Nova York — "Onde fica a seção de poesia?" A resposta do vendedor da livraria numa esquina da 5ª. Avenida: "Infelizmente não temos uma seção de poesia, a poesia aqui está na pior." Porque não vende, claro. "É, porque não vende. Aqui só tem espaço para o lixo popular." Com pinta de crítico literário ele aponta o último livro de histórias de terror de Stephen King. Os volumes formam uma bela montanha de papel que não ficará para as traças nem irá para a guilhotina devoradora de encalhes. Os leitores chegarão primeiro.
O exemplo não é único. A poesia permanece quase ignorada. Tiragens pequenas, para poucos leitores. Diante disso, a pergunta: o que significa ser um poeta "federal" nos Estados Unidos? Ou seja: um poeta do momento, conhecido em termos nacionais? Quem seria esse poeta, então? Uma versão de Norman Mailer, Allen Ginsberg? Alguém que sabe usar os meios de comunicação de massa?
Não, o poeta "federal" está longe do noticiário, das fofocas liter´rias. Não se trata de nenhum nome corrente no noticiário interncional. Pelo menos até agora. Trata-se de um senhor tímido, 57 anos, que divide o tempo entre uma casa vitoriana no Vale do Hudson, leituras públicas e um apartamento em Manhattan.
Chama-se John Ashbery, É considerado uma das poucas unanimidades em matéria de poesia nos Estados Unidos. Quando certas pessoas ouvem seu nome emitem um "ah, sim" compulsivo. Não significa que leram, pode ser apenas fingimento de quem pretende mostrar que não está por fora. Sua foto pode ser vista na galeria da famosa livraria do beat Lawrence Ferlinghetti, a City Lights, em São Francisco. Ao mesmo tempo, intelectuais bem comportados, autores de resenhas e o leitor comum — se é que existe leitor comum de poesia — falam dele com respeito e admiração. Em 1976, ganhou três prêmios: o Pulitzer, o National Book Critics Circle Award e o National Book Award.
No entanto, dizem que Ashbery não pode ser considerado um autor dos mais fáceis. Seus versos longos, de profunda subjetividade, envolvem o leitor num clima intenso, embora nem sempre o motivo da emoção seja claro. O que, sem dúvida, comprova a autenticidade de sua poesia e a seriedade do autor, de resto nada preocupado com quem ainda usa o termo obscurantismo, para dizer o mínimo, a respeito de seus poemas.
Porque algo de obscuro sempre acompanha a poesia do século, sua causa, seu verdadeiro sentido, quando colocada diante do cotidiano, da banalização geral. "Eu tenho sido descrito como o poeta americano de maior sucesso, mas a expressão poeta de sucesso parece contraditória, como uma capacidade negativa. A poesia parece envolver o fracasso, a celebração de uma situação falida", diz Ashbery.
O poema resulta do jogo que o autor desenvolve sozinho. "Muito frequentemente as pessoas não lhe dão ouvidos quando você se dirige a elas. Só quando você fala para si é que abrem os ovidos." Ashbery descarta a possibilidade de uma poesia explicitamente política. "Não temos a tradição do poeta engajado em movimentos políticos." E, além do mais, a poesia está longe de ser tão importante. Em sua opinião, o mundo poderia passar muito bem sem os poetas.
As histórias de King superaram a marca dos 500 mil exemplares vendidos. Se compararmos o resultado com os números de Ashbery, "poeta de sucesso", veremos que talvez ele não esteja exagerando. Lehman insiste em dizer que os livros de Ashbery "vendem extremamente bem". Isso, para um autor do seu nível, explica, representa uma renda anual de US$ 12 mil em direitos autorais e cachê proveniente de leituras.
O segundo livro, "Auto-Retrato num Espelho Convexo", vendeu 36 mil exemplares (hardcover e brochura), desde a primeira edição, em 1975. E o último, "A Onda", lançado em maio, "praticamente esgotou a primeira tiragem de cinco mil exemplares em cinco meses". Ninguém se transforma em poeta de tempo integral com isso. Ashbery já foi crítico regular e professor. Agora recebeu uma bolsa de trabalho com duração de cinco anos, que lhe permite dedicar-se a projetos mais longos, como a redação de peças teatrais. Nda porém muda a convicção de que o poeta John Ashbery é um outsider.
Não, propriamente, por causa do comportamento. Sua foto está ao lado dos poetas da beat generation na City Lights, mas ele afirma que a poesia que escreve nada tem a ver com esses autores. O mérito deles, comenta, está na liberação da poética norte-americana e na divulgação da poesia. Observação irônica: "Hoje há mais poetas do que leitores de poesia no país". Insinuando que poetas não lêem poesia.
Ao ouvir o nome de Ginsberg, ele chama a atenção para o fato de que o autor de "Howl" se transformou numa espécie de rebelde institucional. Fim melancólico. E insiste: o poeta não tem nenhum papel a desempenhar. "Não me interessaria ser um poeta maior na União Soviética, que vende milhões de exemplares. Prefiro assim."
Poesia não é uma questão de conteúdo. Para ele, o "prazer de ler vem de algo mais do que a idéia ou a história num poema, que é somente um tipo de armadura para o poeta ornamentar com trapos multicoloridos. É disto que realmente a pessoa gosta mas não pode admitir, uma vez que há esse impulso subjacente de analisar e tentar fazer com que tudo tenha sentido. Mas o que é fazer sentido?"
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Publicado originalmente no jornal O Estado de S.Paulo
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dezembro, 2010