Em um dos programas "Provocações", da TV Cultura, o Antônio Abujamra pergunta ao artista plástico contemporâneo Nuno Ramos se conhece Walmir Ayala, no que o outro diz que não conhece. Tudo bem. Nuno não tem obrigação de conhecer ninguém, nem mesmo o crítico de arte e escritor que foi Ayala.

 

A Global publicou Melhores Poemas — Walmir Ayala, com seleção de Marco Lucchesi. O livro traz um apanhado de vários livros de poesia do autor.

 

A seleção de Lucchesi apresenta poemas de 11 livros, do mais recente ao mais antigo. Os reinos e as vestes (de 1986, o último publicado) apresenta uma unidade, não apenas pela numeração gradual do poema, que perpassa todo o livro. O livro é um grande e só poema.

 

A posição crítica mais acertada — o selecionador também pensa assim — sobre a poesia de Ayala parece ser a do poeta e crítico literário piauiense Mário Faustino, que diz da noção precoce do espaço poético e da segurança e valor do adjetivo, usado como estrutura e não apenas como enfeite.

 

Muito se pode falar sobre a variedade, e toda a força obsessiva e contraditória, da obra de Walmir Ayala. Vale notar que era amigo de Lúcio Cardoso e fascinado por Crônica da casa assassinada, de onde vem obsessão e contradição.

 

É do livro Águas como espadas (1983), o poema "Tatuagem":

 

 

Eu não sou um veículo eletrônico,

eu sou uma golfada de sangue,

sou um assomo de ciúme,

uma explosão de ira.

Eu não sou uma película transmissora,

nem um écran, um zoom de aproximação,

nem sequer um microscópio.

Eu sou um sono tumultuado,

sou um sonho que me tatua.

A pele da minha alma tem árvores fantásticas

e saudades maternas, e monstros inconclusos,

abismos, ligações mais estabelecidas,

terrores que perfumam a máscara encoberta.

 

Eu não sou um instrumento.

Sou a mão que age e o gesto

que consuma.

 

 

Estado de choque(1980) traz poemas de cunho social, alguns que remetem a pintura (como dito antes o autor era atuante crítico de arte) e uma bela homenagem a Cecília Meireles, com o poema "Entrevista".

 

O mais curioso dos livros é Questionário (1967). Os títulos dos poemas são questões onde os poemas se desenvolvem:

 

 

 

(DEFINA EM TRÊS PALAVRAS A COR VERMELHA)

 

                        Rosa em delírio.

 

 

 

(DEFINA EM TRÊS PALAVRAS A COR AZUL)

 

                        Espectro da lâmina.

 

 

 

Há muito a se saber sobre Walmir Ayala.

 

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O livro: Walmir Ayala (org. Marco Lucchesi). Walmir Ayala — Melhores Poemas.

Rio de Janeiro: Global, 2008, 224 págs., R$39,00

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dezembro, 2010