Escrita no despontar do século 17, a tragédia Macbeth, surgiu da mesma febre criativa que pariu Hamlet, a triste figura do príncipe da Dinamarca.

Macbeth trata das aventuras e desventuras do nobre general escocês, que deixa sua ambição transbordar após ouvir estranhas profecias proferidas por três bruxas, surgidas como uma rajada  de vento nas curvas da estrada.

Elas proclamam-no thane de Cawdor e futuro rei. E lembram que  o nobre que o acompanha, o fiel Banquo, será pai de reis. E em seguida  somem no ar, assim como surgiram. (lembrar que, na época, bruxaria era crime passível de morte na fogueira!)

Macbeth retorna vitorioso das batalhas contra os noruegueses e é fartamente recompensado pelo rei — que vai se hospedar na residência do agora (realmente!) thane de Cawdor. Este cumprir-se da profecia o deixa excitado — ora, então ele ainda será rei! Mas parece que Macbeth deseja 'acelerar' o seu 'destino' e matar o rei naquela noite mesma.

Com a ajuda da perversa mulher, Macbeth assassina o rei e, com a fuga dos herdeiros, assume o reino e passa a dar vazão a toda a sua ambição, suspeitando de tudo e de todos (qualquer semelhança com Hitler e Stalin é mera coincidência...) e mandando matar até o seu amigo Banquo — mas o filho deste consegue fugir — afinal não será o pai de uma dinastia de reis?

Macbeth vê as profecias se cumprindo e volta a procurar as bruxas — quer saber mais sobre o seu futuro.

 

Segunda Bruxa (Ato IV, Cena I):

 

"By the pricking of my thumbs,

something wicked this way comes".

 

"Ao alfinetar de meus polegares,

Algo cruel está pra chegar".

 

Diz a bruxa diante do caldeirão, remexendo a poção maldita e a esperar a chegada de Macbeth. O "algo cruel" pode se referir ao sortilégio, ou ao próprio Macbeth que chega.

Na tradução de Artur de Sales e J. Costa Neves (1970):

 

"Batem-me aqui os polegares.

É que um maldito estes lugares

Procura".

 

Aqui a peça atinge o seu ápice moralista — onde se percebe que não se pode confiar nos oráculos do Demônio — que usam palavras dúbias e meias-verdades.

A questão sobre se há um destino ou se é o ser humano (com sua força de vontade) a construir uma realidade é o pano de fundo, ainda mais com as falas de Macbeth cheias de culpa e remorso, golpeando o peito (tal Marmeladov em Crime e Castigo) apenas para depois voltar a repetir as mesmas atrocidades.

 

"Melhor não conhecer-me que tomar

Consciência do meu feito".

 

Ele exclama depois de assassinar o rei adormecido. E sabe que precisará matar mais se quiser manter o poder — é um ciclo infernal — e suas mãos sempre cobertas de sangue.

 

"Antes mortos

com aqueles que à paz mandamos

que deitarmos, a mente torturada,

em sono inquieto".

 

Macbeth tece as impressões sobre si mesmo, apenas para ordenar em seguida a morte de Banquo. Para quê? Em seguida é o espectro de Banquo que assombra os festins do rei tirano. Macbeth perde  o controle e suas máscaras cuidadosamente encenadas estão em pedaços.

 

Surge uma oposição em seu reino, tropas inglesas ameaçam apoiar os rebeldes, a unidade se perde — a face do usurpador se revela.

Há um destino (o profetizado) ou tudo é um acúmulo de erros do próprio Macbeth? E se existem profecias — não seriam inúteis?  Afinal não poderíamos fugir do que está determinado!

Macbeth, no ponto alto da peça, na cena da batalha, chega a se imaginar tal uma marionete, um ator numa peça patética:

 

"A vida é só uma sombra: um mau ator

Que grita  se debate pelo palco,

Depois é esquecido; é uma história

Que conta o idiota, toda som e fúria

Sem querer dizer nada".

 

Perdido diante dos acontecimentos sangrentos, o usurpador começa a moralizar sobre o pecado que é dar ouvidos às bruxas decrépitas, etc.

As meias-verdades das espalhafatosas bruxas (claro, uma série de  caricaturas. Vivia-se o reinado de James I, da Escócia, que era um caçador de bruxas antes da 'era macartista') visavam colocar o nobre ambicioso à prova ou acelerar a ruína do mesmo? Pois se o futuro está predestinado, determinado, não há  espaço para a liberdade, e qualquer ação que se ousa já 'está escrita' no enredo da Eternidade, "maktub", como dizem os povos do Islã.

Macbeth tem alguma liberdade? Poderá desfazer-se de sua ambição  e assim confessar seu delito? Ou é refém de seus próprios erros?  Onde manter uma tirania é sempre ser um lobo em pele de cordeiro?

Ele sabe que "algo perverso virá" — mas não é ele mesmo quem ordena? Ou existem cordas invisíveis que o puxam tal uma marionete? Em que palco (olhem a metalinguagem shakesperiana!) ele se agita? Como consegue sobreviver a náusea da própria auto-consciência? (Goethe disse certa vez: "Se eu me conhecesse, de mim eu fugiria", assim dizia o autor de Fausto)

Como sobrevivem os tiranos?

 

"Lavamos nossa honra em elogios,

Mascarando com o rosto o coração,

Escondendo o que somos".

 

Alguma melhor definição do hodierno "auto-engano"?

 
 
setembro, 2010
 
 
 
 

 

Leonardo de Magalhaens (Leonardo Magalhães Barbosa). Crítico literário, escritor, tradutor, escreve e traduz desde os 15 anos. Tem engavetados três volumes de poesia e três volumes de contos, além de dedicar-se a um ciclo de romances em seis volumes. Divulga sua contribuição ensaística de crítica literária, especializando-se em autores vivos, demasiadamente vivos. Ocupa-se da promoção de eventos para a OPA! (Oficina de Produção Artística), ONG da qual é o atual Secretário. Belorizontino, atualmente, estuda Letras na FALE/UFMG, com ênfase em tradução. Escreve o blogue Leitura e Escrita e Traduções.