

Desconserta.

Desmancha certezas.

Hospeda pulgas atrás da orelha.

Arma afiada

Toque lancinante

Estratégia zen

Linguagem dos deuses da arte da guerra.

 

 

 

Razão

 

 

Som, estrondo, barulho, ruído, assobio, farfalhar, cochicho, sussurro, silêncio. Por alguns anos essas sutis diferenças povoaram ideias de um projeto de narrativa. A história de três personagens, permeada pelos ruídos das lembranças mais remotas dos fins de tarde do passado, do atrito do lápis sobre o papel, da mãe lendo revistas sob a luz do abajur, do vento forçando a janela. Os textos, ora conexos ora desconexos entre si, foram sendo escritos embalados por uma trilha sonora instigante. Steve Reich, Luciano Berio, Phillip Glass e o silêncio atordoante de 4'33" de John Cage.

 

Do ruído ensurdecedor ao silêncio abismal. Muitos dos textos produzidos ao longo do tempo foram lapidados, editados, reescritos, transformados por outras ideias transversais. A narrativa, os três personagens persistem em outro livro, ora em construção sob outra perspectiva.

 

O ruído calou-se em meio às transformações. E assim, restou o silêncio. Um poema. Suave e ferino. O pano de fundo são as batalhas cotidianas, as interrogações, as sutilezas das invisibilidades sonoras. A arte do silêncio arrebatador que destrói as certezas e desestabiliza. A antideia do silêncio apaziguador que dissipa os conflitos. O silêncio como dor. O silêncio, mais sonoro que o grito.

 

"Tratado sobre o silêncio" transformou-se em música — numa parceria com Julio Anizeli — e integra o CD de poesia A Mulher das Palavras. 

 

 

setembro, 2010
 
 
 
 

Karen Debértolis (Londrina/PR). Escritora e jornalista. Gravou o CD de poesia A mulher das palavras (PROMIC, 2009). Publicou A estalagem das almas (Promic/Travessa dos Editores, 2006), Guardados (Atrito Art, 2003) e Calidoscópio (Edição de autor, 1995). Em 2008, ganhou menção honrosa no Concurso Helena Kollody (Secretaria de Estado da Cultura do Paraná). Em 1994, ganhou o prêmio Revelações do jornal literário Nicolau (Secretaria de Estado da Cultura do Paraná). Possui textos nos jornais literários Nicolau e Suplemento Literário de Minas Gerais, além das revistas Coyote e Grafias (Londrina/PR), Medusa (Curitiba/PR), etc. Atualmente, trabalha na coordenação editorial da reedição do livro Eulália neutra, do poeta e jornalista londrinense Antonio Vilela de Magalhães e na produção do livro Caixa de memória. Mais em www.karendebertolis.blogspot.com.

 

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