O que de melhor o escritor contemporâneo pode dar ao leitor, no campo da estética, é a renovação. O "texto esquema novo" (para lembrar o álbum de estreia de Jorge Ben: Samba esquema novo) que Carola Saavedra apresenta em seu novo livro é de leitura agradável. Os capítulos são gravações. Vinte e duas no total. Érika, a protagonista, tece a história à medida que a narra para o gravador.

É um experimento: para Érika que é artista plástica, para o leitor e para a autora do livro. Tudo é gravado, enquanto a artista se auto-analisa. O som ambiente, conversas de pessoas, programas de rádio, ruído de passos, a respiração, o barulho das ondas, etc. Tudo interage com a fala de Érika. É como se fosse uma performance artística.

Carola Saavedra, que parece vir de outras experimentações, é muito consciente da proposta de leitura do seu Paisagem com dromedário. Sabe onde está pisando e onde quer chegar. Não se arrisca. Só o bastante para concretizar sua proposta, que não afasta e nem espanta o leitor.

A fala e a escrita são inconciliáveis. Ousado seria que Carola transpusesse para o livro a fala sem os retoques da escrita.

Quase todos os personagens do romance têm uma relação direta com o mundo da arte conceitual. O que carrega a história de muita discussão sobre o tema. Érika mesmo vive imaginando o que poderia virar uma instalação ou algo parecido. Aqui se torna cansativo e cheio de clichês.

Mas o texto é leve, introspectivo e bem fluído. Peca somente nas passagens novelescas ou hollywoodianas. O que dá no mesmo. Algumas vezes o texto se torna também muito afetado, outro pecadinho.

Um dos pontos altos da história é a convivência de Érika com Pilar. A faxineira da casa, numa ilha no meio do oceano, em que está hospedada. A relação me faz lembrar Sangue de um amor correspondido, de Manuel Puig. O escritor gravou a história, contada por um pedreiro que reformava um de seus apartamentos no Rio, para desenvolver o romance.

Pensando bem, há algumas analogias entre Saavedra e Puig. A importante é que são experimentalistas. Ambos latinos. O escritor morou de 1980 a 1988 na cidade do Rio de Janeiro, onde atualmente a escritora mora.

Voltando a Érika. Parece que tudo que ela quer é o que nos ensina a crítica pós-moderna, Barthes em particular: trocar de pulsão, deixar de ser uma artista solitária para ser uma esposa dona de casa com filhos. Talvez seja esse outro ponto alto da obra: as dúvidas da personagem com o seu fazer artístico. O que me lembra agora o livro de ensaio A grande feira, do jornalista e escritor Luciano Trigo. Aliás, muitas das discussões sobre arte que Saavedra suscita no romance, me lembraram o livro do Luciano. Onde o jornalista avalia o valor da arte conceitual.

Salutar o "esquema novo" de Carola Saavedra. Vale conferir.

 
 
 
   

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O livro: Carola Saavedra. Paisagem com dromedário.

Rio de Janeiro: Cia. das Letras, 2010, 167 págs., R$38,00

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dezembro, 2010