Lowboy — segundo a orelha do livro, "garoto de baixo", pelo fato de ter fascínio pelo metrô (muito da ação do livro se passa no metrô) ou "garoto para baixo", devido à sua esquizofrenia —, que eu traduziria para "garoto lombra", é o título original do romance do jovem ficcionista americano John Wray. Apontado pela crítica como um dos melhores de sua geração. O título em português é melhor do que o original: Afluentes do rio silencioso. A expressão foi colhida do miolo do livro. Ela aparece quando o avô do garoto fala num rio subterrâneo que corta Manhattan.

O garoto se chama William Heller. Mas todo mundo o chama de Lowboy. Talvez esta tenha sido a pretensão de John Wray: imortalizar o personagem. Lowboy é um garoto de dezesseis anos, inteligente e sensível. Esquizofrênico. O grande mérito do autor é exatamente este: ter construído um personagem esquizofrênico irretocável. Os pensamentos, as sensações e as falas de Lowboy são bem características de uma pessoa acometida da doença. Tarefa nada fácil transpor para o papel um personagem assim.

O livro é carregado de diálogos. Levando a crer que a segunda pretensão do autor é que o livro seja fácil de roteirizar. Pensa pelo cinema calcificar ainda mais seu personagem? Os diálogos são bons. O que também não é fácil de fazer.

O garoto lombra, Lowboy (Lombra tem um som parecido ao de Lowboy), vê o mundo como se estive lombrado. O mundo através de lentes mágicas. O garoto acredita que vai salvar o mundo da destruição. O aquecimento global vai devastar o planeta. E, para evitar a catástrofe, é necessário que ele atenda ao chamado de seu corpo: faça sexo. Só assim o planeta estará salvo do 11 de novembro (alusão ao 11 de setembro), dia da destruição. A confusão está armada na cabeça do protagonista: confunde o calor do mundo com o calor do seu corpo. O personagem chega a dizer que ele está dentro do mundo e que o mundo está dentro dele. Precisa despejar sua lava dentro de alguém para salvar o planeta da destruição.

John Wray sabe montar uma cena de sexo. Erótica a que Lowboy está quase transando com uma esquizofrênica num vão dos túneis do metrô, e muito boa a que concretiza a paranoia dele, quando finalmente faz sexo com uma prostituta. Na cena Wray consegue passar libido para o leitor — apesar de Lowboy não estar sentindo isso, para ele é somente um ato heróico — sem apelar.

O autor não se sai bem é no humor. Nota-se que ele tenta, mas sem muito êxito. Uma ou outra tirada de Lowboy e só. Difícil acertar em tudo.

O romance é um bom exemplo da nova ficção psicológica dos Estados Unidos, em contraponto ao que se faz de novo no gênero aqui no Brasil, onde eu apontaria Nunca o nome do menino, de Estevão Azevedo.

Noto que Wray força um pouco a barra para algumas ações do livro encaixarem-se. Nada que o leitor não aceite com carinho e siga com a história. Em alguns momentos, nos delírios de Lowboy, pode-se achar que se trata de literatura fantástica. Mas é bom lembrar que o protagonista é esquizofrênico e que tais rompantes são a construção do personagem.

É o primeiro livro de John Wray publicado no Brasil. Que venham outros, o leitor brasileiro agradece.

 

  
 

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O livro: John Wray. Afluentes do rio silencioso. Tradução de Vanessa Barbara.

São Paulo: Cia. das Letras, 2010, 297 págs, R$48,50

 

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setembro, 2010