sem título | maria polo | óleo sobre tela | 62X73 cm | 1982
 
 
 
 
 
 


 

O poema

 

 

Augusta

Não custa

Tentar

Viver

 

Augusta

Seu brilho

Irei

Perder

 

Augusta de suspensórios no ar!

Suspensa pra quem não sabe alcançar

Injustas são maneiras de não ver

Os seres que passam no entardecer

 

Augusta, decidi:

Entrego-lhe meu coração

E a convido pra dançar

Mas, por favor, não chore

Não molhe meus olhos

Deito triste sobre o frio de sua pele

Tão asfáltica

Onde você insiste em lacrimejar

Com sua garoa.

 

 

 

 

Razão

 

 

Fui criado em Belo Horizonte, em meio ao asfalto, à poluição das avenidas, às luzes da cidade, ao ruído dos carros, ônibus e construções. (De vez em quando, porém, preciso pacificar meu ser no contato com a natureza — o campo, o mato — e com as pequenas cidades do interior.) Outros poemas e canções fiz a partir de paisagens urbanas. Inclusive um livro inteiro, chamado Belo.

 

Em 1982, aos 21 anos, por conta de um emprego, mudei-me para um lugar distante de BH, física e culturalmente, uma cidade mínima. Deixei família, amigos, faculdade, cinema, vida noturna, tudo que eu tinha. Foi um choque brutal. Após meses nesse exílio, fui a São Paulo fazer um curso, com duração de poucos dias. Não conhecia São Paulo. (O Rio sim, mas Rio era cidade iluminada pelo sol, alegre no entorno de suas praias, diferente do cinza paulistano.)

 

São Paulo foi outro choque, mas bom; onde morava, sentia falta da civilização. Fiquei no centro velho, para fazer o curso, e perambulava à noite. Nessa época, gostava de pedir a músicos que me deixassem cantar e tocar violão em um de seus intervalos. Espécie de treino e autoafirmação. Fiz isso num barzinho em Sampa, situado no subsolo de um sobrado, depois de sorver a coragem em duas doses de vodka.

 

Cantei canções novas, uma nordestina, uma mineira, e, para estranhamento dos jovens descolados que frequentavam o bar (por ser eu também tão jovem), fechei com uma bonita canção de seresta. Em seguida, caminhei naquele cenário antigo e dominante. No alto de uma rua, próximo à Paulista, senti uma baita nostalgia por conta da vida que ia perdendo apartado das cidades. Foi a motivação para a escrita do conto "O romanesco", publicado no jornal "Rascunho", em março de 2006, e do poema "Augusta" (uma prosopopeia? a lembrança de uma mulher?), publicado 25 anos depois, no livro Lua diferente, e também musicado por mim. 

 

 

setembro, 2010
 
 
 
 

Rogério Miranzelo (Belo Horizonte/MG). Escritor e jornalista, colabora em vários jornais e sites do Brasil. Autor dos livros Lua diferente (poemas, 2007) e Belo (crônicas, 2004). Twitter: @miranzelo. Seu site: www.miranzelo.com